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Ex-FMI alerta: dólar pode se desvalorizar e abrir espaço para ouro e cripto

Kenneth Rogoff aponta risco fiscal nos EUA, fortalecimento de moedas alternativas ao dólar e aceleração de um sistema multipolar

Kenneth Rogoff não escondeu a surpresa com a velocidade da agenda econômica do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “O que ele está fazendo não é uma surpresa. Mas a rapidez e, ouso dizer, a competência com que está executando sua visão são dignas de nota. Ele fez em sete ou oito meses o que eu teria pensado que faria em três ou quatro anos”, disse o professor de Harvard e ex-economista-chefe do FMI, em palestra durante o Itaú Macro Vision 2025. Para ele, Donald Trump “declarou guerra econômica ao resto do mundo, à China, ao Brasil, ao Canadá, a todos”, além de estar centralizando poder no presidente de forma inédita.

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Segundo ele, essa posição de Trump acelera um movimento de enfraquecimento do dólar, e coloca em xeque a moeda norte-americana como reserva internacional de valor. Essa mudança geopolítica não seria inédita: Rogoff lembrou que a moeda já perdeu participação em momentos da história, como nos anos 1970, e que hoje há sinais de que o sistema caminha para ser menos concentrado. “O euro vai recuperar parte do espaço perdido. O renminbi [yuan, a moeda da China] caminha para se tornar a moeda regional da Ásia. E as criptomoedas estão nesse mix, em grande parte estimuladas pelas políticas dos EUA”, afirmou. Segundo ele, a força atual do dólar não deve durar indefinidamente: “Em diferentes métricas de paridade de poder de compra, o dólar está muito, muito alto. Não víamos isso desde 1985 e 2002. Acho muito provável que caia pelo menos 5% a 10% nos próximos dois ou três anos.”

Para economias emergentes como o Brasil, o desafio é reduzir a dependência da infraestrutura americana de pagamentos e compensações internacionais. “É eficiente ter só o dólar, mas às vezes você percebe por que gostaria de não estar nessa posição. O poder do dólar não é só transacionar, mas de ser a infraestrutura do sistema global”, disse Rogoff. Ele lembrou que a Índia avançou com o UPI (Unified Payments Interface), a China aposta no yuan digital e a Europa busca ampliar o alcance do sistema europeu de pagamentos instantâneos. No Brasil, o Pix tornou-se um dos exemplos mais bem-sucedidos de inovação financeira, já movimentando trilhões de reais por ano. “É natural que o país também caminhe para consolidar soluções próprias”, afirmou.

Rogoff também comentou a desaceleração da China, que considera estrutural. “Acho que o verdadeiro crescimento é menor do que os números oficiais. Esse modelo de apostar em infraestrutura e imóveis chegou ao fim. A China vai ter sorte se crescer apenas 1% mais que os EUA nos próximos cinco ou dez anos”, disse. Para ele, isso limita a ambição do renminbi como moeda global e traz novos riscos geopolíticos, especialmente em relação a Taiwan.

O avanço das stablecoins também entrou na pauta. Rogoff classificou essas moedas como o “killer app” das criptos. “Elas já são muito grandes, usadas extensivamente na economia underground. Mas considero um erro a forma como o Genius Act, de Trump, foi desenhado, sem checagens adequadas. Isso vai trazer problemas não só para outros países, mas para o próprio Tesouro americano”, avaliou. Para ele, as stablecoins acabarão integradas ao sistema financeiro, mas trazem riscos consideráveis.

Ao falar de alternativas ao dólar, o professor ressaltou a importância crescente do ouro como reserva de valor. “Pode surpreender, mas sempre fui construtivo em relação ao ouro e achei que ele teria um papel importante. O grande motor da alta nos últimos anos foi a decisão de vários bancos centrais de aumentar suas reservas [em ouro]. Pode ser um ativo menos líquido, mais difícil de transacionar, mas eles querem ter mais ouro”, disse. Rogoff destacou que esse movimento também impulsiona o Bitcoin, visto por alguns como o “novo ouro”. “Mas eu ainda acho que o ouro é o novo ouro”, resumiu.

O professor também alertou para o risco de perda de independência do Federal Reserve, algo que está na pauta tanto de Trump quanto de setores do partido Democrata, diz Rogoff. “Se amanhã Trump tiver total controle do Fed e colocar pessoas que farão o que ele quiser, viveremos o mesmo filme dos anos 1970, com Nixon. Teremos mais inflação, mais volatilidade de juros e de câmbio”, disse.

Outro ponto de preocupação são os desequilíbrios fiscais nos países avançados. A era dos juros baixos, no pós-covid, permitiu que a dívida pública disparasse, especialmente nos EUA, que hoje têm um estoque equivalente ao de todos os demais países desenvolvidos somados. “Nos próximos quatro ou cinco anos, é mais provável que os EUA entrem em dificuldades fiscais do que não entrem. A França talvez já esteja nesse ponto”, afirmou.

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