Organizar as contas

Yolanda Fordelone: Condição não é obrigação

Liberdade financeira não nasce do poder comprar tudo. Ela nasce do poder escolher o que e quando comprar


Yolanda Fordelone

Yolanda Fordelone

Planejadora financeira com certificação CEA (Anbima), Yo Fordelone é formada em economia e jornalismo. Investidora qualificada, alcançou a sua independência financeira aos 36 anos. Em seu Instagram, ajuda outras pessoas a conseguirem mais tempo e liberdade.


Existe um fenômeno curioso que acontece quando a renda começa a melhorar: surge uma pressão silenciosa, quase automática, para subir o padrão de vida. É como se, junto com o novo salário, viesse também uma lista invisível (e extensa) do que você “deveria” fazer: trocar de carro, comprar o celular mais moderno, viajar para destinos mais caros, reformar a casa. A sociedade vende a ideia de que, se você pode, você deve. Mas o mantra que repito a mim mesma é simples: condição não é obrigação.

A pergunta que mais gosto de fazer quando o assunto é dinheiro é direta: “eu preciso disso agora ou estou apenas cedendo à expectativa dos outros?”. Ter condição financeira para comprar algo não significa que essa compra faz sentido para a sua vida, seus planos ou seu momento. Muitas vezes, a pressão não vem das necessidades reais, mas do desejo de provar algo. E esse desejo, quando não é questionado, vira uma armadilha cara.

Não se sinta sozinho nessa. Nos bastidores do mercado, até mesmo entre criadores de conteúdo financeiro, esse movimento aparece mais do que você imagina. Outro dia me deparei com a história de um profissional da área que estava há meses adiando a troca do computador, ferramenta básica do trabalho dele. Mas, quando saiu o novo iPhone, ele se apressou para comprar.

Mesmo vivendo um aperto para repor uma ferramenta essencial de trabalho, a sensação de “não ficar para trás” falou mais alto. E é exatamente assim que a condição se transforma, sem percebermos, em obrigação.

Não me entenda mal. O problema não está em comprar um celular novo, um carro melhor ou fazer uma viagem mais cara. O problema está em fazer isso no automático, apenas porque a renda subiu, e não porque a vida pediu. 

Subir o padrão de vida é legítimo, saudável e até prazeroso quando vem da consciência. Mas quando vem da comparação, vira um ciclo difícil de sustentar. Um aumento de salário que deveria trazer mais segurança acaba trazendo novas obrigações no mal sentido. Traduzindo, traz apenas mais boletos.

A conta não se resume à compra. Você adquire um carro novo e esquece que junto com ele vem um seguro e IPVA mais caros. Compra um apartamento maior e com ele a necessidade de faxinas mais frequentes para dar conta de tudo.

Liberdade financeira não nasce do poder comprar tudo. Ela nasce do poder escolher o que e quando comprar. Escolher manter o mesmo carro, mesmo que você já tenha condição de trocar por outro. Escolher esperar mais um ano antes de trocar o celular. Escolher direcionar parte da renda para construir reserva, investir ou simplesmente garantir paz de espírito. É essa autonomia — e não a aparência — que realmente marca uma vida financeira saudável.

A melhor forma de usar o dinheiro não é provar para o mundo que você tem mais. É garantir que você tenha tranquilidade, tempo e escolhas lá na frente. E isso, definitivamente, não cabe em nenhum lançamento do mês.

Se você vive uma vida de impressionar os outros, mesmo com dinheiro na conta, será mesmo que possui liberdade? 

As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3

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