COP30

“A transição climática exige inovação em produtos financeiros”, diz Marina Cançado

Para a fundadora da Converge Capital, o mundo vive um boom de investimentos em clima e natureza – mas o dinheiro ainda está concentrado em poucos setores e regiões. Ela defende que o Brasil pode liderar a nova fase, com instrumentos inovadores e educação financeira

O volume global de recursos destinados à transição climática nunca foi tão alto – mas ainda está longe de alcançar os valores necessários. Entre 2020 e 2023, o investimento em soluções de clima e natureza triplicou, alcançando cerca de US$ 2 trilhões por ano. Mesmo assim, apenas uma fração chega à América Latina. “Do total, só cerca de US$ 100 bilhões estão na região, e a maior parte continua concentrada em energia e transporte”, aponta Marina Cançado, fundadora da Converge Capital e referência em finanças sustentáveis.

Para ela, o desafio da próxima década é fazer o dinheiro chegar a novas frentes de mitigação – como como agricultura regenerativa e soluções baseadas na natureza – e criar estruturas financeiras capazes de destravar capital e reduzir riscos.

“Criamos as regras. Agora o desafio é fazer o capital chegar até os projetos sustentáveis”, diz Marcelo Billi, da Anbima

Bora Investir: Na Brazil Climate Investment Week, em junho, você comentou que as soluções sustentáveis existem, mas o desafio atual é canalizar capital para elas. O que ainda precisamos fazer, como mercado, para conseguir essa migração de capital?

Marina Cançado: A gente nunca teve tanto investimento fluindo para soluções de clima e natureza. O valor investido na transição dos vários setores da economia triplicou de 2020 a 2023 e está chegando, no mundo, a cerca de US$ 2 trilhões por ano. No entanto, desses US$ 2 trilhões, só cerca de US$ 100 bilhões a US$ 105 bilhões estão na América Latina.

Para que a gente alcance as metas estabelecidas no Acordo de Paris, é preciso quadruplicar esse valor. É preciso chegar, nos próximos anos, a algo entre US$ 8 e US$ 10 trilhões para financiar a transição. Então, há um longo caminho de aumento do capital direcionado para essas temáticas.

Além da necessidade de aumentar o capital de forma rápida, temos outro desafio, que é não só o da distribuição geográfica, mas também a distribuição desse capital nos vários setores da economia. Quando a gente olha para a América Latina, dos cerca de US$ 100 bilhões que financiam soluções para clima e natureza, 60% estão em transporte e energia. Ou seja, há uma grande concentração – e essa concentração acontece em soluções que já se provaram economicamente e que o mercado já se acostumou.

Das soluções que precisamos implementar para resolver a crise climática, 35% já são escaláveis e já fazem sentido econômico, e é para elas que está indo o capital de bancos comerciais e das gestoras mais tradicionais.

Agora, 65% das soluções que precisamos financiar, e em geral as de maior potencial de mitigação, estão underfunded. Ou seja, elas existem, mas ainda estão em um estágio que não alcançou escala ou estão em um estágio de menor maturidade. É preciso fazer o dinheiro chegar lá. É o caso das Nature Based Solutions, que podem ajudar o Brasil a se tornar um país net zero (emissão neutra de carbono), que podem fazer com que nossa agricultura contribua positivamente para o mundo e para que consigamos conservar e restaurar nossas florestas. Hoje, porém, muitos dos players dessas soluções baseadas na natureza ainda não estão escala na ou maturidade desejada, e há maior dificuldade de captar recursos com investidores tradicionais.

Entra aí a necessidade de acessar outros bolsos ou encontrar estruturas inovadoras que possibilitem uma redivisão do risco, ou algum modelo que facilite que esse capital chegue em soluções que ainda não estão maduras.

Bora Investir: Como está essa discussão para desenvolver estruturas diferentes de financiamento?

Marina Cançado: Essa é a discussão do momento. A gente precisava superar alguns desafios para conseguir ampliar e destravar os recursos em natureza, principalmente nos emerging markets e no Sul Global.

No Brasil, o Eco Invest é um exemplo disso – e em pouquíssimo tempo já se tornou um instrumento conhecido no mundo todo. Basicamente, o que o Eco Invest faz é dar um capital subsidiado para os bancos comerciais, em leilão. O banco então direciona esse capital como crédito aos seus clientes em setores específicos.

Com esse recurso subsidiado, o banco reduz a taxa para o cliente. Assim, o banco faz linhas mais competitivas para temas específicos. Essa é uma solução muito interessante, e o Brasil foi pioneiro. O Eco Invest é um super exemplo, porque tem recurso do Tesouro Nacional e alavanca todo o ecossistema de bancos comerciais.

Há também outras iniciativas sendo feitas para cobrir ou reduzir o risco cambial de investidores internacionais, que ainda têm resistência a investir no Brasil.

Acho que essas coisas estão começando a aparecer porque a gente chegou num momento em que se formou uma massa crítica, uma consciência coletiva de que os instrumentos tradicionais não dão conta da complexidade das soluções.

Em clima, não há fronteiras, as soluções são interdependentes. Não adianta arrumar um pedacinho da cadeia e não arrumar o outro. Cada vez mais, precisamos pensar em orquestração de capital: entender a necessidade de capital de cada elo da cadeia de valor, buscar qual é o capital mais adequado e modelar os instrumentos.

Acho que vamos precisar nos tornar arquitetos e designers de novos instrumentos, porque há necessidades específicas em cada cadeia e setor. Não adianta usar instrumentos de prateleira. Estamos num momento muito interessante do setor financeiro, com muita gente talentosa e competente tentando fazer essas transações e instrumentos acontecerem. Eu estou otimista.

Bora Investir: Muito se fala que a maior parte do dinheiro para investimentos sustentáveis está fora do Brasil, mas muitas das soluções e dos desafios estão aqui. Na sua visão, o mercado brasileiro está preparado para receber esse dinheiro de fora?

Marina Cançado: Estamos vivendo uma evolução muito rápida. Um exemplo: a Capital for Climate tinha a missão de mobilizar US$ 5 bilhões para soluções baseadas na natureza no Brasil. A grande pergunta dos investidores era se havia negócios preparados para absorver esse recurso. Então foi feita uma pesquisa com a Deloitte, e perceberam que hoje já existe espaço, necessidade e capacidade de absorção para US$ 6 bilhões. Ou seja, a resposta é sim.

Nos últimos anos, o pipeline de soluções brasileiras amadureceu muito. Há outras iniciativas puxadas pelo governo que estão contribuindo nesse sentido. Além disso, a filantropia e articuladores também têm ajudado a juntar as pontas e acelerar o processo.

Mas, além de estar preparado para receber recurso internacional, há um trabalho constante que precisamos fazer: reduzir a assimetria de informação em relação ao Brasil. O mundo sabe pouco sobre o Brasil. Investidores e empresas têm uma visão superestimada de risco do país, por falta de conhecimento.

A gente precisa se vender melhor e mostrar que muitas das nossas soluções não são novas. Este ano faz 50 anos do Proálcool. Temos a Embrapa, que há décadas trabalha pela eficiência e sustentabilidade na agricultura.

Bora Investir: E qual é o papel do investidor nacional? Temos oportunidades de engajar mais os investidores brasileiros nessa pauta de investimentos sustentáveis e de soluções baseadas na natureza?

Marina Cançado: Sem dúvida. A gente não vai fazer essa transição só com o esforço internacional – precisamos do investidor brasileiro também. O investidor estrangeiro quer saber se há um investidor local com skin in the game [participando do negócio].

A educação é chave. A B3, assim como a Anbima e outras organizações, têm papel fundamental nisso.

O tema ESG e clima é super novo no Brasil. Se pensarmos bem, essa conversa começou a esquentar em 2019, 2020 – ou seja, há cinco anos. Entre entender o conceito e conseguir traduzi-lo para modelos de trabalho, formas de análise e avaliação de risco, há um enorme passo. É um tempo de aprendizado e tradução para aplicação prática.

Hoje, cinco anos depois desse boom ESG, estamos em um espaço de muito mais maturidade das empresas e dos investidores. Temos que reconhecer que, enquanto Europa, Ásia e Estados Unidos estão desde 2005 nessa evolução, o Brasil saiu do zero e chegou a esse estágio atual em apenas cinco anos.

Bora Investir: Durante a conversa, você citou algumas iniciativas puxadas e apoiadas pelo governo. Como você vê essa agenda sustentável no mundo, considerando a mudança de posicionamento dos Estados Unidos?

Marina Cançado: Na Climate Week, em Nova York, conversei com muitos bancos e gestoras que investem em clima. Todo mundo continua investindo, mas de forma mais silenciosa. Não só para não chamar atenção política, mas também porque, como me disse uma grande gestora de private equity: “Meu negócio é comprar as coisas na baixa, num preço bom. Esse é o melhor momento para comprar, consolidar e investir.”

Esse ruído político deprecia o ativo, e para os grandes investidores é o momento ideal para fazer movimentos estratégicos. Com as retrações reais nos EUA e o Inflation Reduction Act, está havendo redirecionamento de capital para outras regiões. Nos últimos dois anos, trabalhando com family offices, fundações e endowments, percebi um crescimento muito grande de interesse na América Latina.

Não acho que esse momento seja ruim para o Brasil – pelo contrário, está trazendo mais luz e atenção para o país.

Bora Investir: A preparação para a COP tem sido intensa, com vários eventos e discussões. Qual foi sua sensação nesse período? Você está mais ou menos otimista do que no começo do ano?

Marina Cançado: Estou neutra em relação às negociações formais da COP, porque, por ser um modelo de consenso com muitos países e realidades distintas, não dá para esperar decisões rápidas.

Mas estou muito otimista com o fato de que esta COP quer inaugurar a era da implementação. A gente já sabe o que fazer e como fazer. Agora é hora de focar no como fazer mais rápido, com mais eficiência, impacto e escala. É aí que entra o setor privado. Essa é a década para as coisas acontecerem.

Vários movimentos, como o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e as iniciativas da B3 e da Anbima, estão atuando de forma concreta, entendendo que muitas coisas exigem colaboração setorial.

E é por isso que, no dia 8 de novembro, em São Paulo, a Converge Capital, Climate Action, Instituto Clima e Sociedade, CEBDS, WBCSD (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável) e dezenas de organizações vão realizar o Climate Implementation Summit, um evento que vai reunir CEOs do mundo todo com o objetivo de dar visibilidade a soluções transformadoras em torno dos seis eixos da agenda de ação climática.

A ideia é sair do painel e do discurso e focar nas soluções que estão funcionando. Entender como escalar e inspirar novas aplicações em outros lugares do mundo.

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