Entrevistas

China: exportadoras brasileiras não vão nadar de braçada como no passado

Para Lívio Ribeiro, escolhido como um dos cinco melhores analistas da economia chinesa no mundo, alerta para as dificuldades de se entender a dinâmica do país

Lívio Ribeiro. Foto Divulgação
Lívio Ribeiro é pesquisador do FGV IBRE e foi apontado por um ranking da Bloomberg como um dos cinco melhores analistas da economia chinesa no mundo.

A China, segunda maior economia do mundo, vive tempos difíceis, a exemplo de outros países ricos. Desemprego recorde da população de jovens, crescimento lento, exportações mais fracas e queda nos investimentos estrangeiros são alguns dos sinais das dificuldades enfrentadas pelo país.

O momento tão particular de um país que brilhou aos olhos de investidores e exportadores nas últimas décadas colocou os estudiosos em estado de atenção.

A dedicação aos estudos sobre o gigante asiático levou Lívio Ribeiro, pesquisador do FGV IBRE e sócio da consultoria BRCG, a fazer parte de um grupo especial. O economista foi apontado por um ranking da Bloomberg como um dos cinco melhores analistas da economia chinesa no mundo. Também fazem parte dessa seleção Samuel Tse, do Bank Ltd Hong Kong; Zhengwei Lu, do Industrial Bank Co Ltd; Ding Shuang, do Standard Chartered Bank Hk Ltd e Raymond Yeung, do Australia & New Zeland Bkg.

Além de mergulhar nos dados sobre a China, Ribeiro estuda o cenário externo e os impactos sobre a economia brasileira, juros e taxa de câmbio, além de se manter atento aos dados sobre a Argentina – principal parceiro comercial do Brasil na América do Sul.

Bora Investir – Por que a China se tornou seu objeto de estudo?

Lívio Ribeiro – Eu trabalhava em uma instituição financeira e cobria América Latina, África do Sul e os países com algum nível de exportação das commodities. Em 2007, o que se viu foi o superciclo da economia chinesa e surgiu a necessidade de olhar as condições de quem estava comprando. Naquele momento, a China era completamente distante da nossa realidade. A minha pesquisa sobre China começou como um interesse profissional, virou curiosidade e se tornou uma obsessão.

Qual foi o passo decisivo para fazer uma imersão na economia chinesa?

A partir de 2011, já em outro emprego, eu propus manter esse olhar diferente, o que venho fazendo desde então. Hoje, na empresa de consultoria, analiso a China de forma mais ampla, levando em consideração os dados sobre câmbio, mas também o setor externo de Brasil. O que faço é olhar os dois lados da mesma moeda.

Muito se fala sobre a credibilidade dos dados chineses. Você acompanha as informações oficiais no dia a dia. Qual é a sua opinião?

As informações existem e o padrão estatístico chinês é equivalente à média do padrão estatístico dos países emergentes. Os chineses respeitam requisitos técnicos estatísticos globais. Claro que tem dados que não existem, que são ruins ou, ao contrário, são muito bons, como vemos em economias emergentes. A realidade é que estamos mal-acostumados porque, no Brasil, os padrões estatísticos são acima dos países emergentes. Mas se pegarmos países como Argentina, Turquia e Peru, tenho convicção de que a China é melhor.

Na sua avaliação, o que vemos hoje na China, com o crescimento lento e a queda nos investimentos estrangeiros, ainda são efeitos da pandemia?

Há uma junção de fatores conjunturais, como questões específicas, por exemplo, o fato de o mundo demandar menos bens e mais serviços. A China, no entanto, exporta bens, o que atrapalha a sua economia neste momento, assim como vemos na Alemanha, que também tem sofrido. Quem fabrica bens que têm menor demanda sofre mais nos tempos atuais.

Qual é a sua projeção para que esse cenário volte a mudar?

O que vejo é uma certa persistência desse quadro. É um ajuste que começou no ano passado e não deve terminar até o fim do ano que vem. As pessoas não vão guardar o dinheiro na carteira e simplesmente deixar de gastar. A demanda por bens vai voltar.

Veremos o mesmo ritmo de crescimento da economia chinesa registrado nos últimos anos?

Há questões que são escolhas políticas. Por exemplo, as políticas para desacelerar o ritmo, que foram adotadas no mercado imobiliário. A economia, estruturalmente, cresce menos e vai crescer menos daqui para frente. No meio disso tudo, um governo genuinamente meio perdido, lidando com um problema gravíssimo de desconfiança em relação à economia. Temos de levar em consideração o fato de, em uma economia que globalmente cresce menos, o novo normal é crescer menos. E se a China forçar a barra na direção contrária, isso pode gerar desequilíbrio, inflação e problema de confiança.

Como esse quadro afeta a vida dos investidores, particularmente dos brasileiros?

O atual cenário chinês é muito delicado, por exemplo, para empresas como a Vale. A China vai continuar consumindo minério, mas o motor dessa economia engasgou um pouco. O fato é que exportadoras brasileiras, como a Vale, não vão nadar de braçada como no passado. Talvez os chineses também consumam menos proteína, o que influenciaria os grandes frigoríficos brasileiros. Isso não quer dizer que os chineses vão deixar de comprar proteínas. Estamos falando de um processo de moderação no consumo de diversos itens, não de reversão.

Há outros aspectos que devem ser observados pelos investidores?

O que acontece na China é uma questão no cenário internacional, que tem ficado mais difícil. O investidor pessoa física tem menos acesso a informações e deve entender que tem muito canto da sereia. Se você não entende de determinado mercado, minha sugestão é que tente se informar com quem entende de fato. Não adianta querer fazer movimentos apenas por conta do que está acontecendo na China e as consequentes oscilações, porque cada um tem o seu tipo de propensão de risco, tem uma carteira para cada momento.

Qual é a sua recomendação?

Para mim, antes de pensar em acompanhar o que acontece na China e como isso afeta os investimentos, é preciso entender que preços de ativos oscilam e isso exige sangue frio para entender que são movimentos naturais. Tenha claro que há diferença entre operar com volatilidade no longo e no curto prazo. Em outras palavras, não dá para operar day trade como se estivesse no longo prazo e vice-versa.

Você também estuda a Argentina. A economia do país vai de mal a pior. Levando-se em consideração o tamanho da economia argentina e a perspectiva de eleição de um candidato da direita radical, é possível traçar algum cenário?

Existe uma perspectiva alta de que vitória do Javier Milei vai gerar problemas no curto prazo, com ondas de choque na América Latina. Mas a cadeira disciplina. Há diferença entre o que [os candidatos] falam e o que fazem quando precisam tomar decisões. O que me preocupa é que ele parece ser louco o suficiente para quebrar a cadeira, ou seja, mais fora da casinha do que o recomendado.

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