“Não fazemos só análise financeira, mas socioeconômica”, afirma CEO do Banco Afro
Diego Reis enfrentou diversas dificuldades, incluindo racismo, até consolidar a fintech que hoje apoia diferentes negócios e fomenta a cidadania financeira
Por Rogério Piovezan
Quando abriu sua primeira empresa de montagem e manutenção de computadores, Diego Reis não imaginava que enfrentaria tantas barreiras para conseguir acesso ao crédito que precisava para alavancar seu empreendimento. Hoje, ele criou o próprio banco, chamado Banco Afro, para disponibilizar crédito a micro e nanoempreendedores negros, pardos e refugiados que, assim como ele, não conseguiam acessar esses produtos financeiros.
“Não fazemos só análise financeira, mas socioeconômica. Um limitador de acesso ao crédito é o score. Hoje, ele é totalmente excludente para a classe C, D e E, que a maioria está no Serasa e negativada. Mas essas pessoas continuam usando transporte público, pagando aluguel e tomando a cerveja de fim de semana. Então, não faz sentido travar o crédito para um potencial financeiro dessa pessoa. O pensamento tem que ser o contrário. Tem que pensar em como recuperar a capacidade financeira da pessoa através de um crédito orientado”, afirma.
O Banco Afro tem 200 mil correntistas pessoas físicas e os planos de expansão seguem a todo vapor. Uma das iniciativas em fase de testes é levar crédito e apoio a projetos de cidadania financeira em países de língua portuguesa na África. Antes de consolidar esse plano, Reis pretende amadurecer o banco dentro do Brasil e isso passa por transformar o projeto em um banco primário, com serviços de cartão pré e pós-pago.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Bora Investir: Já são cinco anos de Banco Afro. Pode fazer um balanço dos aprendizados e das principais lições dessa trajetória até agora?
Diego Reis: Não queremos ser apenas uma fintech, mas sim um ecossistema tecnológico com pilar financeiro e educacional para fomentar o empreendedorismo. Quando [o banco] começou em 2019, eu escutei que eu seria louco em ser um banqueiro preto. De lá para cá, eu desenvolvi uma tecnologia em um ecossistema em que conto com Google e Visa como parceiros. Vimos que poderíamos desenvolver outros projetos. Antes, a gente atendia única e exclusivamente as demandas da comunidade preta. Mas agora atendemos as demandas de outras comunidades, também.
Bora Investir: Como combinar a parte financeira com a social?
Diego Reis: Hoje somos um ecossistema tecnológico, porque a gente entende que a parte financeira por si só é uma commodity. Se você for fazer um Pix no Bradesco, no Nubank, no Santander ou no Banco Afro, não muda nada, se não tiver um propósito a mais, vai ser só tirar dinheiro de um lado para outro. Por isso, dentro do sistema do Banco Afro temos as funcionalidades financeiras, mas as sociais também, com fomento ao empreendedorismo, educação e capacitação, isso tudo forma um grande sistema de economia circular que se conecta com todas essas funcionalidades.
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Bora Investir: E os planos de expansão do banco? Vi que pretende alcançar países de língua portuguesa na África. Em que pé está isso?
Diego Reis: Toda nossa tecnologia está desenvolvida para traduzir em até 60 idiomas. Estamos em ajustes administrativos e algumas frentes bem iniciadas já rodando em alguns países do continente africano. Hoje, ainda não está rodando por uma questão de braço. Então, deixamos em fase de testes e adaptações [a ferramenta do app para a África] ao invés de acelerar esse projeto antes que aqui [no Brasil] o banco esteja mais maduro. Estamos na primeira captação oficial, antes rodamos apenas com recursos próprios.
Bora Investir: Pensando no microempreendedor com interesse em ingressar no Banco Afro. Como ele faz para entrar? E quais são os critérios para conseguir crédito?
Diego Reis: Primeiro, ele consegue abrir sua conta, já é um diferencial. O Banco Afro surgiu exatamente disso. Em 2015, a gente montou um coletivo chamado AfroEmpreendedor com mais de 20 mil empresas conectadas. A gente viu que independente do que fizéssemos, sempre tinha uma trava financeira, desde uma simples abertura de conta até acesso ao crédito mais específico. Eu vi que isso era primordial, é um direito à cidadania financeira. Muito se fala em cidadania pensando em alimentação, saúde e saneamento básico, mas pouco se fala em cidadania financeira. Então, quem abre conta no Banco Afro vai conseguir operar seus recursos dentro do sistema financeiro e se quiser se capacitar vai poder usar nosso know-how. Não somos de ficar olhando para o problema, somos de buscar a solução.
Bora Investir: E os critérios de acesso ao crédito?
Diego Reis: O score é um grande limitador do acesso ao crédito. Hoje, ele é totalmente excludente para a classe C, D e E, que a maioria está no Serasa e negativada. Mas essas pessoas continuam usando transporte público, pagando aluguel e tomando a cerveja de fim de semana. Então, não faz sentido travar o crédito para um potencial financeiro dessa pessoa. O pensamento tem que ser o contrário. Tem que pensar em como recuperar a capacidade financeira dela através de um crédito orientado, onde ela resolve essas dívidas e vai retomar sua capacidade de crédito. O Banco Afro desenvolveu um score próprio, onde a gente sai de 11 a 15 análises para mais de 40 análises do perfil de crédito.
Bora Investir: Pode dar mais detalhes sobre essa análise de perfil?
Diego Reis: Não fazemos só análise financeira, mas socioeconômica. Temos um banco de dados gigantesco em que conseguimos interligar as informações que a pessoa fornece para nosso sistema e conseguimos validar várias delas através das bases públicas. Então, é um nível de análise onde a gente comprova a necessidade de crédito, verificamos se o crédito vai estar dentro da capacidade financeira da pessoa ou se vai só aumentar o endividamento. Olhamos se ela quer pagar uma dívida, por exemplo, e se esse formato é realmente o que ela precisa, assim como o aspecto social.
Bora Investir: Em relação à sua trajetória de vida até aqui. Que lições você aprendeu nesse caminho e o que faria de diferente?
Diego Reis: Eu venho de uma família de funcionários públicos. Minha mãe era professora e meu pai era militar. Isso gerou outras visões de mundo. Lá em casa sempre foi priorizado a educação. Até os 14 anos eu não entendia o que era racismo, por que as pessoas tinham essas diferenças e eu não percebia. Eu abri uma empresa de forma informal em segurança da informação, isso porque sempre fui muito curioso e queimei vários computadores até fazer um curso de montagem e manutenção. Então, coloquei uma faixa no portão de casa e, de repente, transformei a casa da minha mãe em um laboratório de montagem e manutenção atendendo a vizinhança e empresas. Com 16 anos eu me emancipei, porque eu queria ter a formalização da minha empresa, mas ela acabou quebrando mais de quatro vezes. Eu me especializei em quebrar e foi importante para eu entender a parte romântica do empreendedorismo e a parte cruel. A única certeza que eu sempre tive era que eu não seria funcionário público. Isso não é para mim. Eu gosto da diversidade, do risco e do desafio. Eu me questionava muito depois de ter quebrado. O interessante é que foi quebrando, foi passar por esses processos, que descobri o meu propósito. Passar por isso para que eu tivesse o aprendizado que tenho hoje para passar adiante, para outras pessoas. A verdade é que quanto mais eu ensino e conto as formas que eu quebrei e afins, mais dinheiro eu ganho. Hoje eu ajudo as pessoas a não passar pelo que eu passei. Isso me deu know-how, não só para construir produtos mais eficientes, mas ter mais pé no chão e ter mais empatia com as pessoas.
Bora Investir: Para finalizar, quais são os próximos planos do banco?
Diego Reis: O Banco Afro virou um laboratório de produtos e serviços ao nosso público. Além do projeto do Voz Afro, temos também o Shop Afro, um marketplace para o nano e microempreendedor aquele que dificilmente estará em uma Magalu ou Amazon. Isso dá visibilidade aos seus produtos. Hoje sabemos que não somos o banco principal das pessoas, porque [o Banco Afro] não tinha até então um cartão pré-pago e pós-pago. A gente ainda vai lançar esse ano, já começamos a evoluir a ferramenta tecnológica e toda a integração. Vamos nos transformar em um banco primário de várias pessoas, seja porque vamos ter os principais produtos e serviços equiparáveis aos bancos tradicionais.
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