Entrevistas

“Câmbio depreciado sempre acende uma luz amarela no Banco Central”, diz Luciano Sobral

Dólar mais forte e expectativas de inflação futura mais altas devem pesar sobre decisão do Copom e levar à manutenção da Selic, avalia Sobral

Juros. Esse provavelmente é o tema que mais foi discutido no mercado internacional e brasileiro nesses primeiros meses de 2024. Muito disso acontece porque o Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, postergou o início da redução de suas taxas de juros, que se mantêm na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano, o maior patamar em 20 anos. Os juros mais altos nos EUA têm impactado todas as demais economias do mundo. No Brasil, um dos primeiros países a elevar a taxa básica de juros para combater a inflação pós-covid, esse movimento norte-americano possivelmente fará o BC encerrar o seu ciclo de afrouxamento antes do previsto também. As expectativas apontam que o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá manter a Selic nos atuais 10,50% em sua reunião, na semana que vem. Em entrevista ao Bora Investir, o economista-chefe da Neo Investimentos, Luciano Sobral, comentou o cenário atual e explicou as relações entre os juros aqui e nos EUA. Confira a entrevista completa.

Bora Investir: Os mais recentes números sobre a inflação ao consumidor nos EUA foram vistos como positivos pelo mercado. Isso já traz um alívio e indica uma nova trajetória da inflação por lá?

Luciano Sobral: Eu acho que tem um alívio com relação ao que a gente viu nos dados do primeiro trimestre, mas acho que a tendência daqui até o fim do ano, digamos, não é nem lá, nem cá. No primeiro trimestre os dados foram ruins, por algum tempo a gente ficou com a impressão até de que, a inflação poderia estar voltando a acelerar, os últimos dois dados foram na direção contrária, indicando certo alívio. Se tirar a média do que veio no ano até agora, a inflação americana está mais ou menos como a gente achava que ela ia se comportar, caminhando pra terminar o ano aí entre 2,5% e 3%. Então, sem dúvida, é um alívio com relação ao que a gente viu no começo do ano, mas é uma inflação que ainda tá longe da meta.

Bora Investir: O Fed manteve mais uma vez o patamar de juros inalterado, como já era amplamente esperado. Mas o que o comunicado e as falas dos dirigentes nos trazem de pistas sobre os próximos passos da política monetária norte-americana?

Luciano Sobral: A maior novidade desta reunião foi a atualização das projeções, não só dos dirigentes que votam, mas também o pessoal dos FEDs regionais. Na reunião de março, a mediana dessas projeções apontava para três cortes de juros este ano, agora essa mediana está apontando pra um só corte.

Mas isso pode mudar rápido se os dados evoluírem para um lado ou para o outro. E está claro, tanto da decisão, quanto do comunicado e da fala do Powell, que ainda precisam vir mais dados na direção desse CPI para eles que eles tenham confiança para cortar os juros.

Se isso não acontecer, eles vão adiando os cortes, se isso acontecer mais rápido, de forma mais acentuada, acho que eles podem cortar antes. O que não muda é que eles estão, de fato, de olho nos dados de uma reunião para outra. Só o CPI de maio não era o suficiente para mudar a orientação. Daqui pra frente, zera jogo de novo. Se tudo vier como esperado, a gente sabe que eles vão cortar só mais uma vez este ano. Se a inflação surpreender pra baixo, eles podem cortar mais, ou antes, e simetricamente para o outro lado: se tiver inflação pior, eles não cortam e esperam.

Bora Investir: No começo do ano, o mercado esperava que o Fed iria começar a reduzir os juros mais rápido. De que forma esse novo cenário afeta o Brasil? Como as taxas de juros nos EUA impactam a nossa economia?

Luciano Sobral: Essa relação tem dois canais principais. Um deles é mais direto e mais fácil de entender, que é a taxa de câmbio. Se o juro fica mais alto nos Estados Unidos, é mais atrativo, relativamente, investir nos Estados Unidos. Se os Estados Unidos estão atraindo investimento do resto do mundo, o dólar se fortalece, as outras moedas se enfraquecem. Pensando nesse mesmo movimento do lado do real, um real mais fraco pode levar a uma inflação maior lá na frente. No limite, você tem uma depreciação do câmbio aqui, os preços importados ficam mais caros e o Banco Central tem que ser mais cauteloso pra evitar que isso vire inflação. Esse é o canal mais direto.

O canal indireto, que também acaba batendo no câmbio, é via aumento de prêmio de risco. Com o juro mais alto nos Estados Unidos, tudo mais constante, os países emergentes precisam também de juros mais altos para evitar fuga de capitais. Isso faz com que o Banco Central aqui fique mais relutante em cortar os juros.

Esses são os dois principais efeitos. E aí, tem um efeito mais indireto, que é o ambiente geral de apetite a risco. No Brasil, é melhor que o mundo esteja com juros baixos e os capitais indo para os emergentes.

Acho que a principal preocupação do Banco Central, que pode efetivamente mudar o que o a autoridade monetária faz de uma reunião para outra, em poucos meses, é o efeito da taxa de câmbio projetado na inflação.

Bora Investir: E qual sua expectativa para o Copom na semana que vem? Espera mais uma redução de 0,25 p.p. na Selic, ou uma pausa nos cortes?

Luciano Sobral: Eu acho que a pausa já estava bem consolidada até a semana passada. E desde então, o movimento do mercado só confirmou que o Banco Central deveria ser mais cauteloso. A gente está vendo o câmbio, de fato, passar por um período de depreciação mais acelerado, e não se sabe onde ainda isso vai parar. Por mais que a inflação aqui esteja relativamente bem comportada, desde a última reunião, o ambiente local piorou. Tem todo esse ruído fiscal que a gente está cansado de ouvir, mas que está fazendo mais preço agora. Mas o fato que o câmbio passou de R$ 5 e pouquinho para perto de R$ 5,40. E o câmbio mais depreciado sempre acende uma luz amarela no Banco Central, porque isso pode virar inflação mais pra frente.

Bora Investir: Alguns meses atrás, esperava-se que a Selic encerraria o ano a um dígito, mas agora estamos falando de um fim do ciclo de cortes em 10,50% ao ano. O que aconteceu?

Luciano Sobral: A trajetória da inflação corrente, o mês a mês, foi bem dentro do esperado. Estamos vendo a inflação terminar este ano entre 3,5% e 4%, dentro de um intervalo que, pra Brasil, é bem tranquilo. Se fosse só isso, acho que a trajetória dos juros não deveria mudar. O que mudou foi a trajetória do juro americano.

E desde a última reunião do Copom, a gente teve um problema local, que foi a trajetória das expectativas de inflação. A gente já via expectativas para 2025 e 2026 acima do centro da meta, mas estavam paradas perto de 3,5% por bastante tempo. Desde a última reunião do Copom, essas expectativas começaram a escapar. Acho que é esse conjunto da obra.

Bora Investir: E se a trajetória da inflação corrente está dentro do esperado, qual o problema as expectativas para a inflação futura estarem aumentando? De que forma essa expectativa afeta a economia?

Luciano Sobral: O Banco Central entende que as expectativas de inflação são um componente importante da inflação futura. Quando ele vai colocar lá no modelo econométrico dele o que que vai ser a inflação de 2025 ou de 2026, ele olha a taxa Selic, a taxa de câmbio, a inflação corrente, as expectativas, e pondera isso pelo que o modelo diz como isso se comportou no passado.

Então, o jeito que o Banco Central trata a expectativa é como um insumo para um modelo que vai dizer se a inflação do ano que vem ou do período que ele quer considerar  vai estar mais ou menos longe da meta.

O Banco Central do Brasil, como outros bancos centrais do mundo, persegue uma meta de inflação pelo modelo e não pela inflação corrente. Como a inflação corrente conta uma história passada, ele precisa olhar para frente, e o jeito de olhar para frente é jogar essa inflação e outras variáveis no modelo, e esse modelo vai indicar para ele se o juro está em um patamar adequado.

Bora Investir: Se o ciclo de redução da Selic realmente for encerrado a 10,50%, quais os impactos para a economia brasileira?

Luciano Sobral: A resposta simples é que o juro parando num patamar mais alto, a recuperação da economia vai ser mais lenta, ou a reaceleração da economia vai ser mais lenta. O problema é que política monetária no Brasil não tem um efeito tão direto assim sobre a economia.

A gente tem muita modalidade de crédito que é subsidiado, e a decisão de crédito talvez seja menos sensível à taxa de juros do que outras economias. E estamos com juros altos há muito tempo, o crescimento nominal também é alto, então esse efeito não é tão direto como a gente vê em outras economias.

Nos primeiros meses do ano, a concessão de crédito já está crescendo a duplo dígito, o que parece ser já um efeito do que já caiu o juro desde o ano passado até agora. Daqui para frente, talvez essa evolução vá ser um pouco mais lenta e a gente vai ver um crescimento um pouco menor.

Acho que o efeito maior e mais direto é no custo da dívida. O governo tem muita dívida indexada à Selic, e o que não é indexado à Selic depende da taxa de mercado, e esse custo de financiamento subiu, então é mais difícil para o governo fechar as contas tendo que pagar um juro mais alto.

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