COP30

“Criamos as regras. Agora o desafio é fazer o capital chegar até os projetos sustentáveis”, diz Marcelo Billi, da Anbima

O superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Anbima avalia que o avanço da regulação e da autorregulação deu mais segurança ao mercado, mas ainda falta ampliar a oferta de ativos sustentáveis e atrair recursos estrangeiros

Três anos depois da criação do selo de Investimento Sustentável (IS) para fundos no Brasil, a indústria de gestão de recursos começa a colher os frutos de um processo de regulação que trouxe mais clareza e credibilidade ao mercado. Para Marcelo Billi, superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Anbima, o país deu um passo essencial ao deixar de lado a autoidentificação e adotar critérios técnicos para classificar fundos com mandato ESG.

“Agora temos segurança de que os produtos que carregam esse selo realmente seguem diretrizes de sustentabilidade”, afirma. Ainda assim, o desafio está longe de terminado: “Criamos o arcabouço, mas é preciso que os ativos cresçam. Não adianta ter uma demanda gigante se não há projetos para colocar dentro dos fundos.”

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Bora Investir: Desde 2022, existe a identificação de IS para fundos com mandato sustentável. Como tem se desenvolvido esse mercado? O que mudou desde a criação das diretrizes de investimentos sustentáveis?

Marcelo Billi: Do ponto de vista qualitativo, o que mudou foi a gente ter colocado regras no processo de identificação de fundos sustentáveis. Isso por si só foi um ganho muito grande para a indústria, porque antes desse conjunto de regras de autorregulação, o que existia era uma auto-identificação. Para o mercado brasileiro, isso foi um grande ganho.

É difícil dizer se o crescimento está super acelerado ou não, porque a gente partiu do zero em 2022. Alguém pode olhar como um copo meio vazio, porque não tem nem 1% do patrimônio líquido da indústria em fundos classificados como IS. Mas eu olho o copo meio cheio. Agora, a gente já tem o arcabouço, a gente tem segurança de que esse portfólio, ainda que seja pequeno, é um portfólio de fundos que estão olhando para IS ou o ESG em suas carteiras de uma maneira muito mais séria.

A agenda de sustentabilidade, que está sendo construída, é um grande quebra-cabeça que a gente tem que montar. Existem os fundos, mas para os fundos existirem, a gente precisa de ativos também. Então, a gente fez também a autorregulação para títulos verdes, que é mais uma peça desse quebra-cabeça. Outra peça é a taxonomia, que vai surgir. Ela será lançada esse ano e vamos começar a implementar ao longo dos próximos anos.

Estamos vendo uma multiplicação de investimentos sustentáveis, então a gente precisa, em algum momento, que todos esses projetos de regeneração e de transição virem ativos para as carteiras dos fundos.

É preciso que toda a oferta cresça. Não adianta ter uma demanda gigante de investidores se não há ativos para colocar dentro dos fundos. Então, a gente olha isso como um grande ganho, porque criamos regras mais claras e a gente vê todo esse ecossistema de ativos e de investimentos sustentáveis evoluindo.

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Bora Investir: Qual a importância da taxonomia ESG para o mercado, e de criar uma taxonomia pensando no mercado brasileiro, sem simplesmente importar o que foi feito lá fora?

Billi: É um desafio bem complexo, porque ao mesmo tempo que a gente precisa ter algo muito adaptado para a nossa realidade, a gente também quer algo que interopere com o mundo, porque o Brasil vai precisar de recursos externos.

O mundo tem que entender a nossa taxonomia e ela precisa conversar com as taxonomias das outras regiões. Mas a gente tem que respeitar algumas características muito singulares do Brasil.

Vou te dar um exemplo. Saneamento básico é algo muito mais sustentável para um país como o Brasil do que é para um país europeu, que já tem tratamento de esgoto para toda a população, que já fez os investimentos de infraestrutura necessários e para o qual não é um desafio civilizatório levar água encanada e esgoto tratado para toda a população.

Para o Brasil, não. Quando você trata esgoto no Brasil, você está trazendo uma série de externalidades positivas – para as pessoas que são impactadas e para o meio ambiente. A gente emite carbono, porque precisa construir a infraestrutura, mas isso traz muito mais externalidades positivas.

Para o mundo financeiro, a taxonomia vai ser a nossa língua franca. Você consegue entender o que é sustentável, em qual grau, consegue comparar setores e olhar o portfólio – seja como fundo, ou como banco, ou como um banco de investimento que está ofertando produtos.

A taxonomia vai ser uma ferramenta que vai facilitar muito a canalização de recursos. Não é um desafio de médio e curto prazo. Um pedaço da taxonomia vai ficar pronto ano que vem, vamos começar a implementar, e provavelmente quando começarmos a implementar, vamos descobrir coisas que precisam ser adaptadas, como aconteceu no exemplo europeu. Mas é uma evolução que no médio e longo prazo vai ser muito relevante para o financiamento da sustentabilidade evoluir mais rápido, com a segurança que a gente precisa.

Bora Investir: Você comentou que precisamos de recursos externos, e por isso que é importante ter essa taxonomia interoperável com outras. Como que você compara a indústria de fundos no Brasil, pensando em investimentos sustentáveis, com a de outros países?

Billi: Hoje, os europeus têm a maior indústria de produto rotulado (ESG), sejam fundos ou bonds. Por outro lado, as grandes oportunidades vão estar aqui. Mais fácil do que um fundo europeu comprar ativos no Brasil é que operadores e investidores internacionais usem veículos locais que conhecem a regulação, que conhecem o Brasil.

Então, a gente vai ter as duas coisas acontecendo. Mas precisamos ter a nossa indústria preparada para receber recursos dos investidores estrangeiros.

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Bora Investir: Qual a importância de trazer o investidor estrangeiro?

Billi: Vou fazer um paralelo com uma experiência que tivemos no Brasil anos atrás. O Brasil tinha uma dívida pública muito curta, o que dificultava a rolagem da dívida. Mas como não havia cultura de investimento de longo prazo, a gente não tinha nem bonds, nem títulos públicos, com prazos mais alargados.

Isso mudou, em parte, com os investidores estrangeiros, que trouxeram essa cultura de investir em bonds pré-fixados, em títulos mais longos. A participação do investidor estrangeiro foi superimportante no Brasil para criar essa cultura. E, hoje, a dívida pública é majoritariamente financiada por investidores locais.

O que a gente está vendo agora para a sustentabilidade é parecido. O Brasil tem oportunidades que não existem em nenhum outro lugar do mundo, tanto em bioeconomia como regeneração. Já temos uma matriz energética super limpa, os nossos desafios são menos complexos. A gente está falando de preservação da natureza, regeneração de áreas degradadas, de despoluição, de saneamento, de coisas que são menos complexas do que trocar a matriz energética de um país inteiro.

A gente já tem no mundo investidores que estão olhando para isso e que têm carteiras preparadas para alocar capital nessas iniciativas. O papel do investidor estrangeiro pode ser de nos ajudar a criar essa cultura, esse track record.

Bora Investir: Olhando o lado do investidor pessoa física, já existe no Brasil uma demanda por investimentos sustentáveis, ou isso ainda é incipiente?

Billi: Eu acho que ainda é muito incipiente no Brasil. Mas aí a gente tem que lembrar que isso não é só em relação à agenda de investimento sustentável. Quando você olha o portfólio dos investidores no Brasil, vai encontrar uma parcela gigante de renda fixa, muito maior do que você encontraria no investidor europeu e americano, por exemplo. Isso melhorou muito ao longo dos últimos 15 anos, temos visto cada vez a mais diversificação de portfólio se tornando uma realidade para o investidor brasileiro. Mesmo no recente ciclo de alta da Selic, a gente tem um volume indo para a renda fixa, mas ainda há uma diversificação que acontece a despeito do nível da taxa de juros.

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Isso significa que construímos uma cultura de investimento no Brasil. Ela é incipiente, mas está acontecendo. Nas nossas pesquisas, vemos que quanto mais jovem o investidor, mais diversificada é a carteira dele. Ainda temos um caminho para percorrer.

Mas a gente já tem uma cultura crescente de diversificação, que está se consolidando no Brasil nos últimos anos e não está andando para trás, mesmo nesse cenário macroeconômico. E a gente tem uma conversa e uma conscientização maior sobre sustentabilidade.

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