Organizar as contas
Professor Mira: Letramento financeiro no combate à violência contra a mulher
Ao propiciar às mulheres o conhecimento e as ferramentas para a autonomia financeira, a sociedade avança na construção de um futuro mais justo
Professor Mira
Investidor profissional, Analista CNPI-T (Apimec), mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira. Empresário, sócio do Clube FII e do Grana Capital, escritor best-seller e educador financeiro com cursos que já formaram mais de 50 mil alunos pelo mundo. Está nas redes sociais como @professormira
A violência de gênero manifesta-se em diversas formas, sendo as agressões física e psicológica as mais visíveis. No entanto, um obstáculo devastador que silencia e aprisiona as mulheres em ciclos abusivos é, frequentemente, o elo invisível da dependência econômica e da violência patrimonial.
Propiciar meios para a autonomia feminina através da educação financeira não é apenas uma questão de discutir gestão de dinheiro, mas discutir sobrevivência e proteção. É discutir justiça social.
Professor Mira: o poder invisível da Psicologia Financeira
Dependência econômica: o obstáculo silencioso
A dependência financeira é apontada como a principal barreira para que as mulheres consigam romper o ciclo de violência doméstica. A ameaça da miséria e o medo da insegurança financeira, especialmente quando há filhos, muitas vezes superam a coragem necessária para denunciar o agressor. Para a vítima, a escolha não é apenas entre ficar ou sair, mas sim entre “sobreviver com o agressor ou enfrentar a miséria com os filhos”.
Os dados confirmam essa realidade com uma clareza que dispensa interpretações subjetivas. Segundo o DataSenado, 61% das mulheres brasileiras afirmam que a falta de renda é o principal motivo que as impede de denunciar agressões.
Mais da metade dessas vítimas vive com até dois salários mínimos; mais de 17% foram impedidas pelo parceiro de estudar ou trabalhar; e cerca de 10% sequer têm acesso ao próprio dinheiro.
Esses indicadores somam-se como peças de um mesmo mecanismo de controle, estruturado ao longo de gerações que ensinaram às mulheres que a dependência é parte inevitável da vida
Violência patrimonial e financeira em dados alarmantes
O panorama da violência contra a mulher no Brasil revela a urgência de ações focadas na autonomia econômica, especialmente quando vemos a dimensão dos dados sobre o tema.
O Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (RASEAM 2025) registrou mais de 429 mil notificações de violência doméstica, sexual e/ou outras violências no Brasil em 2023.
Dentro desse contexto, o relatório “Visível e invisível 2025”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que a violência física atingiu seu maior patamar desde o início da série histórica: 16,9% das brasileiras sofreram agressão física nos últimos doze meses.
O dado é agravado por outro achado chocante: em média, uma mulher que sofre violência não vive apenas um tipo dela, mas três. E um quarto dessas agressões acontece na frente dos filhos, perpetuando traumas que se tornam também estruturais.
A violência patrimonial atua como um mecanismo de aprisionamento que mantém as mulheres submetidas a outras formas de agressão. Em 2023, os registros de violência contra mulheres foram majoritariamente física (56,8%) e psicológica/moral (29,9%). A violência psicológica é frequentemente usada para minar a autoestima e a capacidade de autossustento, reforçando a ideia de que ela não conseguiria “viver sem ele”.
A interseção da vulnerabilidade: gênero, raça e renda
A dependência econômica é intensificada pelas desigualdades de mercado que afetam desproporcionalmente as mulheres, especialmente as mulheres negras. A falta de autonomia econômica está intimamente ligada a vulnerabilidades interseccionais como:
- Disparidade salarial: de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as mulheres recebem, em média, 20% menos que os homens para desempenhar as mesmas funções.
- Impacto da maternidade e cuidados: as mulheres têm maior propensão a interromper suas carreiras para o cuidado familiar, acumulando menos recursos para a aposentadoria e tornando-se financeiramente vulneráveis na velhice.
- Renda e chefia familiar: O RASEAM 2025 destaca que os domicílios com chefe mulher preta possuem rendimento domiciliar per capita menor.
A desigualdade racial e de renda impõe um fardo ainda maior às mulheres não-brancas, que representam a maioria das vítimas de violência. Em 2023, mulheres pretas somaram cerca de 60,4% dos registros de violência doméstica, sexual e/ou outras violências. A pobreza e a falta de oportunidades, combinadas com o racismo estrutural, cimentam a vulnerabilidade econômica que o agressor explora.
Educação financeira: caminho para a autonomia e o poder de escolha
A violência patrimonial é um grave problema de segurança pública e de direitos humanos, que se sustenta na dependência econômica feminina. Os dados são contundentes: a falta de renda é a principal mordaça imposta às vítimas, impedindo a denúncia e perpetuando o sofrimento.
A educação financeira deve ser encarada como uma política de Estado, provendo os meios para que as mulheres desenvolvam habilidades financeiras desde cedo, mitigando assim o risco de permanência em certas situações de vulnerabilidade.
Investir em letramento financeiro acessível e focado na equidade é, portanto, investir na base da pirâmide de proteção à mulher. É por meio do domínio sobre suas finanças que as mulheres transformam a impotência em poder e a vulnerabilidade em resiliência.
Ao propiciar às mulheres o conhecimento e as ferramentas para a autonomia financeira, a sociedade avança não apenas na luta contra a violência, mas na construção de um futuro mais justo e seguro para todos.
*As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3
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