Expectativa x realidade: o que o Focus projetava no início de 2025 (e o que realmente aconteceu)
Como câmbio, inflação, Selic e PIB surpreenderam o mercado ao longo do ano
No início de 2025, o mercado projetava que a inflação fecharia o ano em 4,99%, acima do teto da meta. O dólar estaria cotado a R$ 6,00. E o PIB, a soma de todos os bens e serviços produzidos no país, cresceria 2,02%. Essas eram as medianas das expectativas do mercado para o fim de 2025 no primeiro relatório Focus do ano. Agora, às vésperas do fim do ano, o cenário é outro. A projeção para o IPCA caiu, e agora sugere que o índice oficial de inflação do país irá encerrar o ano dentro da meta, em 4,33%.
O PIB também surpreendeu: de 2,02%, passou para 2,26%. Já o câmbio foi a maior surpresa: dólar deve fechar em R$ 5,43, bem abaixo do previsto.
São duas fotografias, que refletem os choques e ajustes que marcaram os últimos 12 meses. O Bora Investir conversou com especialistas para entender melhor o filme: o que mexeu com as principais variáveis macroeconômicas? O que surpreendeu o mercado, e o que passou como era esperado.
Câmbio: a maior surpresa no Focus ao longo de 2025
Entre todas as variáveis, o câmbio foi a que mais surpreendeu. No Boletim Focus publicado em 22 de dezembro, a expectativa é de que o dólar encerre o ano cotado a R$ 5,43 – 9,50% abaixo do que o mercado esperava no início de 2025. E foram vários os fatores a contribuir com essa mudança nas projeções.
Em primeiro lugar, o início do ano tinha um cenário muito desfavorável para o real. “No final do ano passado e começo deste ano, o Brasil viveu uma espécie de crise de confiança, mas ao longo do ano a gente começou a observar que o dólar em termos globais começou a perder força”, diz Rafael Perez, economista da Suno Research.
“O ano começou num tom muito negativo por conta da desvalorização do câmbio no fim do ano passado, mas nosso macro foi mais estável. A incerteza internacional foi o que dominou a narrativa”, comenta André Valério, economista sênior do Inter.
Essa incerteza internacional veio, em grande parte, da política comercial dos Estados Unidos. “A implementação das tarifas [pelos EUA] foi um choque geopolítico muito relevante”, diz o economista.
Carlos Honorato, professor da FIA Business School, lembra que essa desvalorização do real, inclusive, beneficia os EUA. “E isso era um dos objetivos da política econômica de Donald Trump, porque quando o dólar se enfraquece, os produtos americanos ficam mais baratos [no mercado internacional]”.
As turbulências, no entanto, afastaram os investidores. “Os estrangeiros não-americanos passaram a entender que talvez estivessem expostos demais à economia americana. O que vimos desde então foi um certo movimento de diversificação, que contribuiu para desvalorizar o dólar”, explicou André Valério.
Mas não foi apenas a política comercial americana a responsável pelo movimento do câmbio. Outro fator relevante, lembra Rafael Perez, foi a política monetária – tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. “O ciclo de cortes das taxas de juros nos Estados Unidos também beneficiou muito o Brasil, porque os títulos norte-americanos se tornam menos atrativos”, diz ele. Vale lembrar que os juros no real e no dólar caminharam em direções opostas ao longo do ano: nos EUA, a taxa de juros foi reduzida ao longo de 2025, enquanto no Brasil, a Selic foi elevada.
IPCA: dólar fraco e queda do petróleo favoreceram redução da inflação
No início do ano, o mercado previa um IPCA de 4,99%. Essa projeção chegou a subir até 5,65% em abril, mas depois, as expectativas começaram a arrefecer. Hoje, a perspectiva é encerrar 2025 com o IPCA em 4,33%, pouco abaixo do teto da meta.
Para Rafael Perez, da Suno, o câmbio foi um dos principais fatores para a queda da inflação, mas não o único. “As commodities perderam bastante força, principalmente petróleo. Hoje o petróleo está na casa dos US$ 60, US$ 65 o barril”, lembra. No início do ano, o barril chegou a ser negociado a US$ 80.
Isso é relevante pela relevância do preço dos derivados de petróleo na composição do índice de inflação. “A gasolina é o item que mais pesa dentro do IPCA: responde por cerca de 5% do índice”, diz.
Além disso, a surpresa na safra 2024/25 ajudou a reduzir a pressão sobre os preços de alimentos. “A safra 2024/25 foi muito boa em termos de grãos, soja e milho principalmente. Então isso também ajudou muito a esse processo de desinflação.”
André Valério completa que a política monetária também mostrou seus efeitos, com a Selic elevada por tempo prolongado. “As medidas de núcleo [do IPCA] também cederam, o que mostra o impacto da política monetária sobre a inflação”, diz.
Selic: estabilidade baseada na comunicação do Banco Central
Uma variável que se manteve praticamente estável ao longo de todo o ano de 2025 foi a expectativa para a Selic no fim do ano. Em 3 de janeiro, a mediana do mercado apontava que a taxa básica de juros encerraria o ano em 15% – e assim ocorreu.
Além disso, a mediana se manteve praticamente estável ao longo de todo o ano: caiu 0,25 ponto porcentual no período entre maio e julho, mas depois se manteve em 15%.
“O Banco Central comunicou muito bem esse aperto monetário. Ficou muito claro para o mercado que esse seria um ano em que os juros ficariam bastante elevados”, comenta Perez. Ele lembra, ainda, que a autoridade monetária vinha trabalhando para manter a credibilidade em meio à mudança na presidência. “O tom que eles adotaram foi muito duro para justamente ancorar as expectativas.”
“O primeiro ano de um presidente do Banco Central, especialmente tendo sido escolhido pelo Lula, precisava passar a imagem de hawkish, como o mercado fala, um discurso de apertar a questão monetária”, diz Honorato, da FIA Business School. “Mas o risco é ter um remédio em dose excessiva, de asfixiar a economia com um juro muito alto”, lembra.
PIB: surpresa no primeiro trimestre
Saindo de uma esperada alta de 2,02% para 2,26%, o aumento das projeções para o PIB ficou na conta da surpresa positiva no primeiro trimestre.
“O resultado do primeiro trimestre foi muito acima do esperado, puxado pelo agronegócio, que é difícil de prever. Mas depois disso, vimos uma moderação na atividade, muito por conta da Selic elevada”, diz Valério.
Perez, da Suno, lembra ainda que o mercado de trabalho surpreendeu. “Poucos economistas esperariam que a gente terminaria o ano com taxa de desemprego próxima de 5%. E o setor de serviços tem sido muito mais forte, muito mais resiliente do que a gente imaginava”, completa.
O que esperar para 2026
As projeções do Focus atualmente indicam um cenário de desaceleração econômica e um leve afrouxamento monetário para 2026. De acordo com a mediana das expectativas no boletim publicado em 22 de dezembro, o PIB deve crescer menos no ano que vem, a um ritmo de 1,80%, sinalizando um crescimento mais lento após a surpresa positiva de 2025.
A projeção para a inflação está em queda (e marca nesta semana a quinta redução consecutiva nas expectativas), atualmente em 4,06% – o que reforça o efeito da política monetária e da normalização dos preços.
A Selic, por sua vez, deve cair para 12,25%, abrindo espaço para algum alívio no custo do crédito. Já o câmbio pode voltar a subir, com o dólar projetado em R$ 5,50, refletindo incertezas externas e ajustes internos. Em resumo, 2026 até agora se parece como um ano de transição: menos pressão inflacionária, juros mais baixos, mas crescimento moderado.
Claro, isso é o que se espera hoje – mas, como vimos em 2025, surpresas podem aparecer e mudar as projeções. E vale lembrar: 2026 é ano de eleição presidencial, o que pode trazer volatilidade extra para a economia.