“Não vejo chance de uma crise global, mas talvez uma crise nos EUA”, diz Paul Krugman
Para Nobel de Economia, as tarifas sobre importações podem levar a um pico de inflação nos Estados Unidos
O cenário global mudou drasticamente no primeiro semestre de 2025. Em janeiro, as expectativas eram de um ano de calmaria, com inflação controlada na maioria das grandes economias, sem grandes impactos à atividade. Mas volatilidade se tornou um dos grandes temas dos últimos meses. As tarifas impostas pelos Estados Unidos às importações de praticamente todos os países se tornaram o tópico principal. Durante o Anbima Summit 2025, o vencedor do Nobel de Economia Paul Krugman destrinchou qual sua visão do que está acontecendo hoje na economia global e detalhou suas expectativas.
“No começo desse ano, olhando para o estado das maiores economias do mundo, de muitas formas parecia que estávamos em um período de calma, que tínhamos passado uma crise”, contou. “Tivemos a pandemia, e depois dela uma grande disrupção das cadeias globais de suprimentos. A dificuldade de lidar com o pós-pandemia foi maior do que as pessoas previam. Chegamos ao ponto do máximo desarranjo das cadeias globais em 2022, ponto em que surgiram temores de que a inflação seria muito difícil de controlar e cogitava-se uma recessão global”, lembrou Krugman.
O que se seguiu surpreendeu o mundo. A inflação foi controlada nas grandes economias globais, com pouco custo em termos de redução da atividade econômica. “Até que, no fim do ano passado, não tínhamos nenhum desequilíbrio global óbvio”, disse.
Ele brinca que, se tivesse dado essa mesma palestra em janeiro, provavelmente teria focado grande parte de sua fala na China. O preocupava “o fato de a China ter um grande superávit comercial, com investimentos insustentavelmente altos e consumo insustentavelmente baixo”, diz. Essa situação se mantém, mas perdeu o foco desde o dia 2 de abril – quando Donald Trump anunciou ao mundo seu pacote de tarifas de importação contra todos os demais países.
“Talvez as pessoas não entendam completamente que o comércio internacional é algo que vivia uma estabilidade forçada. Há a Organização Internacional do Comércio, há regras de que os países podem ou não fazer”, diz ele. E ainda que a OMC não tenha poder militar de impor as regras, todas as grandes economias do mundo respeitavam os acordos.
No entanto, diz ele, quando Trump assume, ele promove uma quebra nesse cenário. “O que houve foi um enorme aumento de tarifas. A média era de 3% e passou a 17%. Em 90 dias, ele reverteu 90 anos de liberalização do comércio americano”, disse Krugman. Um choque tão repentino, defende o Nobel de Economia, é algo sem precedentes.
“Um chute razoável é que o comércio americano via cair em torno de 50%”, prevê. “Basicamente, isso é reverter a globalização que os EUA promoveram desde os anos 1980”.
O reflexo disso, diz ele, deverá ser o de um pico de inflação nos próximos meses, ainda que não tenham surgido sinais de um aumento nos índices de preços oficiais. “Não há motivo para crer que isso não vai se refletir em aumento de preço para os consumidores”, disse. A razão dessa demora para que a política tarifária se reflita em aumento de preço, defende Krugman, é simples. “A gente tende a esquecer que o comércio internacional é um processo físico que leva tempo, demora algumas semanas para um cargueiro sair de Xangai e chegar em Los Angeles. E houve um aviso substancial, então houve uma corrida para levar os produtos antes da imposição das tarifas”.
“Sabemos que vai acontecer uma alta da inflação, mas não sabemos se é um choque transitório ou permanente. Minha aposta é que é transitório, por mais que eu não goste do que está sendo feito na política comercial. Mas a questão é que eu não sei, nem o Federal Reserve [Fed, o banco central americano] sabe”.
Além da maior inflação, Krugman diz que a economia deve sentir o impacto também de “um nível de incertezas sem precedentes”. “A política tarifária é extremamente incerta. Eu não faço ideia de qual será o nível das tarifas em, digamos, setembro. Isso é um grande problema para as empresas. Quais investimentos você quer fazer? Quantas pessoas vão contratar?”, questionou.
“Provavelmente vamos ver uma contração econômica nos EUA, talvez uma recessão”, conclui.
Dólar mais fraco
Outro reflexo das mudanças pelas quais a economia americana passa é o enfraquecimento do dólar. O valor do dólar tende a flutuar conforme as taxas de juros, explica ele: quanto mais altas as taxas de juros, mais dólar é alocado nos Estados Unidos, e o dólar se fortalece. Outro motor para o fortalecimento do dólar é a incerteza: quanto maiores os temores quanto ao futuro, mais os investidores se refugiam no dólar.
“Mas não é o que vemos atualmente”, disse Krugman. “Nesse ano, as taxas de juros aumentaram, mas o dólar se enfraqueceu. Isso é ainda mais peculiar visto que tarifas costumam valorizar a moeda”.
O economista, no entanto, faz uma ressalva de que a desvalorização da moeda americana foi de cerca de 10%, nada perto de uma crise. “É relativamente moderado, mas sugere que os EUA não estão mais sendo vistos pelo mercado como um lugar confiável”.
E os reflexos para o mundo?
Apesar da importância da economia americana para o mundo, os EUA não são tudo o que importa. Segundo o Nobel de Economia, China e União Europeia são potências econômicas importantes.
De acordo com Krugman, o maior perigo para a economia global não é que os demais países imponham retaliações às tarifas dos EUA, mas que imitem a política tarifária dos EUA. “Não vemos nenhum sinal de que isso aconteça. Houve retaliação. A China elevou tarifas contra os EUA e impôs restrições às exportações para os EUA. A Europa deve retaliar de alguma forma. Mas não tem sinal de países que irão começar a colocar altas tarifas uns contra os outros”, diz. “Meu melhor palpite é que a maioria dos países irá continuar seguindo as regras do comércio”.
No entanto, ainda que a importância da economia americana seja relativa, o dólar é, sem dúvidas, a moeda dominante. “O papel do dólar na economia é parecido com o papel do inglês na comunicação global. Não tem a ver com EUA”, disse. “Muita gente se pergunta o que acontece se os EUA começarem a se comportar de forma errática, e qual o risco de o dólar ser substituído por outra moeda. Não vejo um grande risco, a China tem controle de capitais, e a Europa é muito fragmentada”, explicou. “O risco não é que dólar seja substituído por outra moeda, o risco é não ser substituída por nenhuma”.
Brasil
Apesar de não ser especialista na economia brasileira, Krugman mostrou alguns dados sobre o comércio entre EUA e Brasil e destacou que China e União Europeia são parceiros comerciais muito mais importantes para o Brasil do que os EUA.
“Se não estamos vivendo uma guerra tarifária global, o Brasil não está tão exposto. Essa é a boa notícia”, disse. “Não vejo uma crise global, vejo talvez uma crise nos EUA”.
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