Entrevistas

“Empresas têm reagido aos problemas climáticos ainda de forma amadora”, diz Rosana Passos de Pádua

O cenário, no entanto, deve mudar rapidamente, afirma a conselheira do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo

O ano de 2024 no Brasil tem sido destaque por colocar no centro das discussões a importância de lidar com as mudanças climáticas. As enchentes no Rio Grande do Sul no primeiro semestre, seguidas pela seca histórica no inverno e o recorde no número de queimadas pelo País mostraram que as empresas precisam estar mais preparadas para eventos climáticos extremos e imprevisíveis como os ocorridos nos últimos meses. A forma como estão fazendo isso e demonstrando suas ações ao mercado, no entanto, ainda é “amadora”, diz Rosana Passos de Pádua, conselheira de administração do IBEF-SP (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo).

Essa realidade está prestes a mudar com a implementação das novas normas internacionais IFRS S1 e S2, desenvolvidas pela International Financial Reporting Standards Foundation. Segundo Rosana, essas diretrizes trarão avanços significativos para promover uma maior padronização e transparência na divulgação de informações relacionadas à sustentabilidade, cobrindo tópicos como governança, estratégias, riscos e oportunidades atreladas ao desempenho sustentável das empresas.

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Para Rosana, esse avanço é só mais um passo de uma mudança importante que houve nos últimos anos no papel do CFO, sigla para Chief Financial Officer. “É um trabalho mais difícil hoje. Quando eu comecei, o CFO tinha duas atividades básicas: era tesoureiro ou contador”, diz ela, que viu essa mudança de perto. Rosana acumula no currículo cargos como CFO e conselheira de empresas como BASF e CSN. “Hoje, além dessas atribuições do cargo, o CFO tem todo o papel de riscos nas organizações, ainda que não seja o head de risco. A pessoa com essa responsabilidade tem que se preocupar com os riscos reputacionais, porque senão não vai ter acesso a crédito em banco. Ela tem que ser uma business partner do negócio, tem que estar próximo da estratégia”, diz.

Bora Investir: Nas últimas semanas, os efeitos das mudanças climáticas ficaram muito evidentes aqui no Brasil, com a seca e as queimadas. No começo do ano, também tivemos a tragédia no Rio Grande do Sul. De que forma as empresas brasileiras foram impactadas e como elas podem lidar com esse novo cenário mais incerto?

Rosana Passos de Pádua: Existem várias coisas acontecendo simultaneamente. No Norte do país, os rios secaram. A Zona Franca de Manaus, que normalmente é abastecida e escoa sua produção de eletrônicos pelos rios, está extremamente afetada com esse evento. O transporte fluvial, que sempre funcionou bem, agora enfrenta dificuldades. Isso afeta tanto a indústria de eletrônicos quanto a agricultura da região. E também afeta grandes empresas, como a Natura, que obtêm de lá insumos para a indústria cosmética. A seca afeta as comunidades, o que compromete o acesso à comida, transporte e abastecimento.

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No Centro-Oeste, o grande risco é para a agricultura, com as mudanças climáticas ameaçando o Pantanal. O Pantanal tem sofrido incêndios nos últimos três anos consecutivos, e os incêndios têm grande impacto para o turismo, além de prejudicar o ecossistema local.

No Sul do país, tivemos as inundações, com mais de 600 mil desabrigados. No Rio Grande do Sul, 90% dos municípios foram atingidos de alguma forma, com grande impacto na pecuária, que é um setor forte na economia local. Apesar de a soja ter sido salva, a indústria de suínos e frangos foi bastante prejudicada, assim como a produção de vinhos.

Bora Investir: Em relação às queimadas, qual foi o impacto até agora?

Rosana Passos de Pádua: Ainda é cedo para um balanço de perdas, mas o impacto já é grande. No estado de São Paulo, por exemplo, estamos vendo uma perda significativa de cana-de-açúcar. Cerca de 10 milhões de toneladas foram queimadas, o que pode representar 2% ou 3% da produção nacional, com possível impacto no preço do etanol. Outra indústria que pode ser impactada é a de seguros, porque parte da safra está assegurada, e as queimadas geram grandes prejuízos.

Bora Investir: E de que forma as empresas estão se preparando para esses eventos extremos que podem ficar mais frequentes?

Rosana Passos de Pádua: O IFRS, que é o órgão regulador das regras contábeis internacionais, está criando agora duas regras, chamadas S1 e S2, que falam especificamente sobre as preocupações com os reportes financeiros de sustentabilidade e especificamente com o clima. Por que um órgão de contabilidade se preocupa com a questão climática? Porque o efeito climático tem afetado dramaticamente as companhias e os resultados das companhias. Então, as provisões têm sido aumentadas e a forma como as empresas têm reagido frente aos problemas climáticos, a todos esses desastres, talvez ainda seja muito amadora. Essas novas regras devem forçar as empresas a mapear riscos de forma mais eficiente e investir em ações de mitigação. Eu acho que a grande lição que fica de todos esses desastres que a gente está falando aqui é o monitoramento e antecipação ao evento catastrófico, porque quando ele se materializa, custa muito caro pra todo mundo.

Bora Investir: Você acha que as empresas e os executivos estão mais conscientes de que precisamos nos adaptar a essas situações climáticas excepcionais?

Rosana Passos de Pádua: Eu ainda acho que não chegamos ao nível de conscientização necessário. Essas normas do IFRS serão fundamentais para obrigar as empresas a se preocuparem mais. As novas regras sobre sustentabilidade forçarão as empresas a investirem em ações climáticas. E o investidor também vai cobrar isso, da mesma forma que hoje não se faz mais negócios com empresas que têm riscos de compliance.

Eu acho que essa nova norma vem exatamente para conscientizar, para que as empresas tenham orçamento suficiente para investir em obras necessárias para a melhoria do clima. Muitas vezes a iniciativa privada não tem tanta força quanto à pública, mas dentro dos seus ecossistemas, as empresas vão ter que fazer o que está ao seu alcance, vão ter que reportar e o investidor vai olhar isso, e vai ter os relatórios de uma maneira uniforme. Hoje os relatórios de sustentabilidade não tem fiscalização, não tem uma padronização. As novas normas vão ser fundamentais para que essa consciência atinja o nível necessário e para que a gente consiga promover mudanças.

Bora Investir: O que as empresas podem fazer para se proteger desses riscos climáticos sem comprometer muito seus resultados?

Rosana Passos de Pádua: Acho que uma indústria que precisa se desenvolver muito no Brasil é a de seguros. Embora as seguradoras tenham sofrido com a perda no Rio Grande do Sul, essa é a forma de se proteger. Outra coisa importante é o investimento em tecnologias de prevenção, como estações meteorológicas e reflorestamento. Algumas indústrias já fazem isso, mas ainda há muito a ser feito.

Cada indústria tem que assumir seu papel. Por exemplo, a indústria de energia, que instala torres no meio da floresta, precisa preservar essas áreas, enquanto ainda garante acesso às torres. Indústrias que poluem também precisam investir em contenção de gases tóxicos. E tudo isso precisa de investimento. Isso precisa estar no orçamento das empresas e o investidor vai começar a cobrar mais por essas ações.

É uma questão também de gerenciamento de risco e de obter vantagem competitiva. Acho que num futuro muito próximo, ninguém vai fazer negócio com empresas que estejam emitindo gases na atmosfera, que estejam poluindo os rios, que estejam desmatando floresta.

Bora Investir: O investidor já está mais preocupado em buscar empresas que sejam mais responsáveis com o meio ambiente?

Rosana Passos de Pádua: Sendo muito franca, não. A informação que está disponível hoje é muito ruim. Os relatórios de sustentabilidade das empresas ainda são muito fracos. Mas isso vai mudar. As cadeias de fornecedores vão se preocupar mais e, quem não se adaptar, vai sofrer. O cliente não vai querer comprar de empresas que não fazem sua parte, e isso vai impactar diretamente no fluxo de caixa e no valor delas.

E isso vai avançar com as normas S1 e S2 do IRFS. Quando a gente tiver relatórios melhores, mais comparáveis, vai ficar mais fácil para o investidor também cobrar isso.

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