Organizar as contas

Até que a fatura nos separe: o que casais precisam conversar sobre dinheiro (antes que seja tarde)

Tem quem acredite que “amor e dinheiro não se misturam”. Mas, na prática, o que mais desgasta uma relação é dividir a vida sem dividir as decisões.


Carol Stange, colunista Bora Investir. Fonte: Arquivo pessoal.

Carol Stange

Planejadora financeira e consultora independente de investimentos, Carol Stange atua como multiplicadora do programa “Eu e meu dinheiro” do Banco Central e acumula as certificações CEA (Anbima) e CNPI-T (Apimec), além de ser Consultora CVM, criadora da marca “Como enriquecer seu Filho” e cofundadora do Instituto de Educadores Financeiros.


“Eu só queria dividir a vida com ele. Mas acabei dividindo dívidas.”

Essa foi a frase de uma cliente que me procurou poucos meses após o fim de um relacionamento de seis anos. Segundo ela, o namoro ia bem. Havia carinho, parceria e planos para o futuro. Mas tudo começou a mudar quando decidiram morar juntos.

No começo, os gastos eram pequenos: um presente aqui, uma ajuda no mercado ali. Depois vieram as assinaturas conjuntas, o cartão de crédito adicional, o financiamento do carro. Então, sem que percebessem, as conversas sobre “nós” foram sendo substituídas por tentativas frustradas de planilhar as despesas, boletos “inesperados”, expectativas não ditas e ressentimentos acumulados. Eles ainda se amavam. Mas brigavam quase todos os dias.

O motivo? Sempre ele: o dinheiro — ou, melhor dizendo, a ausência de diálogo sobre ele.

Silêncio financeiro não protege. Ele corrói.

Tem quem acredite que “amor e dinheiro não se misturam”. Mas, na prática, o que mais desgasta uma relação é dividir a vida sem dividir as decisões. Parte disso nasce do mito de que evitar falar sobre dinheiro no começo pode soar prudente — ou até romântico. Só que esse silêncio, com o tempo, deixa de parecer cuidado… e começa a parecer descuido. “Deixa a vida acontecer.” “Não quero parecer interesseiro.”

Com o tempo:

  • Um passa a arcar com tudo sozinho e se ressente, mas não sabe como pedir apoio.
  • O outro se sente cobrado, mas não entende exatamente por quê.
  • Os sonhos ficam travados. Os planos não saem do papel.

E o relacionamento, que antes era espaço de construção, vira um campo minado de frustrações.

Falar sobre dinheiro não mata o clima. Alimenta a parceria.

Conversar sobre finanças não é fazer “DR” de planilha. É construir visão de futuro. É dizer “eu me importo com o que a gente vai construir junto”. E não precisa ser duro ou burocrático.

Algumas perguntas, feitas com curiosidade e empatia, já abrem caminhos importantes:

  • Quais são nossas prioridades hoje?
  • O que a gente sonha conquistar juntos?
  • Como lidamos com imprevistos — ou desacordos?

Essas conversas não precisam ter todas as respostas. Mas precisam acontecer. Elas revelam se o casal está alinhado nos desejos e nas decisões — ou apenas tentando não incomodar o outro.

Casais maduros cuidam do amor. E também das contas.

A vida em comum não é só sobre o que se sente. É também sobre o que se escolhe — todos os dias.

Ao longo dos meus mais de 15 anos como planejadora financeira, vi casais com renda alta se afundarem em brigas por falta de alinhamento. E outros, com rendas modestas, prosperarem porque conversavam com clareza, revisavam acordos e caminhavam como equipe. A diferença não estava no quanto ganhavam.

Estava na forma como escolhiam lidar com o dinheiro — e, principalmente, com os silêncios entre eles.

Mais do que presente, dê clareza. Mais do que um jantar, tenha conversas.

Se você está em um relacionamento, talvez o maior gesto de cuidado não seja a reserva no restaurante mais caro da cidade, mas a coragem de propor um papo sincero sobre finanças. Porque dinheiro não é ameaça. É ferramenta. É ponte. É símbolo das escolhas que vocês farão — e das que precisarão rever.

E, se for bem cuidado, pode ser também o alicerce de uma vida a dois mais tranquila, com menos ruído, mais respeito e decisões que fazem sentido pros dois. O amor pode até fechar os olhos. Mas o extrato bancário… esse não deixa passar nada.

As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3

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