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Einar Rivero: por que o empréstimo de ações renovou recordes?
O volume movimentado em aluguel de ativos alcançou R$ 180,14 bilhões em 10 de dezembro de 2025
Einar Rivero
Einar Rivero é engenheiro e especialista em dados financeiros, com carreira dedicada à análise de informações econômicas e à geração de insights estratégicos para o mercado. Ao longo de mais de duas décadas, atuou em posições de liderança em grandes plataformas de dados, consolidando-se como referência em estudos e levantamentos sobre o mercado financeiro brasileiro, América Latina e EUA.
Em um ano marcado por recordes sucessivos do Ibovespa, outro indicador pouco percebido pelo investidor iniciante também tem quebrado marcas importantes: o estoque de aluguel de ativos na B3. O volume movimentado na Plataforma BTB, que reúne a oferta e a demanda por empréstimo de ações, ETFs, BDRs e FIIs, alcançou R$ 180,14 bilhões em 10 de dezembro de 2025, o maior montante mensal já registrado.
A escalada não começou agora. Desde junho de 2025, quando o estoque somava R$ 139,92 bilhões, o mercado vem assistindo a um crescimento contínuo por seis meses consecutivos, um comportamento raro até mesmo para padrões históricos.
Esse avanço acompanhou a onda de valorização do Ibovespa, mas também reflete um conjunto mais amplo de estratégias utilizadas por gestores, investidores institucionais e participantes especializados. E, embora seja uma operação técnica, o aluguel de ativos tem impacto direto tanto para quem toma quanto para quem empresta títulos.
Este artigo apresenta, de forma didática e neutra, como funciona o aluguel de ações, quais as vantagens e riscos envolvidos, quem mais utiliza essa ferramenta e o que revelam os dados mais recentes da B3.
O que explica o crescimento do mercado de empréstimo de ativos
Ao observar a composição do estoque de 10 de dezembro, percebe-se que as ações representam 83,7% de todo o volume alugado. A mediana ao longo de 2025 foi ainda maior: 84,3%. Em segundo lugar aparecem os ETFs, com 14,3%; já BDRs e FIIs somam, juntos, cerca de 2% do total.
O perfil concentrado nas ações reforça o uso do aluguel majoritariamente para operações com papéis individuais, especialmente estratégias de hedge, arbitragem e posições vendidas (short).
Do ponto de vista setorial, o movimento também tem liderança clara. Cinco setores respondem por mais da metade do estoque total:
- Bancos: R$ 29,25 bilhões
- Exploração, refino e distribuição: R$ 20,94 bilhões
- Energia elétrica: R$ 19,14 bilhões
- Minerais metálicos: R$ 17,08 bilhões
- Cervejas e refrigerantes: R$ 5,55 bilhões
As três primeiras áreas somam 38,5% do mercado de aluguel; as cinco maiores, 51,07%.
Quando o corte é feito por ativos, a liderança também é clara. O BOVA11, ETF que replica o Ibovespa, lidera a lista com R$ 17,08 bilhões, seguido pela VALE3 (R$ 16,07 bilhões) e pelo ITUB4 (R$ 10,58 bilhões). Juntos, os três papéis concentram 24,28% do estoque total de 10 de dezembro. As cinco maiores posições, que incluem ainda PETR4 e BBAS3, representam 33,89%.
A presença de dois ETFs entre os maiores volumes e de setores consolidados como bancos, energia e petróleo mostra um mercado que busca eficiência, proteção e oportunidades de arbitragem, não apenas apostas na queda dos ativos.
O que leva o investidor a emprestar ações
Para o investidor que empresta suas ações (o doador), a lógica é relativamente simples: trata-se de uma forma de gerar receita adicional sobre papéis já mantidos na carteira. O doador continua como proprietário econômico do ativo, mantendo dividendos, juros sobre capital próprio e demais proventos, enquanto recebe uma taxa de remuneração pelo período em que o papel fica emprestado.
Esse fluxo pode ser visto como uma forma de renda passiva, especialmente para investidores de longo prazo cuja estratégia envolve manter ações por períodos estendidos. No entanto, diferentemente dos proventos de uma ação ou título de renda fixa, o retorno do aluguel não é garantido: depende da demanda de mercado, que varia com as estratégias de gestão, volatilidade e liquidez dos ativos.
Para o tomador, o aluguel serve a três grandes propósitos:
- Operações vendidas (short): venda de um ativo que o investidor não possui, na expectativa de recomprá-lo a um preço mais baixo.
- Hedge: proteção contra movimentos adversos em posições compradas.
- Arbitragem: operações que buscam capturar pequenas ineficiências entre diferentes tipos de ativos, como ações ON e PN, ETFs e seus respectivos índices, pares de empresas semelhantes, ou relações entre o mercado à vista e derivativos.
Em todas essas estratégias, o aluguel é o ponto de partida que permite acessar ativos que o investidor não possui na carteira.
Quais os riscos para quem empresta ações
Embora o sistema de aluguel da B3 tenha forte estrutura de garantias, o doador não está totalmente isento de riscos. Entre os principais:
1. Risco de contraparte (altamente mitigado)
Caso o tomador não devolva o ativo, há execução das garantias.
É um risco residual, mas não inexistente.
2. Indisponibilidade temporária
Se o doador quiser vender o ativo imediatamente, pode ter de aguardar alguns dias para que o tomador o devolva, o que interfere na liquidez instantânea.
3. Eventos societários
Ofertas públicas, reorganizações ou bonificações podem gerar ajustes operacionais temporários nos contratos.
4. Variação das taxas
A remuneração do aluguel é volátil e depende do apetite do mercado, podendo cair de forma abrupta.
Quais os riscos para quem toma ações emprestadas
O tomador é quem assume o maior conjunto de riscos, que vão desde flutuações de mercado até questões operacionais.
1. Risco de mercado
Em uma posição vendida, o prejuízo é teoricamente ilimitado, já que uma ação pode subir indefinidamente.
2. Chamada de garantias
Oscilações negativas exigem reforço de garantias (margin call). A ausência desse aporte resulta em liquidação compulsória.
3. Risco de recall
O doador pode solicitar a devolução do papel. Se o tomador estiver vendido e enfrentar dificuldade de recompra, o custo pode aumentar de forma relevante.
4. Variação do custo de aluguel
A taxa de aluguel pode subir durante a operação, encarecendo a estratégia.
5. Liquidez
Ativos com baixa liquidez tornam a recompra mais difícil e aumentam o risco de movimentos adversos bruscos.
O que mostram as taxas de aluguel dos principais ativos
- TAEE11, do setor de energia elétrica, apresenta a maior taxa entre as grandes posições: 9,38%.
- ABEV3, da indústria de bebidas, aparece com 5,32%.
- WEGE3, referência no setor industrial, tem taxa de 1,83%.
- O próprio BOVA11, líder em volume, registra 1,38%.
Entre os grandes setores presentes nas TOP 20, bancos, energia elétrica e exploração e refino aparecem com o maior número de ativos, reforçando o protagonismo já observado no ranking agregado por setor.
Um mercado que cresce com a sofisticação dos investidores
O avanço contínuo do aluguel de ativos em 2025 acompanha não apenas a valorização da Bolsa, mas também a crescente sofisticação dos participantes. O uso do empréstimo deixou de ser um mecanismo restrito a arbitradores e fundos de alta complexidade para se tornar parte do cotidiano de estratégias institucionais e, em menor escala, também de investidores pessoa física.
Esse movimento amplia a eficiência do mercado, aumenta a liquidez e permite que diferentes visões convivam simultaneamente: investidores de longo prazo que geram renda adicional com seus ativos e operadores mais táticos que buscam proteção ou oportunidades de arbitragem.
De um lado, o investidor doador encontra no aluguel uma forma de incrementar o retorno total de sua carteira. De outro, o tomador utiliza essa ferramenta para estruturar estratégias avançadas que ajudam a dar profundidade ao mercado. E, em ambos os casos, a Plataforma BTB funciona como o elo que garante segurança, governança e previsibilidade às operações.
No fim, o crescimento do aluguel de ações em 2025 reforça uma mensagem clara: o mercado brasileiro está mais maduro, mais líquido e mais técnico, um sinal de que, mesmo em um ambiente de forte valorização, há espaço para múltiplas estratégias conviverem de forma complementar.
As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3