Organizar as contas

Planejamento sucessório além da conta conjunta: como organizar seu legado patrimonial

Planejamento sucessório não é um tema apenas para pessoas muito ricas, mas sim para qualquer família que deseja preservar patrimônio e reduzir conflitos


Estela Borgheri, colunista do Bora Investir

Estela Borgheri

Planejadora Financeira e co-fundadora da empresa Vínea Gestão de Capital, Estela é formada em Administração de Empresas e pós-graduada em Business Administration pelo Insper. Possui a certificação CFP® e é Consultora CVM


Se existe um tema que é mais tabu do que dinheiro é a morte. Você deve estar pensando “Nossa, já começou pesando o tom!” Talvez. Mas a morte é a única certeza que temos nessa vida não é mesmo? É uma situação em que temos os dois maiores tabus ao mesmo tempo: morte e dinheiro. Quando uma pessoa da família vem a faltar (ou, como diz um grande amigo, é promovida ao andar de cima) além do impacto emocional, existe o impacto financeiro. E muitas vezes esse impacto financeiro, se não estruturado e planejado, pode vir a causar mais problemas ainda, nesse que é um dos piores momentos da vida de uma pessoa: a perda de um ente querido. Aí que entra o planejamento sucessório.

Dias atrás eu estava em um evento para mulheres investidoras e esse tema foi abordado. Uma das painelistas comentou que perdeu o marido de repente (ele teve um AVC) e não sabia nem por onde começar. Ao ligar para o banco, sentiu uma impessoalidade e frieza enormes, era muita burocracia. Depois, investigando, descobriu que o marido tinha aberto uma offshore, que é uma estrutura de investimentos (uma empresa) em outra jurisdição, no exterior. Enfim, o caos se instaurou. Ela não pode nem viver o luto em meio a tanto desgaste com a burocracia e trâmites do inventário.

Nesse caso, somente ter um bom patrimônio (o que também é relativo) não resolve. Porque se você não tem clareza de todos os bens da família, como estão estruturados, onde estão custodiados, se um testamento foi deixado e o que precisa ser feito, o desgaste será enorme. Lembrando inclusive que os bens ficam bloqueados durante um tempo, o processo de inventário muitas vezes demora (pode demorar anos dependendo da situação dos bens e da estrutura familiar) e se a família não tem um bom Planejamento Sucessório, tudo pode ser muito conturbado e custoso.

Lembro uma vez conversando com uma cliente, quando fui falar sobre esse tema e propor um seguro de vida que cobrisse as despesas de inventário, pensando no filho que teria que arcar com esses custos no momento de seu falecimento, ela disse: “ah, mas ele pode parcelar, está tudo certo”. E não… infelizmente não é bem assim que acontece.

Dados da Serasa de março desse ano (2025) mostram que 93% das mulheres participam das finanças da família. E quanto menor a classe social, maior a quantidade de mulheres com a responsabilidade financeira inteiramente para si. Apenas 18% das mulheres de alta renda são as únicas responsáveis financeiras em casa. Já entre as de baixa renda, o número aumenta: 43% delas têm as contas familiares exclusivamente em suas mãos. Mas ter as contas e a gestão financeira da casa no dia a dia não significa que quando o cônjuge vier a faltar, o processo de inventário estará bem encaminhado ou resolvido.

Muito casais inclusive acreditam que uma conta conjunta resolve os problemas, que garante a segurança e com isso a pessoa que fica, vai sacar um dinheiro e pagar o inventário. Também não é bem assim. A conta é bloqueada logo após a morte quando não é solidária (aquela conta conjunta E/OU), o cotitular pode movimentar se for solidária (mas deve respeitar direitos sucessórios), e o acesso ao saldo para pagar inventário depende da nomeação do inventariante e/ou autorização judicial.

A solução é algo muito simples, mas que é deixada de lado por muitos casais: diálogo e um bom Planejamento Sucessório. Existem algumas ferramentas que garantem uma liquidez, ou seja, um dinheiro liberado na conta e disponível no momento do falecimento de um dos cônjuges. Um seguro de vida ou uma previdência privada VGBL são exemplos disso.

Abaixo coloquei uma lista de itens que você deve levar em conta para fazer um Planejamento Sucessório. Já pode imprimir e chamar uma boa conversa com ele/ela ainda hoje. Ah, aproveite e selecione um bom vinho porque essa conversa não precisa ser tão pesada e pode inclusive ser uma ótima oportunidade para pensar na vida juntos.

1. Mapeamento do patrimônio

  • Levantamento de todos os bens: imóveis, investimentos, participações societárias, seguros, bens de uso pessoal, ativos digitais.
  • Avaliação de dívidas e obrigações em aberto.

2. Definição de objetivos familiares

  • Qual estilo de vida gostaria que os herdeiros mantivessem? Considere principalmente proporcionar ou manter um bom estudo para os filhos
  • Há alguém na família que depende financeiramente de forma especial (cônjuge, filhos menores, familiares com necessidades específicas)?
  • Desejo de perpetuar empresas familiares (caso tenha) ou vender ativos?

3. Instrumentos jurídicos

  • Testamento: define a partilha dos bens disponíveis (respeitando a legítima dos herdeiros necessários, ou seja, 50% do patrimônio).
  • Doações em vida: transferir bens com cláusulas protetivas (como incomunicabilidade e usufruto).
  • Holding patrimonial/familiar: estrutura para organizar empresas e reduzir custos futuros de inventário.
  • Pactos antenupciais e regime de bens: adequar o casamento ou união estável à realidade patrimonial.

4. Custos e tributos

  • Estimativa do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), que varia por estado.
  • Custos de cartório, advogados e inventário.
  • Possibilidade de antecipar soluções para minimizar tributos legalmente.

5. Proteção financeira imediata

  • Seguros de vida como forma de liquidez rápida para arcar com despesas de inventário, impostos e manutenção do padrão de vida dos herdeiros.
  • Reserva de emergência familiar.

6. Legado digital e organizacional

  • Gerenciamento de senhas (existem aplicativos seguros que fazem isso), acessos bancários e contas digitais
  • Instruções sobre redes sociais, armazenamento em nuvem, corretoras digitais.
  • Centralização de documentos importantes.

7. Comunicação e governança familiar

  • Conversas abertas entre cônjuges e filhos sobre desejos e decisões patrimoniais.
  • Definição de quem será responsável pela gestão dos bens.
  • Criação de um “protocolo familiar” em casos de empresas familiares.

8. Atualização periódica

  • Revisar o planejamento a cada mudança significativa (casamento, divórcio, nascimento de filhos, aquisição ou venda de bens, mudança de residência fiscal).

Planejamento sucessório não é um tema apenas para pessoas muito ricas, mas sim para qualquer família que deseja preservar patrimônio e reduzir conflitos. O momento da perda de um ente querido já é doloroso por si só, vamos evitar mais problemas nesse momento tão delicado. E vou além: se você não tem um cônjuge ainda, provoque essa discussão em sua casa, com seus pais. Você também é parte e tem um papel importante nesse planejamento.

*As opiniões contidas nessa coluna não refletem necessariamente a opinião da B3

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