Organizar as contas

Quais dívidas não somem após a morte do devedor?

A morte não significa o perdão imediato de todas as dívidas, mas há regras para o pagamento dos débitos

A morte de um familiar traz questões emocionais e burocráticas difíceis de lidar e, entre elas, estão as dívidas deixadas pelo falecido. Enquanto alguns débitos podem ser anulados após a morte, outros ainda persistem e precisam ser quitados.

Dívidas cobertas por seguros previstos em contrato, como empréstimos consignados, empréstimos pessoais e financiamentos imobiliários, são quitadas após a morte do devedor pelo fundo deste seguro e, por isso, deixam de existir.

As demais dívidas deverão ser pagas. Mas isso não significa que o herdeiro vai arcar com recursos do próprio bolso para pagar as contas de quem já morreu. Quem vai pagar, na verdade, é o falecido, com os bens materiais que deixou em vida.

“Não há qualquer hipótese de um herdeiro falir em razão de dívida do falecido”, explica Artur Starling, advogado especialista em direito sucessório e planejamento patrimonial sucessório. “A regra de ouro quanto às dívidas é que estas não são transmitidas aos herdeiros. As dívidas devem ser pagas pela herança deixada e os herdeiros não devem usar recursos próprios para isso”, explica.

Por isso, a expressão “só herdei dívidas” significa que os débitos da pessoa que morreu consumiram grande parte da herança, e não que esses boletos chegaram para o herdeiro pagar do próprio bolso.

Mas isso não significa que o processo legal sairá de graça. O que pode ficar caro para os herdeiros são os gastos com advogados, cartórios e custas judiciais, pagos com recursos dos herdeiros. Esses custos seguem uma tabela do Tribunal de Justiça Estadual e depende do valor dos bens. Já os honorários dos advogados seguem o mínimo estabelecido pela tabela da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em cada estado.

O que fazer com as dívidas de quem já morreu

Após a morte de uma pessoa, é preciso levantar as informações sobre todas as suas dívidas, bens, direitos e obrigações. Isso tudo irá compor o espólio da pessoa falecida, explica Alberto Feitosa da Silva Filho, advogado da área cível do Lassori Advogados.

Os familiares devem buscar um advogado especializado na área para levantar e catalogar os dados e, depois, abrir um inventário, que é um procedimento que identifica, avalia, regulariza e partilha tudo que pertencia à pessoa que morreu. Este processo pode ser judicial ou extrajudicial.

O inventário inclui imóveis, veículos, jóias, equipamentos eletrônicos, obras de arte, contas bancárias, todos os tipos de investimentos e seus rendimentos, e valores a receber de terceiros como aluguéis, salários, indenizações.

Quem dá início ao processo de inventário são os cônjuges ou filhos de quem faleceu. Em alguns casos, os credores também podem pedir a abertura do processo.

Se a soma de todos os bens cobrir as dívidas, elas serão quitadas. Se tiver mais dívida que recursos, parte delas não será paga. “Quem arca com o prejuízo, neste caso, é o credor”, explica Alberto Feitosa. Para isso, existe uma regra que estipula a ordem de prioridade para pagar os credores.

Em um exemplo prático, se uma pessoa morreu e deixou R$ 100 mil em dívidas e patrimônio de R$ 200 mil, isso quer dizer que todas as dívidas serão pagas e os R$ 100 mil restantes serão divididos entre os herdeiros.

Mas se a pessoa falecida deixar uma dívida de R$ 500 mil e patrimônio de R$ 100 mil, toda a herança irá para pagar os débitos, e parte dos credores ainda ficará sem pagamento. “Neste caso, os herdeiros nada recebem, mas também não pagam os R$ 400 mil em dívidas”, explica Starling.

Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados, resume o passo a passo para levantar as questões financeiras e patrimoniais após a morte de um familiar:

  • Contratar um advogado especializado em direito sucessório.
  • Abrir o inventário no prazo legal.
  • Fazer levantamento de bens, dívidas e herdeiros.
  • Pagar as dívidas conforme a ordem de preferência, respeitando os limites do espólio.
  • Concluir a partilha com os bens restantes após a quitação de todas as obrigações.

Como evitar contratempos

Pensar na morte dá uma sensação de mau agouro, mas ela é inevitável. Para minimizar os contratempos após a morte, é importante manter contratos, informações sobre dívidas e documentos financeiros facilmente organizados para serem encontrados quando necessário, sugere a advogada Ivana Cota, do Ciari Moreira Advogados.

Pensar e organizar um planejamento sucessório também evita complicações para os herdeiros. Este tipo de planejamento inclui organizar e preparar a destinação e transferência de bens e responsabilidades ainda em vida, por meio de documentos e ações como:

  • Testamento: É possível deixar expresso em um documento escrito e validado em cartório quais são as vontades da pessoa após a morte e quais bens devem ir para cada herdeiro, sempre respeitando as previsões legais.
  • Doações de bens em vida: Dá para transferir a propriedade de imóveis para os herdeiros antes de morrer, o que evita impostos altos na sucessão e disputa pelos bens durante a partilha.
  • Holding Familiar: Em alguns casos, é possível criar uma empresa (holding) para administrar e organizar o patrimônio da família. Isso facilita a transferência de bens e protege o patrimônio contra ações judiciais e credores. Esta alternativa envolve custos com advogados e contadores.
  • Seguro de Vida: A contratação de um seguro de vida também facilita o processo legal após a morte, porque inclui indenização em caso de falecimento. Este valor não entra no inventário porque não é considerado herança e pode ajudar os herdeiros a pagar as custas do processo.

“O planejamento sucessório é uma excelente forma de evitar problemas para os herdeiros. Ele vale para todos, independentemente do valor do patrimônio, pois permite a divisão de bens e a quitação de débitos de forma mais ágil e eficiente. Isso pode incluir seguros de vida, testamentos, ou até mesmo doação em vida com reserva de usufruto”, afirma Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados.

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