“Com possível queda da Selic, é um ótimo momento para se investir tanto em renda fixa quanto em renda variável”, diz Charles Mendlowicz
Em conversa com o Bora Investir, o influenciador conhecido como Economista Sincero, fala sobre o ciclo de juros nos EUA e no Brasil, o risco de “murchada” nas big techs e o papel do ouro e da cripto nas carteiras
Com os Estados Unidos em meio a um ciclo de cortes de juros e o Brasil à espera de uma possível redução da Selic em 2026, o cenário global abre espaço para novas estratégias de investimento. Em entrevista ao Bora Investir, Charles Mendlowicz, influenciador conhecido como Economista Sincero, analisa como essa mudança pode impactar o fluxo de capital, aponta oportunidades para o investidor brasileiro e alerta para sinais de cautela em ativos como big techs, ouro e criptomoedas.
Bora Investir: Tivemos mais um corte de juros nos Estados Unidos e a expectativa é de manutenção aqui no Brasil na próxima reunião do Copom. O que esse cenário implica para quem investe?
Charles Mendlowicz: A economia americana vinha funcionando como um grande “aspirador de dinheiro” do mundo. Com os juros no pico das últimas décadas, os EUA atraíam capital global em volume enorme. Agora, com a segunda queda seguida dos juros, esse movimento tende a se inverter: parte desse dinheiro começa a se espalhar, tornando o jogo mais equilibrado — vai para Brasil e outros emergentes.
O Brasil, inclusive, está diante de mais uma dessas oportunidades que aparecem a cada década. Rússia está em guerra. China, depois da Covid, não tem sido destino de capital como era nos anos 2000. Turquia e África do Sul enfrentam crises, o Oriente Médio segue instável. Sobra pouca opção no mundo, e o Brasil poderia estar aproveitando melhor.
É como se o Brasil tivesse num WO. Não tem muita oportunidade no mundo dando sopa. O Brasil tem tudo, de novo, pra ser uma bola da vez.
Mas os juros estão em 15%. Talvez, com a Selic caindo a partir do primeiro semestre, a gente possa chegar ao fim de 2026 com um juro mais próximo de um dígito do que a desses 15%. Deveria ser animador para o Brasil.
Bora Investir: O que o país poderia fazer para aproveitar melhor esse momento?
Charles Mendlowicz: Ajustar as contas públicas. Mas ninguém quer fazer isso — nem governo de direita, nem de esquerda. O Brasil precisa de uma nova reforma da Previdência e de uma reforma administrativa. A dívida pública está perto de 80% do PIB e já se projeta em 90%. O problema é que a gente se endivida pagando juros de 15%. Se fosse para construir metrô, porto, infraestrutura, até justificaria, mas o dinheiro vai embora em gastos correntes. Estamos ficando mais endividados que nossos pares, sem ficar ricos.
Bora Investir: Você mencionou que os EUA funcionavam como esse “aspirador de dinheiro”. Agora se fala em enfraquecimento do dólar. Você vê isso como realidade?
Charles Mendlowicz: Sim, é um movimento de longo prazo. Grandes nações que dominam o mundo acabam, com o tempo, perdendo hegemonia. É um movimento que acontece ao longo dos séculos. Acho que isso vem acontecendo com os Estados Unidos, mas é um movimento que vai demorar algumas décadas.
Países como China, Índia e até o Brasil, via BRICS, têm tentado reduzir a dependência do dólar. A desdolarização é tanto econômica quanto política. E aí, com a entrada do Trump, com uma certa agressividade em relação às tarifas, esse movimento fez com que o dólar tivesse uma certa perda de valor.
Não só em relação ao real, mas o índice DXY, que mede o valor do dólar contra uma cesta de moedas, também tem perdido força.
O Brasil tem que aproveitar, um dólar mais fraco ajuda a conter a inflação, porque tudo — do petróleo à farinha — tem influência da moeda americana. Então, pra gente, é positivo. Mas eu não acho que o Brasil deveria liderar esse processo. Hoje, a gente tem um mundo nitidamente dividido entre Estados Unidos e China, e o Brasil tem uma posição privilegiada de não ser obrigado a escolher um lado. Se liderarmos um movimento pela desdolarização, é como se estivéssemos escolhendo um lado.
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Bora Investir: E o que isso significa para quem investe?
Charles Mendlowicz: Um dólar mais fraco é bom para o bolso do brasileiro no curto prazo, mas também é uma oportunidade de dolarizar parte do patrimônio. Antigamente, investir no exterior era só para milionário. Hoje dá pra comprar uma ação americana com R$ 50, via app ou ETF. Essa democratização é uma revolução financeira. Claro que quem entrou com o dólar a R$ 6,30 e olha agora a carteira em reais pode achar que “perdeu dinheiro”, mas o erro é olhar em reais. Tem que olhar em dólar. O importante é pensar no longo prazo.
Bora Investir: Falando em longo prazo, por que o investidor brasileiro ainda tem dificuldade de pensar assim?
Charles Mendlowicz: Porque ele quer resultado rápido. Muita gente chega pra mim e pergunta: “três ações pra ganhar dinheiro até o fim do ano?”. Cara, o ano tá acabando! Os melhores investimentos que eu tenho têm cinco ou dez anos. E, no começo, muitos deles caíram. Agora, com a Selic alta e possibilidade de queda à frente, é um ótimo momento pra investir tanto em renda fixa quanto em renda variável — mas sempre com paciência. O investidor brasileiro precisa aprender que um ano é pouco tempo.
Bora Investir: O mercado tem falado bastante sobre ETFs. Por que eles têm crescido tanto?
Charles Mendlowicz: Porque facilitam a vida do investidor. O investidor não precisa fazer stockpicking [escolher as ações em que investir]. O brasileiro quer investir, mas não quer complicação. ETF é prático: você investe em uma cesta de ativos com uma taxa baixa. E dá pra escolher o tipo — pagadores de dividendos, de criptomoedas, de tecnologia. E a taxa é uma fração do que se cobrava em fundos tradicionais. Aqui na B3, todo mês tem ETF novo sendo lançado — e eu mesmo devo lançar o meu no primeiro trimestre de 2026.
Bora Investir: Outro ativo que ganhou destaque foi o ouro. Por que ele disparou?
Charles Mendlowicz: O ouro é um fenômeno. Passou de US$ 4 mil a onça. Parte da valorização vem da expectativa de queda de juros — se o juro vai cair, o investidor prefere algo “parado, mas seguro”. A grande questão é que não era para o ouro ter subido tanto com juro do jeito que estava, não faz sentido nenhum. Por que que você vai investir no ouro, que não gera caixa, se você pode deixar na renda fixa americana, ganhando 5%?
O que causou essa alta deve ter sido uma aversão ao risco. Muitos investidores e países começaram a aumentar as suas reservas por medo de alguma coisa, algo imponderável mesmo. E tem a ver também com aquela desdolarização que a gente estava falando antes. E há o medo de uma guerra generalizada, de um problema maior entre Rússia e Europa, por exemplo. Se eu fosse um país ou uma pessoa com um bilhão de dólares de reserva, ah, eu teria uns US$ 100 milhõeszinhos em ouro.
Bora Investir: E para o investidor pessoa física? Há espaço para ouro no portfólio – e se sim, qual o papel dessa alocação?
Charles Mendlowicz: Para pessoa física, o ouro deve ser só uma pequena parcela da carteira. Ele mantém valor no tempo, mas não é ativo de crescimento. E hoje ficou fácil acessar via ETFs — antes era caro, agora está na prateleira de qualquer corretora.
Bora Investir: O Bitcoin também chamou a atenção nos últimos anos. Qual sua visão sobre o ativo?
Charles Mendlowicz: Sou investidor desde 2017, então vi dois grandes ciclos — o de 2017 e o da pandemia, quando o Bitcoin saiu de US$ 5 mil para US$ 60 mil. O mercado amadureceu muito. Hoje você compra cripto pelos apps dos bancos tradicionais, de fintechs ou via ETF. E o principal: os institucionais entraram. Grandes gestoras de patrimônio, como BlackRock, JPMorgan, bancos grandes estão criando estruturas para usar Bitcoin como garantia de empréstimo, por exemplo. Isso muda tudo. Antes, um fundo de pensão não tinha como comprar e custodiar Bitcoin; agora tem.
Mas os sinais estão meio estranhos, né? Renda fixa rendendo muito, bolsa rendendo muito, e isso com o juro elevado. O ouro subindo muito, cripto subindo. Acho que a gente está caminhando por um momento delicado. A festa tá acontecendo, eu tô vendo todo mundo se divertir, tô ouvindo a música, mas eu tô indo pra porta já sabe?
Bora Investir: Você disse que está “curtindo a festa, mas já perto da porta”. O que significa isso?
Charles Mendlowicz: Eu continuo comprado, mas não alavancado. Muita gente diz “não é bolha”, mas é exatamente o que todo mundo dizia antes de 2000 e 2008. Não acho que vá explodir como na crise da Nasdaq, mas pode “murchar”.
Então, prefiro estar perto da saída: aproveitar a festa, mas pronto pra correr se alguém gritar fogo.
Bora Investir: Diante disso, onde estão as melhores oportunidades hoje?
Charles Mendlowicz: Eu continuo vendo boas oportunidades no Brasil. Todo mundo está olhando o mercado americano. Não tem uma oportunidade que só você está vendo. Aqui a gente entende o mercado, conhece os bancos, as empresas de energia, o setor imobiliário. Sou fã dos fundos imobiliários — têm a cara do investidor brasileiro, que gosta de renda recorrente e de imóveis. Dá pra começar com R$ 10, receber dividendos, e aprender na prática.
Eu digo sempre: começa pequeno, começa em reais, entende a volatilidade, depois pensa em investir em dólar. No fim, o importante é ter tudo — renda fixa, variável, cripto, um pouco de exterior. Uma carteira equilibrada é o que faz o investidor dormir tranquilo.
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