O Brasil antes do Copom: como a Selic era definida antes da criação do Comitê?
Nos bastidores da política econômica, as decisões sobre a taxa básica de juros eram tomadas por uma única pessoa
Em uma época em que a inflação ultrapassava 200% ao ano e as reservas internacionais eram escassas, a política monetária brasileira era decidida de forma muito diferente do que se conhece hoje, com o Comitê de Política Monetária (Copom).
Antes de 1996, quando o Comitê foi criado, não havia um colegiado para deliberar sobre a taxa de juros. A decisão cabia exclusivamente ao diretor de Mercado Aberto do Banco Central.
José Júlio Senna, economista e ex-diretor de Dívida Pública e Mercado Aberto do Banco Central, viveu essa realidade de perto durante um mês e meio, sob nomeação de Tancredo Neves. Em 1985, durante um breve e conturbado período na instituição, coube a ele tomar decisões sobre juros em um País à beira do descontrole inflacionário.
O objetivo? Evitar o pior
Senna não era um estranho ao mercado financeiro. Com uma sólida formação acadêmica e passagem pela Fundação Getulio Vargas (FGV), ele já possuía olhar analítico sobre a economia brasileira. No Banco Central, Senna assumiu o cargo ao lado de outros economistas, como Roberto Castello Branco. A missão era clara, mas nada simples: evitar que o cenário econômico, já frágil, saísse ainda mais do controle.
“Naquele tempo, a decisão era exclusivamente do diretor responsável. Não existia um comitê, nem sequer se discutia essa possibilidade”, conta Senna.
Apesar da responsabilidade da decisão, o economista destaca que não trabalhava sozinho. “Evidentemente, a decisão sempre vinha com o apoio da equipe do Departamento de Mercado Aberto. O chefe da equipe, Francisco Amadeu, era muito competente e me dava um apoio enorme.”
Sem um regime formal de metas de inflação, como existe hoje, o objetivo não era reduzir os preços – isso sequer era cogitado. O foco era “evitar o pior”, como Senna define. “O ritmo de crescimento dos preços na época era superior a 200% ao ano. A política monetária não buscava trazer a inflação para patamares mais civilizados, mas sim evitar que ela saísse ainda mais de controle.”
Além disso, os juros também eram usados para proteger as reservas internacionais do Brasil, que estavam em níveis críticos. “Um erro na condução da política de juros poderia levar a uma fuga ainda maior de capital e à perda do pouco de reservas que o País ainda possuía”, relembra.
A responsabilidade era grande, e o cargo exigia um conhecimento profundo de economia e do mercado financeiro. “Hoje, com um Comitê, é possível dividir a responsabilidade. Naquele tempo, se você não tivesse a bagagem necessária, não havia com quem compartilhar a decisão”, afirma Senna.
A criação do Copom: mais transparência e previsibilidade
Foi apenas em 1996 que o Banco Central brasileiro criou o Copom, inspirado em modelos internacionais como o Federal Open Market Committee (FOMC), dos Estados Unidos, e o Central Bank Council, da Alemanha. O objetivo era estabelecer um processo de decisão mais estruturado e transparente, além de dar mais previsibilidade ao mercado financeiro.
Desde então, a política monetária passou a ser conduzida de forma colegiada. As reuniões do Copom acontecem a cada 45 dias, divididas em duas sessões. Na primeira, especialistas do Banco Central apresentam análises técnicas sobre a economia; na segunda, os diretores deliberam sobre a meta da taxa Selic, que se torna a referência para os juros no País.
O modelo evoluiu muito, como explica Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “Hoje, temos um processo mais transparente, com disputas de visões dentro do Comitê, o que melhora a tomada de decisão. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Federal Reserve (Fed) introduziu coletivas de imprensa em todas as reuniões para evitar que apenas algumas decisões fossem mais relevantes do que outras. O Brasil, de certa forma, seguiu essa linha.”
A evolução do Banco Central
Outra mudança importante veio em 2021, com a autonomia formal do Banco Central, estabelecida pela Lei Complementar nº 179/2021, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro.
A nova legislação definiu que o presidente da instituição e seus diretores têm mandatos fixos de quatro anos e só podem ser exonerados sob justificativa aprovada pelo Senado. O objetivo foi blindar a política monetária de interferências políticas.
No entanto, o Copom ainda enfrenta desafios, especialmente na comunicação com o mercado. “O Brasil ainda tem uma cultura de buscar unanimidade nas decisões do Copom para evitar ruídos. Mas, lá fora, divisões dentro dos comitês são comuns e saudáveis. Aqui, o mercado ainda reage mal quando há votos divergentes”, analisa Cruz.
O que esperar da próxima reunião do Copom?
Nesta terça-feira (18), o Copom voltou a se reunir para decidir a Selic. O mercado aguarda uma alta de 1 ponto percentual (p.p) para a taxa básica de juros. A elevação, se confirmada, colocará a taxa básica de juros em seu maior patamar desde agosto de 2016.
Se no passado a missão era “evitar o pior”, hoje o objetivo do Copom é calibrar os juros de forma eficiente dentro do regime de metas de inflação. A reunião desta semana será mais um capítulo dessa história – agora escrita a várias mãos.
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