Entrevistas

“Estamos aprisionados nessa taxa de juros astronômica porque não fizemos a lição de casa fiscal”, diz Felipe Salto

Em entrevista ao Bora Investir, Salto defendeu que o Brasil precisa retomar uma agenda fiscal de reformas

O juro real brasileiro estar em níveis recordes não é uma questão apenas pontual, mas consequência da falta de disciplina nas contas públicas, avalia Felipe Salto, economista-chefe da Warren. Segundo ele, o país só terá espaço para uma taxa de juros estruturalmente mais baixa quando enfrentar a questão fiscal.

Em entrevista ao Bora Investir, ele defendeu que o Brasil precisa retomar uma agenda de reformas estruturais – da desvinculação de despesas à revisão de subsídios – para recuperar a confiança e permitir uma trajetória sustentável de crescimento.

Ao longo da conversa, Salto avaliou o pacote de ajuda aos exportadores e criticou a tentativa do governo de retirar esses gastos do arcabouço fiscal. Ele também listou medidas que considera inadiáveis para 2027, como a desvinculação de despesas ao salário-mínimo, revisão de subsídios e uma nova reforma da Previdência dos militares. Para ele, o ajuste fiscal é condição essencial para reduzir os juros, destravar investimentos e sustentar o crescimento da economia brasileira no longo prazo.

Bora Investir: Qual sua avaliação sobre o plano de ajuda para os exportadores? Você já falou em outras ocasiões que acha que esse plano não devia ficar fora do arcabouço, certo? Por quê?

Felipe Salto: O primeiro ponto é que essa nova política tarifária dos Estados Unidos nos pega, de certo modo, de surpresa. O Brasil havia sido agraciado com 10% de tarifa. Mas, em razão de vários fatores, políticos inclusive, tivemos essa segunda rodada, com tarifa de 50%, apesar das exceções. O fato é que os itens que ainda permanecem na lista são muito importantes. Então o governo reagiu com um pacote, chamado Brasil Soberano, que tem 2 linhas principais: o deferimento tributário e as linhas de crédito.

O efeito fiscal dessas ações deve ser de R$ 9,5 bilhões a R$ 10 bilhões. O governo enviou um projeto de lei complementar para retirar esses valores da meta fiscal, inclusive os R$ 5 bilhões da renúncia tributária, o que é ruim. Mas não é o fim do mundo. É um paliativo. O risco é você acabar criando gastos e compromissos para além do combate aos efeitos do tarifaço, e nós já vimos esse filme no passado.

Bora Investir: Mesmo antes desse plano de contingência, a questão fiscal já é um ponto de preocupação no Brasil há bastante tempo. Existe uma saída para o impasse fiscal que a gente vive hoje?

Felipe Salto: Nós temos um diagnóstico que já é bastante conhecido. Eu e outros especialistas em contas públicas inclusive lançamos recentemente um manifesto. Basicamente, a agenda consiste em reduzir as obrigações, o que tem a ver com a indexação do gasto, o abono salarial, seguro-desemprego, benefício de prestação continuada. Todos são vinculados de alguma maneira ao salário-mínimo, mas o salário-mínimo é uma política de mercado de trabalho e não uma política social. Então, a meu ver, não se trata de não corrigir mais o salário-mínimo, que de fato tem que caminhar com a produtividade e tem que ser corrigido em termos reais, mas se trata de desvincular o gasto previdenciário e social da evolução desse indicador. E decidir sobre a política social ano a ano, na proposta orçamentária anual.

O orçamento brasileiro entrou num piloto automático. 95% do gasto é obrigatório. E se você olhar o que sobra, as despesas discricionárias são cada vez menores e, dentro delas, o Congresso ainda criou uma obrigação adicional com as emendas impositivas, que já vão alcançar no ano que vem mais de R$ 50 bilhões.

Além disso, tem mais coisas que precisam ser feitas, porque não adianta fazer uma agenda fiscal que não tenha legitimidade perante a opinião pública e a sociedade. Portanto, tem que combater, por exemplo, super salários, o que não vai dar uma economia extraordinária, mas vai produzir algum ganho do ponto de vista fiscal, e vai moralizar também a agenda das contas públicas.

Também é preciso fazer a reforma da previdência dos militares, algo que foi tentado em 2 momentos recentemente, sem sucesso. E uma revisão nos subsídios tributários. Isso tudo é uma agenda para a partir de 2027, não tem mais espaço para se fazer até as eleições. Independentemente da matriz partidária e do viés ideológico de quem ganhar a eleição, quem quiser governar de maneira responsável e de modo a produzir algum crescimento, o ajuste fiscal vai se impor.

Eu acho que para começar, essa é uma lista que daria um resultado bastante efetivo e certamente, no horizonte de 1 ano a gente já teria algum superávit.

Bora Investir: O mercado fala muito sobre isso, mas para uma parte da população, isso ainda é uma agenda da Faria Lima. Como você explicaria quais os efeitos concretos da dívida e do crescimento da dívida para economia real?

Felipe Salto: Essa é uma agenda nacional. Essa é uma agenda que precisa ser encarada como prioritária. O ajuste fiscal é chave para ter crescimento econômico. Nenhuma economia que conseguiu saltar do estágio de desenvolvimento para desenvolvida, prescindiu de uma reorganização das contas públicas.

Os últimos dados do monitor fiscal do FMI mostram que [a dívida do Brasil] está 18 a 20 pontos percentuais do PIB acima da média dos países da América Latina. E mesmo se pegar a média geral dos países emergentes, estamos acima. A nossa dívida é muito alta e é crescente. O juro tem um peso muito grande nisso, temos um juro real elevado.

Precisamos promover um ajuste fiscal que ajude o país a convergir para taxas de juros civilizadas, que estimulem o investimento não só nos setores financeiros, na própria bolsa, nas ações, mas também na economia real. Essas coisas andam juntas, então não tem como imaginar um país com crescimento sem promover um ajuste fiscal. Esse remédio amargo precisa ser tomado. É muito raro você encontrar alguém, mesmo no campo mais desenvolvimentista, que tenha passado por governos ou que tenha experiência relevante que não defenda a reorganização das contas públicas.

Bora Investir: Você comentou que um ajuste tornaria possível que o país convivesse com uma taxa de juros é mais baixa. Estamos com a Selic em um nível bastante alto e com o juro real bastante alto, mas demorou para surgirem sinais de desaceleração da atividade. Por que dessa vez o Banco Central teve de elevar a Selic nesse nível?

Felipe Salto: Bom, o que acontece é que a taxa neutra de juros no Brasil, acima da qual você tem uma política contracionista, é muito alta pelo fato da gente ter uma poupança muito baixa, basicamente. E talvez essa taxa tenha subido.

Se essa taxa for em torno de 5%, em termos reais. Hoje, nós temos um juro real de 9% ou mais. Isso significa que a política monetária atual é extremamente contracionista. E ela está, sim, produzindo resultado. A inflação e as expectativas de inflação estão despencando.

Se você olhar para a pesquisa Focus, a projeção para 2027 está estável num patamar razoavelmente baixo. Ainda está longe de alcançar os 3% no horizonte relevante, que é a meta de inflação atual. Mas eventualmente essa meta de inflação também pode ser discutida, porque as condições que o Brasil tem hoje não são condições que levam a uma inflação a 3% facilmente. O custo para se ter uma inflação de 3% é muito alto em termos de atividade econômica e de distorções.

Bora Investir: Que distorções são essas?

Felipe Salto: Essas distorções têm a ver com a redução do investimento, o encarecimento do crédito e a dificuldade para ter uma taxa de crescimento econômico sustentável por mais do que 2 ou 3 anos. Tivemos no primeiro biênio do governo atual um crescimento econômico real acumulado de quase 7%, mas no segundo biênio do mandato do atual presidente nós vamos ter um crescimento bem mais baixo.

O problema é que nós estamos aprisionados a essa taxa real de juros astronômica porque não fazemos a lição de casa no quadro fiscal.

Há um outro problema importante que é a composição da dívida pública. Metade da dívida é atrelada à própria Selic. Mas isso, a meu ver, é resultado também de estarmos com a poupança pública muito baixa.

Nós temos hoje no Brasil uma gestão da dívida de muito profissional, que é referência no mundo inteiro. Mas o fato é que a composição da dívida só vai melhorar quando nós tivermos um ajuste estrutural das contas públicas, que é um desafio que a gente vem sendo postergado não só nesses últimos anos, mas já há algum tempo.

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