Notícias

ESG: “Juntos, os investidores são capazes de provocar mudanças”

Diretor-executivo do Pacto Global da ONU no Brasil fala sobre as práticas das empresas brasileiras e como cada um importa para a sustentabilidade

Poucas pessoas sabem, mas o termo ESG – do acrônimo Environmental, Social and Governance – surgiu pela primeira vez numa publicação do Pacto Global, em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins (Quem se importa, vence). O ano era 2004, e o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, sugeriu a 50 CEOs de instituições financeiras que incluíssem essas três letrinhas nos seus processos de avaliação de risco, a fim de incentivar as empresas financiadas a adotar boas práticas sociais, ambientais e de governança. 

A iniciativa fortaleceu o Pacto Global – um instrumento de livre adesão que incentiva empresas, sindicatos e organizações a alinhar sua atuação com base em dez princípios relacionados a direitos humanos, trabalho, meio ambiente e corrupção.

Quase 20 anos depois, a sigla ESG chegou ao dia a dia de todos os investidores, inclusive pessoas físicas, que são convidados a rever suas carteiras de acordo com os impactos – positivos e negativos – do negócio sobre as comunidades e o meio ambiente.

Em entrevista ao Bora Investir, o diretor-executivo do Pacto Global da ONU Brasil, Carlo Pereira, avalia como as empresas brasileiras estão na agenda de sustentabilidade e explica como uma discussão da ONU pode mudar a forma como você investe. 

Quer saber mais sobre ESG? Confira os cursos gratuitos no hub de educação financeira da B3

Em que ponto o Pacto Global e as estratégias de investimento se encontram?

Carlo Pereira – O Pacto Global prepara as empresas para se tornarem melhores no aspecto da sustentabilidade. Por consequência, essas empresas passam a ter um maior valor de mercado, o que beneficia seus investidores. As companhias tendem a atingir maior longevidade, oferecendo mais segurança e retorno aos seus acionistas.

Qual o desempenho das empresas brasileiras nas práticas ESG?

Carlo – É difícil comparar as empresas brasileiras e seus pares no exterior nesse aspecto. Primeiro, porque teríamos de observar em quais regras, índices e outros parâmetros essa comparação faria sentido. Muitos indicadores de sustentabilidade estrangeiros, por mais que tenham uma visão global, acabam adotando um viés que favorece os países onde foram originalmente criados. Existem algumas questões, como a de gênero e a racial, que, num determinado país, precisam receber um peso maior como um critério de diversidade. Em outras regiões, esse fator tem uma relevância menor, e isso pode gerar uma distorção na hora de medir duas empresas usando a mesma régua. Por essa razão, é preciso ter cuidado antes de dizer que as empresas no Brasil estão abaixo ou acima numa classificação sobre ESG. O mais importante é contextualizar a sociedade onde elas estão inseridas.

Você sabia?

Criado em 2003, o Pacto Global no Brasil tem uma das maiores redes de signatários do mundo, com mais de 1.600 membros e mais de 50 projetos em temas como Água e Saneamento, Alimentos e Agricultura, Energia e Clima, Direitos Humanos e Trabalho, Anticorrupção, Engajamento e Comunicação.

Mas se considerarmos os padrões locais, como o Brasil estaria avaliado?

Carlo – Ainda assim, essa comparação é delicada. Em qualquer país, existe uma nata de empresas bastante desenvolvidas em sustentabilidade, por serem multinacionais. Países que têm um grande número de companhias internacionais dão a impressão de que o seu setor privado inteiro é sustentável, o que não é verdade. Nesses países, você tem esse grupo de empresas bem avaliadas em ESG, mas a maior parte das outras apenas cumpre a legislação. No Brasil, há menos multinacionais para gerar essa sensação de país avançado em sustentabilidade. Mas somos o segundo maior país em número de empresas signatárias do Pacto Global, e o que mais cresce em quantidade de adesões a cada ano. Dizer que uma empresa se comprometeu com o Pacto significa que ela assinou uma carta endereçada ao secretário-geral da ONU, com uma agenda de responsabilidade social, governança corporativa e sustentabilidade. Essa carta não é uma simples formalidade, pois se trata de um documento que, muitas vezes, teve de passar pelas mãos de toda diretoria executiva e dos membros do Conselho de Administração. 

Como explicar, então, tantas notícias ruins sobre o Brasil, no aspecto de preservação ambiental?

Carlo – A questão do desmatamento, das queimadas, emissões de carbono e outros graves problemas ambientais têm mais a ver com ação de negócios ilegais no Brasil do que com empresas formais. Há uns dois anos, foi feito um estudo pela revista Science mostrando que a maior parte da produção agrícola do Brasil é livre de desmatamento. Menos de 2% das propriedades brasileiras estavam envolvidas na maioria dos incêndios e ocorrências dessa natureza. Se tem algum setor que ainda está na linha de frente na emissão de gases de efeito estufa é a pecuária. Mas os grandes pecuaristas e as empresas de proteína têm lançado mão de instrumentos para melhorar seus processos. Veja o exemplo da JBS e da Marfrig, que assinaram um documento para a redução do metano, assumindo a meta de, até 2025, rastrear a origem de 100% do seu gado, a fim de identificar possíveis formas de diminuir emissões de gases do efeito estufa na sua cadeia industrial.

Os pecuaristas sérios sofrem as consequências da presença da pecuária ilegal no País. É por isso que você vê, cada vez mais, a pressão de empresas brasileiras exigindo do governo ações contra o desmatamento.

Carlo Pereira, diretor-executivo do Pacto Global no Brasil

Esses 2% de desmatadores acabam prejudicando a reputação dos outros 98% de proprietários que preservam a floresta. 

Carlo – Com certeza. As empresas brasileiras acabam sofrendo muito por causa dessa má fama, como se toda propriedade agrícola destruísse o meio ambiente. Há o caso de uma produtora de maçã, no sul do Brasil, que está com dificuldade de exportar para o Reino Unido por causa das notícias de desmatamento na Amazônia. Quem é brasileiro sabe que a produção de maçã não tem nada a ver com a Amazônia. Mas, para o consumidor estrangeiro, isso não é claro. Ele acha que a floresta amazônica precisou ser derrubada para o cultivo da macieira. Do mesmo modo, os pecuaristas sérios sofrem as consequências da presença da pecuária ilegal no País. É por isso que você vê, cada vez mais, a pressão de empresas brasileiras exigindo do governo ações contra o desmatamento.

O que pode ser dito sobre a qualidade dos relatórios socioambientais das empresas brasileiras? Como saber se aquilo que está no papel é 100% verdade?

Carlo – Não há como dizer que é 100% verdadeiro. Mas uma coisa é certa: quem tentar enganar a sociedade, dizendo fazer coisas que não faz, vai pagar um preço muito alto. Vivemos hoje uma época de alta conectividade. Todo mundo tem um celular pronto para registrar uma atitude equivocada de uma empresa. E isso é bom, pois incentiva as empresas a serem mais transparentes. A pressão da sociedade ajuda a conter o greenwashing, pois quem não for honesto será pego na curva rapidamente e apanhará da opinião pública. Essa onda de ESG tem levado muitas empresas a declarar uma postura de sustentabilidade que não é realidade. 

O que seria uma onda ESG? 

Carlo – Quando a gente fala em “onda ESG”, é preciso lembrar que esse acrônimo nasceu do Pacto Global, em 2004, como uma provocação do secretário-geral da ONU ao mercado financeiro. Era como se o Kofi Annan dissesse: “Olha, esse processo de adoção de práticas ambientais, sociais e de governança pelas empresas está bacana, mas não estou sentindo o setor financeiro próximo desse movimento”. A ONU sabia que era importante as instituições financeiras levarem em consideração os fatores sustentabilidade nas suas análises de crédito e de risco. Portanto, o ESG primeiro surgiu como um critério de avaliação voltado para a ótica do mercado financeiro. Depois é que essa ferramenta passou a ser adotada por todos os setores e explodiu. Todo mundo começou a dizer que seu negócio adota o ESG, sem saber exatamente o contexto do seu significado. É por isso que chamo esse movimento atual de “onda”. Como todas as outras, isso tende a diminuir depois de um tempo.

“Há setores que hoje são considerados grandes emissores de carbono, mas, por outro lado, também possuem uma competência gigantesca para direcionar seu negócio para um produto mais sustentável”

Carlo Pereira, diretor-executivo do Pacto Global no Brasil

Isso tem a ver com a recente capa da The Economist, que disse que o ESG é uma ilusão que não vai salvar o planeta? 

Carlo – Minha análise é que muitas pessoas embarcaram na febre do ESG como se isso fosse mudar o mundo para uma condição ideal, do dia para a noite. Claro que haverá uma desilusão. Precisamos pensar no que é possível fazer, dentro da realidade atual. Há setores que hoje são considerados grandes emissores de carbono, mas, por outro lado, também possuem uma competência gigantesca para direcionar seu negócio para um produto mais sustentável. A Petrobras, por exemplo, extrai petróleo, mas também teve um papel fundamental no início da produção do biodiesel. Podemos ser investidores ativistas dessas empresas porque, com os nossos recursos, elas terão condições de migrar para a produção de energia renovável. Claro que o mundo tem pressa para que as mudanças aconteçam. Veja o exemplo da diversidade. Não dá mais para tolerar nenhuma forma de preconceito, mas não tem como, de uma hora para a outra, ocupar todos os cargos de liderança com a equidade necessária de mulheres e pessoas negras. As empresas precisam acelerar esses processos, mas leva um tempo para deixar a condição atual.

Qual é o papel dos pequenos investidores para acelerar esse processo? 

Carlo – Os investidores institucionais, é claro, têm uma responsabilidade maior que a pessoa física investidora. Mas o compromisso é o mesmo. Juntos, os investidores individuais formam um coletivo gigante capaz de provocar as mudanças necessárias. Ninguém pode abrir mão de fazer sua parte porque acha que não tem a responsabilidade de cobrar das empresas um comportamento socioambiental correto. É o mesmo raciocínio que jogar lixo na rua. Se todo mundo fizer isso,  achando que só o papelzinho dele não fará diferença, imagine o que vai acontecer com a cidade. O investidor precisa ter a clareza de que é responsável, sim, pelo que está por trás do seu investimento. Existem muitas ferramentas para acompanhar como as empresas estão em relação à sustentabilidade. A própria B3 tem ótimos índices com esse critério (Índice Carbono Eficiente – ICO2 B3; Índice GPTW B3; e Índice de Sustentabilidade Empresarial – ISE B3). Além de investidores, a pessoa física exerce diversos outros papéis fundamentais para acelerar esse processo, seja  como profissional em uma empresa ou como membro da sua família. Do mesmo jeito que exigimos de uma companhia na Bolsa uma postura responsável no modo como ela conduz seus negócios, temos de repetir essa exigência para a sociedade, na maneira como construímos o nosso mundo.