Organizar as contas
Você usa algemas de ouro?
 
               Yolanda Fordelone
Planejadora financeira com certificação CEA (Anbima), Yo Fordelone é formada em economia e jornalismo. Investidora qualificada, alcançou a sua independência financeira aos 36 anos. Em seu Instagram, ajuda outras pessoas a conseguirem mais tempo e liberdade.
O investidor se ilude. Acredita que o maior desafio é entender a sopa de letrinhas do mercado financeiro e as especificidades de cada produto. Mas com o tempo percebi que o verdadeiro obstáculo não estava nos números — estava no comportamento, mais especificamente no ego.
Um exemplo: a gente costuma acreditar que vai investir mais “quando sobrar”, “quando o salário aumentar”, “quando tiver mais folga no orçamento”. Só que esse dia quase nunca chega.
Vem a promoção e com ela o personal trainer, o carro novo, mudanças de bairro, só para citar alguns exemplos.
É o que os economistas chamam de inflação de estilo de vida: à medida que a renda cresce, o padrão de consumo sobe junto. O problema é que a pessoa entra em um ciclo de viver para trabalhar (ou seria trabalhar para sentir que está viva?). Tudo para sustentar um estilo de vida que ela mesma construiu. É a velha sensação que o brasileiro conhece de viver para pagar boletos.
É comum cairmos num ciclo de usar algemas de ouro. Trabalhamos para viver um estilo de vida elevado, caro demais para abrir mão. O resultado não fica restrito ao curto prazo. Você trabalha mais porque precisa de muito dinheiro para manter os confortos e também deixa cada vez menos espaço no orçamento para economizar e planejar a sua liberdade financeira.
A montanha que você vai ter de escalar para atingir a independência financeira, aliás, fica mais alta. Alguém que tem um custo de vida de R$ 30 mil mensais precisa juntar muito mais dinheiro para essa tal liberdade financeira do que alguém que se satisfaz com R$ 15 mil, por exemplo.
Viver no Brasil é caro e sabemos que para muitos o salário é para sobrevivência. Mas aqui e em outros lugares do mundo, para uma parcela da população ainda há gastos por impulso e sem necessidade, inflados justamente pelo estilo de vida. Segundo estudo da Serasa, 72% dos brasileiros se arrependem de comprar por impulso. Outro relatório da Clarify Capital vai além: 1 em cada 3 americanos se arrepende de gastar só para manter um padrão de vida alto.
Esse fenômeno é tão universal que a psicologia financeira tem um nome para ele: “lifestyle creep”. Ele explica por que pessoas que ganham R$ 5 mil, R$ 10 mil ou até R$ 30 mil podem ter o mesmo aperto no fim do mês — só muda o tamanho das contas. As algemas de ferro da renda apertada viram algemas de ouro: mais sofisticadas, mais brilhantes, mas ainda algemas.
Claro que você deve se recompensar conforme a vida acontece, mas o ritmo de aumento dos gastos importa. O cérebro se adapta rápido ao que ele vê como sendo o novo “normal” e quanto mais você se acostuma mais difícil fica para você abrir mão. Depois de alguns meses, o novo padrão de consumo vira rotina.
A boa notícia é que isso também pode acontecer com o investimento. É difícil, mas a sua liberdade financeira agradece se você inverter a lógica: em vez de aumentar o padrão de vida a cada promoção, aumente o padrão de investimento.
Além de rever o estilo de vida, automatizar investimentos pode ajudar afinal intenção sozinha não constrói uma carteira. A disciplina vence a vontade.
A liberdade financeira não nasce do salário alto, e sim da distância entre o que você ganha e o que escolhe manter como estilo de vida. Um aumento de renda pode ser o trampolim da liberdade ou o elo de uma nova corrente. Tudo depende de para onde vai o primeiro real extra que entra na conta.
A chave está em transformar cada aumento de salário em um passo rumo à independência, não em mais uma despesa fixa. Porque a verdadeira riqueza não está em viver melhor hoje, e sim em garantir que o eu do futuro também possa viver bem — livre, leve e sem correntes.
*As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3
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