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Professor Mira: Sua assessoria de investimentos gratuita pode estar custando caro


Professor Mira

Professor Mira

Investidor profissional, Analista CNPI-T (Apimec), mestrando em Economia, com MBAs em Gestão de Investimentos, Análise de Investimentos e Educação Financeira. Empresário, sócio do Clube FII e do Grana Capital, escritor best-seller e educador financeiro com cursos que já formaram mais de 50 mil alunos pelo mundo. Está nas redes sociais como @professormira


Todo investidor tem contato com o assessor de investimentos, o profissional que auxilia nas alocações e que, em tese, é um serviço gratuito oferecido pelas corretoras. Não há nada de errado em utilizar o serviço, inclusive, existem profissionais muito competentes atuando no mercado.

A questão é: esse serviço é realmente gratuito? O fato de você não estar desembolsando dinheiro não anula a existência de um custo e de um potencial conflito de interesses que, silenciosamente, pode corroer parte da sua rentabilidade.

Assessoria de investimentos não é gratuita

Assessores de investimento são profissionais que estudam muito, se qualificam e acompanham o mercado diariamente para oferecer aos clientes, serviços especializados. Naturalmente isso tem um preço e se não é você que está pagando, alguém está.

O modelo de remuneração da maioria dos assessores no Brasil é o Commission-Based (Baseado em Comissão). O assessor, via corretora, recebe rebates (parte das taxas) dos produtos que o cliente adquire (fundos, títulos de dívida, COEs, etc).

Este é o cerne do que chamamos conflito de interesse, pois o que se verifica com certa frequência no mercado são clientes alocados em produtos ruins ofertados por assessores mais focados no comissionamento e não nos melhores interesses do cliente.

Obviamente não são todos os assessores que agem assim. Existe muito profissional ético no mercado e que já entendeu que quanto melhor o negócio for para o cliente, mais longeva e lucrativa será a relação comercial, mas a ação predatória de uma minoria, infelizmente, acaba por prejudicar todo o mercado.

Como funciona o ganho do assessor de investimentos

Atualmente, o investidor brasileiro conta com dois modelos de assessoria: o tradicional, supostamente “grátis para o cliente”, que é baseado em comissão, e um outro mais recente por aqui, baseado em taxa (Fee-Based).

Para quem busca alinhamento de interesses e rentabilidade líquida, entender as nuances de cada um é fundamental, e é isso que vou te explicar neste artigo.

1. Modelo Comissionado (Commission-Based): o custo oculto

Como eu disse acima, você pode até enxergar o serviço como “gratuito” pois não está pagando uma mensalidade, mas ele é pago de forma indireta e diluída, gerando um custo invisível e, muitas vezes, mais alto do que o fee explícito.

Prós do Modelo ComissionadoContras do Modelo Comissionado
Acessibilidade: amplamente disponível e percebido como “custo zero”.Conflito de interesses: o assessor é incentivado a recomendar o produto que paga a maior comissão à corretora, e não necessariamente o mais eficiente para o cliente.
Suporte frequente: o assessor tem um incentivo (comissão) para manter o cliente sempre ativo e alocado.Custo oculto alto: o cliente paga o custo do assessor nas taxas de administração dos fundos e nos spreads dos títulos de renda fixa.
Baixo AUM mínimo: muitas vezes, não há valor mínimo para o investidor ter acesso.Risco de over-trading: incentivo à troca constante de produtos para gerar novas comissões.

Exemplo prático de custo oculto

Considere, por exemplo, que um assessor comissionado coloque 30% do seu patrimônio em um fundo de investimento com taxa de administração de 2% a.a.

Destes 2% de taxa, a gestora repassa um rebate de 0,80% a 1,2% para a corretora/assessor.

Você paga 2% (o custo do fundo), mas o assessor é remunerado por um percentual considerável que sai do seu bolso. O produto mais caro é o mais rentável para o intermediário.

2. Modelo baseado em taxa (Fee-Based ou Fee-Only): o custo transparente

Neste modelo, o profissional é remunerado diretamente pelo investidor por meio de uma taxa (o fee), geralmente um percentual anual sobre o patrimônio sob aconselhamento, o chamado AUM (sigla em inglês para Assets Under Management).

Prós do Modelo baseado em taxaContras do Modelo baseado em taxa
Alinhamento de interesses: quanto mais o patrimônio do cliente crescer, maior será o ganho do assessor, pois seu fee é sobre o AUM.Custo explícito: o cliente vê o valor da taxa ser debitado, o que pode gerar desconforto em anos de baixa performance.
Foco na eficiência: o consultor é incentivado a buscar produtos de taxa zero ou com taxas baixas (ETFs, Fundos low-cost) para maximizar o retorno líquido do cliente.AUM mínimo: Geralmente, há um valor mínimo (ex: R$ 500 mil a R$ 1 milhão) para que o serviço seja rentável para o consultor.
Gestão integrada: o foco é o planejamento financeiro, tributário e sucessório de longo prazo, e não a venda de produtos.Atenção: é preciso verificar se o fee é Fee-Only (só recebe do cliente) ou Fee-Based (recebe do cliente, mas devolve 100% dos rebates recebidos das gestoras).

Exemplo prático de comparação (R$ 1 Milhão)

Para um patrimônio de R$1 milhão, as taxas fee-based típicas giram em torno de 0,6% a 1% ao ano sobre o patrimônio alocado.

Na maioria dos casos, o custo oculto do modelo comissionado (embutido nas taxas de produtos nem sempre eficientes) é igual ou superior ao custo explícito do Fee-Based, mas sem a garantia do alinhamento.

CustoModelo ComissionadoModelo Fee-Based (média 0,7% a.a.)
Custo transparenteR$ 0,00R$ 7.000,00
Custo oculto (Taxas e Spreads diluídos)R$ 8.000,00 (Estimado)R$ 0,00 (O cliente recebe cashback dos rebates)
CUSTO TOTAL ANUALR$ 8.000,00+R$ 7.000,00

Claro que essa é uma estimativa hipotética, e isso pode variar de acordo com os ativos de sua carteira, taxas desses produtos, entre outras coisas. Por isso, é importante você conhecer as diferenças para poder conversar com sua assessoria atual, entender qual é o ganho que você proporciona hoje com seus investimentos e, dessa forma, decidir que modelo de assessoria é melhor para a sua carteira.

O novo marco regulatório: a busca por transparência

Existe um movimento regulatório muito recente e importante, focado em aumentar a transparência e mitigar o conflito de interesses na assessoria de investimentos no Brasil. A CVM e a ANBIMA realizaram um importante trabalho conjunto para estabelecer as normas e padronizar a forma como as corretoras devem divulgar informações para seus clientes.

As resoluções mais relevantes que abordam diretamente a transparência da remuneração e a atuação dos assessores de investimento são as Resoluções CVM 178 e 179, publicadas em fevereiro de 2023, com implementação gradual, sendo que muitos pontos-chave entraram em vigor a partir de novembro de 2024 e janeiro de 2025.

Principais mudanças focadas na transparência:

  • Termo de Ciência Detalhado (Resolução 178): O assessor deve entregar ao cliente um Termo de Ciência no início da relação, que detalha:
    • As funções e responsabilidades do assessor.
    • A estrutura de remuneração do assessor e da instituição intermediária.
    • Os potenciais conflitos de interesse existentes, deixando o modelo comissionado mais evidente.
  • Extrato Trimestral de Remuneração (Resolução 179): Esta é uma das mudanças para eliminar dúvidas dos investidores quanto ao  “custo oculto”.
    • As instituições devem fornecer ao investidor um extrato trimestral contendo a remuneração auferida pelo intermediário (corretora/assessor) em razão da distribuição dos produtos de investimento do cliente no período.
    • A entrada em vigor deste extrato obriga as instituições a abrirem as informações sobre os rebates e comissões que formam o custo oculto do modelo comissionado.
  • Dados públicos: as instituições devem disponibilizar informações quantitativas e específicas sobre a remuneração recebida na área logada (sites e aplicativos) do investidor.

Qual o impacto para o investidor?

As Resoluções CVM 178/179 e as regras da ANBIMA não proíbem o modelo comissionado, mas têm como objetivo forçar a sua transparência total.

O principal impacto é que você passa a ter o direito legal de saber o valor ou percentual da remuneração que sua corretora recebe pela distribuição de produtos como ações, ETFs, COEs e fundos.

Seu direito de saber o “custo oculto” (os rebates e comissões) agora está formalmente amparado pela regulamentação, permitindo uma comparação muito mais clara com o modelo fee-based.

Direitos do investidor e pontos de atenção na escolha

Independente do modelo de assessoria que você utilize, ao se organizar e exigir transparência, você otimiza seus ganhos e assegura estar se cercando sempre de profissionais comprometidos com sua evolução.

Sendo assim, não hesite em fazer valer seus direitos, e se a instituição onde você mantém sua carteira se recusar a disponibilizar as informações, apenas troque, pois esse já é um indicador comportamental bem importante.

1. Exija o extrato de custos (se estiver no modelo comissionado)

Você tem o direito de saber exatamente quanto a corretora e o assessor receberam em seu nome. Peça o detalhamento de todos os rebates (devoluções de taxas de administração de fundos) dos produtos em sua carteira no último ano. A falta de transparência aqui é um grande sinal de alerta.

2. Defina e monitore seu benchmark

O Benchmark é o índice de referência. Ele representa o retorno que você obteria se simplesmente investisse seu dinheiro de forma passiva e sem esforço em uma cesta de produtos básicos do mercado, alinhados ao seu perfil de risco.

Considerando o mesmo exemplo que usei acima, de uma carteira com R$ 1 milhão de patrimônio, se você tiver perfil conservador, seu benchmark é o CDI (próximo à Selic). 

Para uma carteira bem diversificada (que é a ideal sempre), onde parte dela tem produtos mais arrojados, é interessante ter um benchmark híbrido, que é a média ponderada de CDI, IBOV e IFIX, e o seu assessor pode (e deve) fazer esse cálculo pra você.

O desafio do assessor é demonstrar que consegue vencer essa média de retorno. Se ele não superar o benchmark, você teria obtido o mesmo (ou melhor) resultado com custos muito mais baixos, comprando apenas ETFs e títulos públicos, por exemplo.

De acordo com suas metas, de curto, médio e longo prazo, um índice de referência é importante para te ajudar a monitorar a evolução e ter parâmetros. Seu assessor deve provar que o trabalho dele gera alfa (retorno acima do benchmark).

3. Analise o risco, não apenas o retorno

Um bom trabalho não é só gerar retorno, mas gerar retorno com o menor risco possível e, principalmente respeitando seu perfil. Uma forma de entender o risco envolvido é através do  Índice de Sharpe da estratégia que o assessor traçou para sua carteira. 

Se um investimento rende 15% a.a., mas tem uma volatilidade enorme, seu Sharpe será baixo. O objetivo do seu assessor não é só fazer seu dinheiro render, mas sim fazer ele render mais do que a taxa Selic (o retorno sem risco) e com o mínimo de sustos e oscilações possível. 

Quanto maior o Índice de Sharpe, mais eficiente é o trabalho do assessor, pois ele está gerando mais retorno por cada unidade de risco que você se dispõe a correr.

O valor do alinhamento

Há uma frase antiga, que a gente ouvia de nossos avós: “o combinado não é caro”. Penso que ela expressa um pouco do que deve ser a relação com a assessoria.

É importante contar com o apoio de quem acompanha o mercado em tempo integral e tem acesso a informações confiáveis para te ajudar a fazer melhores escolhas. E é justo que essa pessoa seja bem remunerada por colocar suas habilidades para te ajudar a ganhar dinheiro.

A escolha mais inteligente é sempre aquela que maximiza a transparência e elimina o conflito de interesses. Não se iluda com o “grátis”; na maioria das vezes, o serviço que você não paga diretamente é o que lhe custa mais caro. 

O verdadeiro valor de um assessor é a garantia de que, ao sentar à mesa, o interesse dele é idêntico ao seu: o crescimento eficiente e seguro do seu capital no longo prazo.

O mercado tem dito que o  modelo fee-based é o futuro da assessoria de investimentos no Brasil porque o assessor deixa de ser um vendedor para se tornar um guardião dos interesses do cliente em multiplicar patrimônio com segurança. E provavelmente é isso mesmo.

No entanto, eu acrescentaria aqui outra camada essencial para o investidor: buscar conhecimento e o suporte de fontes isentas. Criei a Comunidade Mira  por entender que as pessoas precisam de informações para ter autonomia de escolha. 

Se é o seu futuro que está em jogo, isso não é algo que se possa terceirizar. Portanto, ter em mãos um mapa claro torna suas conversas com o assessor muito mais produtivas e eficientes, independente do  modelo de remuneração que ele tenha.

*As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3

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