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Professor Mira: o ouro nos ciclos econômicos e sua volatilidade em tempos de crise
Professor Mira
Investidor profissional, Analista CNPI-T (Apimec), mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira. Empresário, sócio do Clube FII e do Grana Capital, escritor best-seller e educador financeiro com cursos que já formaram mais de 50 mil alunos pelo mundo. Está nas redes sociais como @professormira
Na economia, o ouro transcende o status de metal precioso para se consolidar como um ativo de grande relevância no sistema financeiro global. Sua história como meio de troca e reserva de valor remonta a milênios, mas é em tempos de turbulência econômica e crise que seu papel de “porto seguro” se torna mais evidente.
O ouro possui uma característica única: sua correlação geralmente inversa com os ativos de risco, como ações e títulos, especialmente em cenários de estresse. Quando o pessimismo domina, as bolsas desabam e o valor das moedas fiduciárias é questionado. Os investidores, movidos pela aversão ao risco, migram massivamente para ativos que historicamente demonstram capacidade de preservação de capital.
É nesse contexto que o ouro brilha, muitas vezes atingindo picos históricos de preço, como a sequência de recordes observada recentemente que o levou acima de US$ 4.300 por onça-troy. Dinâmica esta que se reverteu ontem, 21, com a maior queda diária do metal em 12 anos
Compreender a volatilidade do ouro e a forma como ele responde aos acontecimentos no cenário geopolítico mundial é didático, pois te ajuda a entender os movimentos de manada dos investidores e, sobretudo, a importância de ter um plano de longo prazo para não ficar refém dos fatos pontuais e humores do mercado.
A volatilidade calibrada: a corrida por segurança e a brutal correção
Em primeiro lugar, é importante desmistificar o conceito de volatilidade do ouro. Embora o preço do metal possa experimentar flutuações significativas, principalmente em períodos de incertezas na política e economia, essa volatilidade é, paradoxalmente, um sinal de sua função protetora.
Em grandes crises financeiras e durante períodos de forte incerteza geopolítica ou econômica, o preço do ouro dispara. O pânico e a busca por um ativo tangível e universalmente aceito levam a uma demanda explosiva, impulsionando os preços.
A valorização recente que vínhamos verificando, com recordes sucessivos de preço, reflete essa fuga massiva em busca de segurança, ancorada em expectativas de cortes de juros nos EUA e em tensões globais.
No entanto, o ouro não está imune às forças do mercado. Sua cotação é denominada em dólar americano, estabelecendo uma relação inversamente proporcional: o fortalecimento do dólar torna o ouro mais caro para compradores em outras moedas, restringindo a demanda. Assim, o recente fortalecimento do dólar, impulsionado por fatores globais como receios fiscais no Japão e a melhora do apetite por risco, agiu como um poderoso freio no rali do metal.
A queda de mais de 6% no preço do ouro no dia de ontem ilustra a dinâmica clássica de “realização de lucros”. Após um rali tão expressivo e sustentado, o mercado se torna tecnicamente sobrecomprado. Traders e investidores aproveitam o pico para vender, embolsar os lucros, e aguardar um ponto de entrada mais favorável. Esta correção não anula o status de porto seguro do ouro; ela representa, sim, um ajuste saudável na volatilidade.
A combinação de um dólar forte, a realização de lucros após a euforia e a diminuição da demanda por proteção (como a expectativa de acordos comerciais entre China e EUA, ou o fim da paralisação do governo americano) cria o ambiente ideal para um forte recuo.
O mercado, que vinha construindo posições especulativas robustas, incluindo alta negociação de opções, fica vulnerável a essa liquidação, mas a demanda subjacente de longo prazo é o que deve limitar a extensão da queda.
A importância estrutural do ouro nos ciclos econômicos
O papel do ouro vai além de ser um mero ativo especulativo em momentos de pico. Ele é um elemento estrutural que influencia e reflete os ciclos econômicos de forma profunda.
Historicamente, a importância do ouro é inegável, especialmente no período do Padrão-Ouro. Sob esse sistema, o valor das moedas nacionais era fixo em relação a uma quantidade específica de ouro, limitando o poder dos governos de inflacionar a oferta monetária. Embora o padrão ouro-dólar tenha terminado em 1971, substituído pelo sistema de câmbio flutuante, o legado do ouro como âncora de confiança ainda persiste.
Nos ciclos econômicos, o ouro desempenha três funções, independentemente das correções de curto prazo:
- Reserva de valor soberana: Bancos Centrais ao redor do mundo têm acumulado ouro em ritmo recorde. Esse movimento não é especulativo; é uma estratégia de diversificação e proteção estrutural. Em meio a um cenário de fragmentação global, desconfiança na hegemonia do dólar e pressões inflacionárias, o ouro representa uma reserva de liquidez e estabilidade para as nações. Ele é a última linha de defesa contra o colapso do sistema fiduciário.
- Hedge contra inflação e desvalorização: o ouro é uma das defesas mais eficazes contra a inflação, processo que corrói o compra das moedas pela emissão monetária. Sua escassez intrínseca e seu valor universal o tornam um refúgio. A volatilidade do preço, nesse caso, é o reflexo da luta do metal para manter seu valor real diante da perda de valor do dinheiro.
- Indicador e diversificador: o preço do ouro atua como um termômetro da incerteza econômica e geopolítica. Seu aumento sinaliza uma perda de confiança nas instituições financeiras e nas moedas tradicionais. Além disso, para o investidor individual, o ouro oferece uma correlação baixa ou negativa com a maioria das classes de ativos. Sua inclusão na carteira, mesmo em pequenas proporções, ajuda a suavizar a volatilidade geral e proteger o capital contra choques inesperados do sistema, atuando como um ativo contracíclico.
Sendo assim, a queda expressiva do ouro, após um rali histórico, funciona como um poderoso lembrete de que nenhum ativo é imune à volatilidade. Contudo, essa correção é uma pausa natural, e não uma mudança em seu papel fundamental.
O ouro continua sendo um dos poucos ativos que se valoriza precisamente quando outros falham. Ao preservar a riqueza em meio ao caos e ao atuar como um termômetro da saúde econômica global, o ouro assegura que haja uma base de capital sólida para ser reinvestida quando a fase de expansão do ciclo retornar, reafirmando seu status atemporal no coração das finanças mundiais.
*As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3
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