Ainda há “clima” para investir em clima? Especialistas debatem futuro dos investimentos sustentáveis
Especialistas analisam os desafios e oportunidades no mercado de investimentos sustentáveis em um cenário de mudanças climáticas e incertezas geopolíticas
“A gente cria futuro a partir do momento que escolhe onde investir.” Com essa afirmação, Marina Cançado, fundadora da Converge Capital e Co-organizadora da Brazil Climate Investment Week, abriu a discussão sobre a evolução dos investimentos em soluções sustentáveis nos últimos cinco anos. O desafio atual, segundo ela, é transformar a consciência coletiva em ações concretas. “Temos que pensar em quais são os instrumentos financeiros necessários para destravar o capital”, diz Marina.
Ela ressalta que é essencial gerar uma convergência de interesses para que a agenda sustentável avance. “As soluções estão aí, os recursos estão aí. A gente fala dos trilhões que precisamos destinar para investimentos sustentáveis, mas o dinheiro existe. Precisamos redirecionar. Acabamos ficando reféns dos sistemas de avaliação de risco e de formação de portfólio que foram criados para um mundo que já não existe mais”, explica.
Durante a Brazil Climate Investment Week, especialistas discutiram as formas de direcionar o capital para as soluções sustentáveis com escala. Falaram também sobre como a mudança de posicionamento dos Estados Unidos com relação ao tema do clima alterou o cenário.
Onde estamos hoje?
“Um aumento de até 1,5ºC [na temperatura global] é o limiar que muitos cientistas consideram ser o mais seguro para nós como humanidade, no sentido de que a gente consegue se adaptar e evitar pontos de inflexão de sistemas”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. No entanto, ela lembra que, com um aumento de 1,3ºC, o mundo já enfrenta eventos climáticos extremos como as enchentes no Rio Grande do Sul do ano passado.
Recentemente, a Organização Meteorológica Mundial alertou que a chance de que passemos do limite de 1,5ºC é “altíssima”, conta Natalie. “Agora, há quem se pergunte se é hora de jogar o Acordo de Paris fora. Mas a gente não tem mais 30 anos para negociar uma solução. Não podemos esperar Trump sair da presidência, esperar os EUA se reengajarem. Outros países, outras lideranças precisam tocar esse barco”.
“Diversidade não é uma moda, é uma agenda de negócios”, diz CEO da B3
Qual a tendência para investimentos sustentáveis?
Nos painéis, entretanto, os participantes do evento se disseram otimistas – mesmo apesar do backlash da pauta ESG nos Estados Unidos. “Quando a gente tira o foco da emoção e olha para os dados, há uma trajetória clara nos investimentos em inovação sustentável”, complementa Rodrigo Bettini, do Milken Institute. Segundo ele, grandes fundos institucionais internacionais continuam aumentando exposição em investimentos sustentáveis. Mesmo nos EUA, ele ressalta que grandes players como BlackRock, Amazon e Microsoft continuam investindo em soluções sustentáveis.
Tony Lent, cofundador da Capital for Climate e Coorganizador da Brazil Climate Investment Week, concorda. “Os investimentos focados em transação energética estão indo bem. Em termos de formação de capital, há atividade de gestores de capital. Não vejo que a tendência está mudando, mas desacelerando”, avalia.
Xenia zu Hohenlohe, da Sustainable Markets Initiative, reforça a ideia de que ainda há apetite por investimentos sustentáveis, ainda que a defesa da pauta tenha ficado mais silenciosa.
Cristina Penteado, da Blue Like an Orange Sustainable Capital, traz à tona um dos principais desafios: “Como mobilizar capital é o grande calcanhar de Aquiles quando a gente pensa em qualquer tese de investimento”. Ela argumenta que o Brasil possui uma indústria de investimentos alternativos bem consolidada, mas que é crucial endereçar questões como escala, liquidez e percepção de risco para atrair mais capital.
Como a geopolítica e a macroeconomia afetam os investimentos ESG?
Aníbal Wadih, sócio-diretor da GEF Capital, pontuou que o cenário geopolítico atual pode incentivar mais investimentos em soluções sustentáveis em países emergentes. “Até o liberation day [quando o presidente dos EUA Donald Trump anunciou tarifas de importação contra todos os países], não tinha clima para investir em clima. Ninguém queria investir no Brasil, qualquer que fosse o setor, especialmente em investimentos alternativos”, afirma. “Agora o apetite volta a crescer. Temos escritório na Índia, além de Brasil e EUA, e por lá, vemos o interesse em investimentos sustentáveis, inclusive pelos juros mais baixos. O Brasil ainda não está absorvendo tanto desse interesse”.
“A indústria de investimentos alternativos é uma indústria cíclica, bons momentos aconteceram e voltarão a acontecer. É um exercício de consistência, mesmo na baixa, gestores com teses robustas continuam. Em um mundo onde a pauta ESG fica questionada, investidores e gestores precisam ficar mais criteriosos. Não só na tese de clima, mas resiliência de cadeia produtiva”, diz Pedro Faria, sócio e Co-CEO de High Growth na Patria.
Encontrar projetos e iniciativas em que investir também pode ser um desafio. “Não vejo que falta demanda por investimento no Brasil em ativos estruturados. Mas precisamos de um pipeline para que esse investimento seja implementado”, destaca Guilherme Bragança, sócio e head de relações com investidores na JGP e Régia Capital. “Quando a gente conversa com investidor internacional, vemos interesse sim, mas dificuldade é encontrar o ‘cavalo’ onde ele vai investir”.
Por fim, Alexandre Bossi, da Perfin Climate, sintetiza: “As pessoas estão começando a perceber que há oportunidade de investimento, porque o problema é enorme. Temos que trazer mais capital, só assim a gente vai ter a solução do problema. Independente da parte política, as pessoas estão interessadas. Não só em salvar o planeta, mas em obter retorno financeiro”.
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