Organizar as contas
Por que noivos conseguem juntar dinheiro e perder peso antes do casamento? E o que isso tem a ver com suas finanças pessoais?
Planejamento de verdade começa quando você decide: onde vale colocar energia; onde vale colocar dinheiro e onde vale colocar tempo e atenção
Estela Borgheri
Planejadora Financeira e co-fundadora da empresa Vínea Gestão de Capital, Estela é formada em Administração de Empresas e pós-graduada em Business Administration pelo Insper. Possui a certificação CFP® e é Consultora CVM
A maior parte das decisões financeiras acontece de maneira fragmentada: investe-se dinheiro sem pensar no tempo disponível, constrói-se carreira sem clareza de propósito, cultivam-se relações sem avaliar se elas ampliam ou drenam energia e oportunidades.
Planejamento, no sentido mais profundo, não é apenas acumular recursos, mas sim alinhar capitais: financeiro, intelectual e social.
Capital financeiro: o mais visível e o mais complexo
O capital financeiro é o mais fácil de medir. Ele aparece em extratos, planilhas, rentabilidades e patrimônios. Mas é justamente por ser tão mensurável que muitas pessoas cometem o erro de tratá-lo como um fim em si mesmo e não como um meio.
Dinheiro desalinhado gera conflito. Um patrimônio construído sem conexão com prioridades pessoais costuma cobrar seu preço: excesso de risco, falta de liquidez quando ela é necessária, sensação constante de insuficiência ou decisões tomadas apenas por comparação com os outros. Falta tranquilidade. É aí que muitas vezes o investidor se perde.
Alinhar o capital financeiro significa responder, com honestidade, perguntas simples — e incômodas:
- Para que esse dinheiro existe?
- Ele está realmente suprindo o que eu priorizo?
- Ele está trabalhando para mim?
- O que ele deve proteger, viabilizar ou sustentar?
Sem essas respostas, mesmo bons investimentos perdem sentido.
Capital intelectual: o ativo que mais compõe retorno no longo prazo
Pouco se fala sobre isso em planejamento financeiro tradicional, mas o capital intelectual é um dos principais determinantes de geração de renda ao longo da vida. Conhecimento, repertório, capacidade de aprender, tomar boas decisões e se adaptar a contextos novos influenciam diretamente: a qualidade das escolhas financeiras; a evolução profissional; a habilidade de ler riscos antes que eles apareçam nos números.
Quando esse capital não é cultivado, o investidor se torna dependente de terceiros, mais suscetível a ruído, promessas fáceis e decisões impulsivas.
Capital social: invisível, mas gera muitas oportunidades
Talvez o mais negligenciado dos três, o capital social é o conjunto de relações, redes de confiança e ambientes nos quais você circula. É o famoso networking que ficou tão clichê e tão malvisto por algumas pessoas. Networking nada mais é do que uma rede de relacionamentos, e se tudo que fazemos está diretamente relacionado a pessoas, é extremamente importante que saibamos nos relacionar com elas.
Ele influencia oportunidades profissionais, acesso a boas informações, parcerias, negócios e até proteção em momentos difíceis. Relações desalinhadas consomem tempo, energia e, muitas vezes, dinheiro, ao passo que as relações bem escolhidas ampliam possibilidades sem aparecer no extrato bancário.
Planejar também é escolher com quem caminhar. Já dizia aquela frase antiga do Jim Rohn, um dos grandes pensadores de desenvolvimento pessoal e influência comportamental no mundo dos negócios: “Você é a média das cinco pessoas com quem passa mais tempo.”
Como fazer um planejamento estratégico
Quando esses três capitais não caminham juntos, surgem sintomas comuns: dinheiro investido sem convicção; carreira bem-sucedida, mas esvaziada de significado; patrimônio crescente com sensação constante de insegurança; decisões financeiras tomadas no automático e não com consciência.
É nesse ponto que o planejamento deixa de ser técnico e passa a ser estratégico. Planejar é decidir o que sustentar e o que abandonar. De fato, alinhar capitais exige escolhas. Nem tudo pode crescer ao mesmo tempo. Nem todo convite merece ser aceito. Nem toda oportunidade financeira faz sentido para todos. Planejamento de verdade começa quando você decide: onde vale colocar energia; onde vale colocar dinheiro e onde vale colocar tempo e atenção. O resto é ruído.
Então chegamos na resposta para minha pergunta lá no início do texto, já que a essa altura você deve estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com perder peso, ou com noivos. A celebração do casamento é uma decisão, uma escolha, uma prioridade para os noivos. Tem propósito, tem um prazo estabelecido, gera uma sensação de enorme prazer. Pronto: temos todos os componentes para o plano dar certo. Por isso quando um casal decide se casar, aí a mágica acontece: o dinheiro sobra, uma força surge do além para fazer dieta e exercícios, sobra tempo para fazer a prova dos drinks. O gatilho da dopamina foi acionado. Está tudo coerente.
Alinhar capital financeiro, intelectual e social com o que é importante para você não é um exercício teórico. É uma prática contínua de coerência. Parece óbvio, mas não é.
*As opiniões dessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3