A Selic parou de cair. Como isso afeta o mercado de crédito privado?
Cenário macroeconômico se reflete em maior fluxo de investimentos para o crédito privado, mas relação entre risco e retorno dos títulos exige cautela
A redução da Selic — taxa básica de juros — dos 13,75% de agosto do ano passado para 10,50% atualmente melhorou a situação das empresas endividadas. Ao mesmo tempo, com a interrupção do ciclo de cortes ainda em dois dígitos, há pouco incentivo para que os investidores assumam mais riscos, para mercados como a renda variável. Essa foi a avaliação de gestores em evento realizado pela Icatu nesta quarta-feira (03/07). Por outro lado, o cenário no mercado de crédito exige cautela.
Os fundos de investimentos de renda fixa, por exemplo, foram os que mais captaram recursos no Brasil em 2024. Até maio, o dado mais recente divulgado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), entraram R$ 171,6 bilhões nos fundos desse tipo. Em comparação, os produtos de ações tiveram resgates de R$ 4,2 bilhões, enquanto os multimercados somaram R$ 54,1 bilhões em saídas.
Qual impacto da Selic no mercado de crédito?
“O atual patamar de juros não é inviável para as companhias, é um cenário a que o empresário brasileiro está acostumado”, afirmou Pierre Jadul, da ARX. “Mas o mais importante são outras variáveis. Um cenário de dúvidas sobre o déficit fiscal e que começa a ter pressão no câmbio e juros longos, já não acho um ambiente tão tranquilo para companhias. A foto não é feia, mas o filme que estamos esperando para a frente é muito incerto”.
Antonio Correa, da Icatu Vanguarda, concorda que é preciso “olhar para o filme”. “A trajetória [dos juros] faz diferença. A gente saiu do 14%, chegamos no 10% e a curva futura embute expectativa de alta. Estruturalmente, não deveria ser nível de juros que deveria bagunçar muito as empresas”, diz.
Entretanto, ele diz que a Icatu tem se atentado ainda mais para a estrutura de financiamento e de capital das empresas. “As proteções que se coloca na dívida são muito importantes para [o gestor] poder conversar e conjuntamente chegar a novo arranjo para estrutura de capital da empresa”.
Isso porque o aumento do fluxo para o crédito privado tem consequências nas próprias emissões. Com mais dinheiro entrando, as empresas emissoras têm espaço para reduzir os prêmios de risco pagos.
Mais dívidas com prazos longos
Assim, o famoso spread, a diferença entre os juros pagos no mercado privado e os títulos públicos vistos como livres de risco, cai. Começam a surgir também emissões de dívidas a prazos mais longos.
“O fluxo vindo para [fundos de] crédito privado, que acontecem por diversas variáveis, impacta não só crédito, mas em uma redução dos convênios e dilatação dos prazos [das dívidas emitidas]. As empresa vêm aproveitando esse forte fluxo para reduzir prêmios de crédito, isso acaba virando muitas vezes armadilhas nos portfólios”, alerta André Fadul, da Safra Asset.
“Na esteira disso, temos visto emissões institucionais com spread baixo e duration maior, que a gente vê com mais crítica. A gente não gosta desses prazos mais longos com o patamar atual de prêmio”, diz Fadul. Traduzindo, um título de vencimento mais longo traz para a carteira mais risco. Mas os juros pagos não têm sido bons o suficiente para compensar esse risco maior.
Diante desse cenário de interrupção no corte da Selic, spread baixos e mais emissão de dívidas com prazos longos, Jadul, gestor da ARX, diz que isso exige algumas mudanças na composição do portfólio de fundos de crédito. “Gestores vêm tentando se defender desse ambiente em que créditos mais óbvios estão com spread mais baixos. Para tentar evitar alongar portfólio com spread baixo, a gente acaba abrindo mão de liquidez, [para encontrar papéis com a precificação adequada ao risco]”, diz.
Para conhecer mais sobre finanças pessoais e investimentos, confira os conteúdos gratuitos na Plataforma de Cursos da B3.