Nubank vai ter agência? Pagará mais imposto? Entenda o que muda se roxinho virar banco
Nubank comunicou que está trabalhando para obter licença bancária
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O Nubank vai passar a ser banco muito em breve. Apesar do nome, a instituição ainda não é formalmente um banco sob o ponto de vista regulatório, mas uma instituição de pagamentos. Ao obter a licença bancária, o roxinho deve ter uma dinâmica diferente de impostos, pagando mais CSLL – saindo de 9% para 20% – e sem flexibilidade no PIS/COFINS e, além disso, terá uma estrutura significativamente mais custosa por conta de governança e compliance.
Apesar dos custos mais elevados, especialistas indicam que a transição não deve sair tão caro, considerando que a empresa já possui uma estrutura robusta e uma base de mais de 100 milhões de clientes. Em outras palavras, o fato de o Nubank já ser equiparado a um banco incumbente em termos de estrutura e capital faz com que sejam necessários menos ajustes e que a mudança toda não saia tão salgada para os cofres da então fintech – assim como levaria menos tempo e menos dinheiro transformar um prédio já de pé e já estruturado em um condomínio.
A empresa, assim, terá suas principais mudanças ficando no campo tributário – que aliás, foi centro de polêmica com entidades que representam os ‘bancões’, críticas ao fato de a companhia se manter fora da licença bancária mas, na prática, operar como um banco.
A motivação da obtenção da licença se deu pela nova normativa do Banco Central (BC), que vetou que instituições financeiras se comuniquem com seus clientes como bancos sem serem bancos de fato, sob o ponto de vista regulatório.
Além disso, há uma diferença conceitual, de atividade: sob a ótica da lei brasileira, um banco tem como função a intermediação financeira, podendo captar de quem tem depósitos e emprestar para quem precisa de financiamento, ao passo que uma fintech não pode fazer isso. Entre as mudanças caso se concretize a licença de atuação bancária, é que a instituição deverá, então, atuar na concessão de crédito.
O Nubank, sob o ponto de vista regulatório, opera com licença de instituição de pagamento e também de Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFI) – ou seja, não pode fazer intermediação financeira do jeito clássico, tal como bancos incumbentes, apenas emprestar dinheiro usando capital dos acionistas, do próprio caixa ou de captações no mercado financeiro.
Nem ‘bank’, nem ‘banco’
No final de novembro, o BC anunciou uma nova resolução em conjunto com o Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentando a nomenclatura e a forma de apresentação ao público das instituições autorizadas a funcionar pelo BC.
De acordo com a resolução, as instituições de pagamento, muitas delas fintechs, não podem usar o termo “banco” ou “bank” em seu nome se não tiverem autorização para funcionar nessa modalidade. Nesses casos, elas terão que adequar seus nomes em até um ano, conforme a nova norma do BC, apresentando um plano de adequação, no prazo de 120 dias (ou quatro meses), apontando os procedimentos que serão adotados e o prazo para a adequação da instituição às novas regras.
A nomenclatura abrange o nome empresarial, o nome fantasia, a marca e o domínio de internet utilizados pelas instituições e vale para qualquer meio de comunicação e apresentação ao público dessas instituições.
Na quarta-feira, 3, o Nubank então anunciou que está trabalhando para obter uma licença bancária no Brasil.
CSLL mais caro e PIS/COFINS menos flexível
Após o Nubank virar banco, a companhia passará a pagar mais impostos e ter menos flexibilidade em algumas regras.
A principal mudança é acerca do Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Atualmente fintechs pagam cerca de 9% e os bancos pagam 20%, implicando em um aumento de 11 pontos percentuais (p.p.) para o CSLL pago pelo roxinho.
Emanuelle Lemos, advogada tributarista, explica que esse é o centro das diferenças no tratamento tributário entre bancos e fintechs.
“Um banco como o Itaú, Caixa, todos os outros incumbentes, terá uma tributação de 45% de imposto de renda, sendo 15% de alíquota básica do IRPJ, 10% adicional do lucro e 20% de CSLL. Nas fintechs é só 9%, então elas são tributadas como uma pessoa jurídica normal enquanto um banco chega a 45% de tributos no total, é muito diferente.”
Apesar disso, a especialista indica que fintechs tendem a ter custos operacionais mais elevados em alguns sentidos, considerando que para emprestar dinheiro para clientes há uma operação mais complexa que uma empresa com licença bancária, que centraliza tudo.
“Uma instituição de pagamento, pode fazer Pix, emitir cartão, mas se ela quiser emprestar dinheiro, vai ter que usar recursos via SCD, ou SEP, enquanto o banco não precisa recorrer a isso porque ele já contempla tudo. A fintech, ao querer fazer outra coisa, tem que ter uma outra estrutura, e há um custo nisso”, detalha Lemos.
Sobre o PIS/COFINS, haverá uma perda de flexibilidade e um eventual aumento na cobrança.
Uma fintech pode, pelas regras atuais, optar por pagar 3,65% no regime cumulativo ou 9,25% no regime em que permite que a companhia tome créditos das operações.
Para bancos, é obrigatório o recolhimento destes tributos no regime cumulativo, com alíquota de 4,65%.
Por fim, vale destacar que os bancos utilizam amplamente os Juros sobre Capital Próprio (JCP) como instrumento fiscal. Isso, dado que é uma forma de remunerar acionistas e reduzir o volume do lucro a ser tributado.
“Se você possui R$ 100 milhões de lucro e distribui R$ 20 milhões via JCP, o seu lucro tributável não é R$ 100 milhões, mas sim R$ 80 milhões”, explica Lemos.
O Nubank, enquanto fintech, já pode utilizar esse instrumento e continuará tendo essa possibilidade à mesa ao obter a licença bancária.
Fintechs tendem a não distribuir JCP, apesar do efeito fiscal, por conta da filosofia de reinvestir os lucros e não conservar caixa, tendo uma dinâmica de gestão de capital substancialmente diferente de bancos incumbentes.
O que muda para a operação do Nubank?
Atualmente o roxinho não possui agência bancária. Caso obtenha licença bancária, também não há a obrigatoriedade de possuir agência. Os requisitos do BC são mais de natureza legal, econômico-financeira e de governança.
Será preciso um capital mínimo e manter Patrimônio de Referência (PR) em níveis que garantam o cumprimento dos limites mínimos de capital baseados no Acordo de Basileia.
A Regra Antiga (Referência), previa que um banco comercial simples precisava de R$ 17,5 milhões de capital inicial, enquanto um múltiplo (que tem carteira comercial + investimento, por exemplo) precisava somar os capitais, chegando a cerca de R$ 25 milhões a R$ 30 milhões.
Em 2025 o BC atualizou as normas (Resolução Conjunta nº 14) para exigir capital baseado nas operações. Agora, se a instituição usar o nome “Banco” na marca, já existe um adicional de cerca de R$ 30 milhões apenas por isso.
Soma-se a isso custos por atividade, como R$ 7 milhões para conceder crédito, R$ 5 milhões para intermediação, e outros.
Ou seja, não deve ser um entrave para o Nubank, que é amplamente consolidado.
Entre outras novas obrigações estão:
- Aplicar uma parcela de suas captações (principalmente depósitos de poupança e recursos à vista) em finalidades específicas, como o crédito imobiliário e o microcrédito.
- Prestação de Contas: Enviar ao BCB relatórios e informações periódicas sobre suas operações, balanços e riscos, garantindo a supervisão contínua.
- Implementar sistemas e controles eficazes para gerenciar os riscos inerentes à atividade bancária (crédito, liquidez, mercado, operacional).
Serviços obrigatórios
Ao obter a licença bancária, a instituição torna-se obrigada a seguir a Resolução nº 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que estipula o Pacote de Serviços Essenciais.
A empresa não pode cobrar tarifas por estes serviços básicos para pessoas físicas:
- Fornecimento de cartão de débito
- 4 saques por mês (em guichê ou terminal de autoatendimento)
- 2 transferências de recursos entre contas na própria instituição por mês
- 2 extratos mensais com a movimentação dos últimos 30 dias
- Consultas pela internet ilimitadas
- Fornecimento de até 10 folhas de cheque por mês (se o banco oferecer conta com cheques)
- Compensação de cheques
Recolhimento compulsório
É a obrigação imposta aos bancos e outras instituições financeiras de depositar uma parcela de suas captações (depósitos à vista, a prazo, poupança, etc.) em contas de sua titularidade no próprio BC.
Como instituição financeira, a instituição já está sujeita ao depósito compulsório, em partes.
A Nu Financeira S.A., entidade que possui licença de instituição financeira, está sujeita às regras de compulsório aplicáveis ao tipo de operação que realiza.
Já a Nu Pagamentos S.A., que opera como instituição de pagamento, não está sujeita a compulsório sobre recursos mantidos na conta de pagamentos, pois IPs não podem usar esses recursos para operações próprias.
Custos devem subir e Nubank pode ser único a correr atrás de licença
Fernando Moreira, especialista em Direito Societário, Governança e Compliance, avalia que a decisão do BC foi ‘acertada’ porque anteriormente havia baixa transparência para o consumidor sobre o que de fato era a instituição.
“Isso trazia insegurança, o consumidor achava que estava lidando com um banco, mas não estava. Na prática, os bancos tem controles muito mais rigorosos de governança e compliance”, observa.
O especialista avalia que praticamente só o Nubank deve correr atrás de uma licença bancária, pois se tornar um banco demanda ‘uma estrutura muito pesada’, que altera a forma de realizar parcerias, controles de diligência, auditoria.
O sistema é ‘muito mais pesado e muito mais caro’, demandando os chamados custos de governança para fazer gestão das resoluções. Todavia, o Nubank tem o caminho muito mais pavimentado que seus pares, porque sua estrutura já é robusta, exigindo readequações menos intensas.
‘Decisão acertada’
Em nota enviada à IstoÉ Dinheiro, a Febraban diz que restringir o uso do termo ‘banco’ exclusivamente às instituições que têm licença bancária é ‘uma medida essencial para fortalecer a segurança, a transparência e a credibilidade do sistema financeiro’.
“Essa restrição expressa garante que, ao se relacionar com um “banco”, o cidadão tenha plena certeza de estar diante de uma instituição legítima, sólida e regulada —pois, sistema financeiro não é lugar de ambiguidades. A Febraban considera muito acertado o aperfeiçoamento regulatório promovido pelo BC, ao reforçar a confiança no setor e proteger o nome “banco”, que é mais do que uma simples identificação e sim um ativo estratégico que transmite valores e responsabilidades.”
Atritos com Febraban
O CEO da fintech, David Vélez, disse em uma postagem no LinkedIn que a empresa pagava mais imposto que os grandes bancos e que contribui para o acirramento da concorrência.
“Esses são os fatos, a despeito de muitas falsas narrativas lançadas por aqueles que não estão tolerando muito bem a competição e a transformação do setor”, disse o executivo.
A entidade que representa os grandes bancos rebateu os argumentos de Vélez.
“David Vélez apresenta o Nubank como ‘campeão de inclusão financeira’ e ‘campeão de pagador de impostos’. Porém, há realidades que precisam ser enfrentadas e temos vários questionamentos”, afirmou, ao classificar a postagem como “totalmente enviesada”, escreveu a Febraban.
A instituição declarou na quinta-feira, 4, que não pretende ‘ficar respondendo a ataques’, em reação às críticas da Febraban.
A entidade também considerou que os números do roxinho mostram ‘elevadas taxas de juros, alto patamar de inadimplência e forte impacto no endividamento dos seus clientes’.
“A Febraban também verificou que 97,7% da carteira Pessoa Física da companhia é destinada às linhas mais caras de mercado: cartão de crédito (64,8%) e pessoal não consignado (32,8%), e ZERO financiamento imobiliário, de veículos e para o agronegócio”, diz a nota.
“Apesar de o Nubank ter maior ROE, a proporção entre impostos devidos e lucro é a menor na comparação com 4 bancos de varejo, gerando enorme vantagem competitiva”, completa, rebatendo argumentos sobre impostos.
*Matéria publicada originalmente em IstoÉ Dinheiro, parceiro de Bora Investir