“Fed e Copom enfrentam dilema sobre corte de juros”, diz Paulo Gala
Em entrevista, economista-chefe do banco Master explica que as autoridades monetárias temem que o mercado de trabalho forte pressione ainda mais a inflação
A inflação do setor de serviços virou uma pedra no sapato do Comitê de Política Monetária (Copom) ao se mostrar persistente diante de um mercado de trabalho aquecido nos primeiros meses de 2024 e da constante melhora do rendimento dos trabalhadores.
A taxa de desempregou está em 7,8% – valor historicamente baixo para os padrões brasileiros. O rendimento médio atingiu R$ 3.110 e a massa salarial (soma dos salários recebidos pelos trabalhadores) bateu recorde (R$ 307,3 bilhões), segundo o IBGE.
O economista-chefe do banco Master, Paulo Gala, explica que esse nível de emprego está ligado a uma atividade econômica mais aquecida. “Se a economia está expandindo, precisa de mais pessoas trabalhando para ofertar bens e serviços”.
Essa alta demanda, principalmente por serviços, é provocada justamente pela melhora na renda, que leva as pessoas a gastarem mais e as empresas a contratarem novos profissionais. Esse aumento na oferta de vagas e a demanda alta por trabalho pressiona os salários para cima e preocupa o Banco Central.
“Essa situação do mercado de trabalho é o xis da questão. O Copom precisa entender o quanto o mercado de trabalho brasileiro está aquecido de fato e quanto isso vai provocar de inflação. O BC não tem essa resposta, só vai ter mais clareza no 2º semestre. A discussão que está em aberto agora é para onde vai a Selic”, explica Gala.
Nos Estados Unidos, a situação é semelhante à brasileira. O mercado de trabalho se mostra mais resiliente, com a criação de vagas acima do esperado nos últimos três meses. Por lá, o gasto público como estímulo à economia e o menor endividamento das companhias impulsiona o bom desempenho do emprego.
“Fed e BC do Brasil têm receio que esse mercado de trabalho muito aquecido possa pressionar ainda mais a inflação. Dito isso, acho que ainda é possível um corte nos juros americanos em junho de 0,25 ponto percentual”, afirma o economista-chefe do Master.
Com os juros mais altos nos Estados Unidos, o fluxo de investimentos para o mercado financeiro americano avança e prejudica os países emergentes, como o Brasil.
“Se a taxa de juros americana cair, a nossa taxa de juros longo ia despencar, a bolsa iria subir e o câmbio se apreciar. Isso porque o fluxo de recursos seria redirecionado para o Brasil”.
Confira abaixo a entrevista completa!
Bora Investir: A taxa de desemprego está num nível historicamente baixo para o padrão brasileiro, assim como a melhora da renda média. Como o senhor avalia essa conjuntura de emprego resiliente com as projeções para a nossa economia?
Paulo Gala: Os dados de janeiro e fevereiro mostraram um crescimento da economia acima do esperado. Então não está claro dizer que a economia está desacelerando. A gente cresceu em 2023 perto de 3% e no ano anterior também. Nesses primeiros três meses de 2024, os dados apontam para um crescimento no trimestre de pelo menos 0,5% ou 0,6% – o que daria anualizado mais que 2%.
Existe uma expectativa que o PIB do Brasil vai desacelerar ao longo do ano porque os juros ainda estão altos. Mas existem preocupações maiores com o nível de juros nos Estados Unidos do que um cenário de desaceleração com força da economia brasileira. A verdade é que os dados de varejo e de serviços, principalmente nos dois primeiros meses do ano, foram fortes. Então não dá para dizer que há uma desaceleração que explique o desemprego que está mais baixo, mas não tanto assim.
Hoje esse nível de desemprego está ligado a uma atividade relativamente aquecida em janeiro e fevereiro. Tivemos o pagamento dos precatórios de R$ 90 bilhões, as transferências sociais como o Bolsa Família, a supersafra do ano passado. Então tem várias coisas que ajudaram um pouco a economia brasileira.
O nível de emprego é uma função direta da atividade econômica. Vamos traduzir isso do economês para o português. Se as pessoas estão indo no restaurante, jantando fora, comprando roupa, trocando de carro, viajando, a economia está andando e os empregos são mantidos.
Se a gente olhar o dado do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados], observamos uma criação forte de empregos formais em fevereiro. O Caged de janeiro também foi muito forte. Então, os últimos dados do mercado de trabalho brasileiro mostram que as contratações estão aumentando. Então o nível de emprego anda de mão dada com a atividade econômica. Ou seja, se a economia está expandindo, se precisa de mais pessoas trabalhando para ofertar esses bens e serviços que estão sendo consumidos e demandados.
Bora Investir: Para todo o ano de 2024, qual a sua projeção para o emprego e a renda?
Paulo Gala: A gente pode chegar ao final do ano com o desemprego de 7,5%, até mesmo 7%. Tudo vai depender do crescimento. Se a gente conseguir avançar mais do que 2% – e eu acho que isso é perfeitamente possível – dá para imaginar um desemprego mais próximo de 7% no final desse ano.
Isso seria um dado bastante bom do ponto de vista histórico, porque seria a metade do desemprego que a gente teve na pandemia, que foi de 14%. Mas ainda é um desemprego elevado. É importante dizer isso. A gente tem muito subemprego no Brasil, tem muita informalidade. Por exemplo, só 40% desses empregos são formais, com carteira assinada.
Então, esses dados de emprego enganam um pouco, porque tem muito subemprego no meio disso tudo, ou seja, emprego de baixa qualidade e baixo salário. As pessoas gostariam de trabalhar mais para ganhar mais.
Bora Investir: O cenário de salários elevados e desemprego baixo tem pressionado a inflação de serviços. O que é essa inflação e como ela se relaciona com o mercado de trabalho?
Paulo Gala: A inflação dos serviços está relacionada à mão de obra, e não a bens. A gente contrapõe a inflação de serviço com a inflação de bens. Quando você compra um carro, medicamento, roupa, móvel, eletrônico, isso está relacionado a inflação de bens. Agora tudo o que está mais ligado ao salário das pessoas – como cortar o cabelo, garçom, manicure, gerente de hotel, motorista de Uber – é inflação de serviços. Nessa conta a gente pode incluir também os serviços financeiros, médicos e educacionais.
A ideia é que quando a mão de obra está mais escassa, portanto, o desemprego está menor, o ‘custo das pessoas’ aumenta. Ou seja, quando os salários sobem, os preços dos serviços também sobem. Só que essa relação não é tão mecânica, pois muitos brasileiros têm emprego de baixa qualidade e estão disposto a trabalhar por um emprego melhor. Essa demanda não necessariamente faz com que os salários explodam.
Vou dar o exemplo dos Estados Unidos. Lá o desemprego é de 3,8%, a metade do brasileiro, e os salários crescem mais de 4,5% ao ano – uma taxa muito alta e que preocupa os americanos. Então a discussão é quanto apertado o mercado de trabalho tem que estar para que os salários acelerem mais. Se os salários avançam, a inflação de serviços também vai acelerar porque o custo da mão de obra sobe.
A inflação é um pacote. Um misto de bens e serviços. Então, o mercado de trabalho é importante para calibrar, para tentar entender o que está acontecendo nesse universo do custo da mão de obra e do serviço.
Bora Investir: Esse cenário de renda melhor também faz com que os brasileiros gastem mais com serviços. Isso também pressiona a inflação?
Paulo Gala: Pelo lado da demanda sim. A pessoa ganha e gasta mais. Isso obriga as empresas a contratarem novas pessoas para ofertar esses serviços. O aumento de oferta das empresas demanda mais trabalho, que começa a pressionar os salários. É o que chamamos em ‘economês’ de espiral do preço do salário. O salário sobe, o preço sobe, o salário sobe, o preço sobe.
O problema é que não está claro que a gente está nessa situação no Brasil. Esse, inclusive, é o debate que o Banco Central faz neste momento. O BC precisa tentar entender se o País está nessa espiral para decidir sobre os juros.
Bora Investir: Justamente sobre essa discussão de mercado de trabalho resiliente e inflação dos serviços alta, isso pode pressionar o Comitê de Política Monetária a segurar o corte da Selic?
Paulo Gala: A redução da Selic na próxima reunião está dada. O BC vai trazer os juros básicos para 10,25% e deve reduzir o ritmo de baixa de 0,5 ponto para 0,25 ponto percentual. A discussão que está em aberto agora é para onde vai a Selic. Eu acho que bem abaixo dos 10%, mas essa situação do mercado de trabalho é o xis da questão.
O Copom precisa entender o quanto o mercado de trabalho brasileiro está aquecido de fato e quanto isso vai provocar de inflação. O Banco Central não tem essa resposta. Ele vai tentar descobrir ao longo do ano e a gente vai ter mais clareza disso no segundo semestre.
Bora Investir: Saindo do Brasil e indo para os Estados Unidos. O Payroll mostrou criação de vagas acima do esperado nos últimos três meses. Quais os motivos dessa resiliência no mercado de trabalho americano?
Paulo Gala: Dentre os motivos para a força do mercado de trabalho nos Estados Unidos estão os programas sociais do Joe Biden e os estímulos para a indústria, que elevaram o déficit público americano para mais de um trilhão de dólares. O país vive hoje um boom industrial e de construção empresarial ligado a manufaturas. Isso tem ajudado a economia a crescer, apesar dos juros no nível mais alto em quase 20 anos.
O endividamento privado sobre o PIB está menor, tanto que os Estados Unidos não estão mais no ranking dos dez países com maior endividamento da iniciativa privada. Ou seja, o país já esteve em momentos piores de dívida privada sobre o PIB.
Então essa combinação de uma política fiscal expansionista, ou seja, gasto público estimulando a economia – com uma situação de endividamento que ainda não é tão dramática – pressiona o bom desempenho do emprego.
Bora Investir: Há uma preocupação no mercado financeiro global de que o emprego ainda forte possa adiar o início dos cortes de juros americanos. Qual a sua expectativa?
Paulo Gala: O Federal Reserve enfrenta o mesmo debate sobre corte de juros que o BC brasileiro. As duas instituições têm receio que esse mercado de trabalho muito aquecido possa pressionar ainda mais a inflação.
Dito isso, acho que ainda é possível a gente imaginar um corte em junho de 0,25 ponto percentual pelo Banco Central dos Estados Unidos. Mas a ideia de três cortes é muito difícil. Acho que está mais para dois cortes, o que traria o juro de 5,5% para 5%.
Agora é importante se dizer que será uma baixa muito fina, porque não vai mudar muita coisa na economia americana. Cortar de verdade seria ir para a metade do que está hoje e o Fed está bem longe de fazer isso. Por outro lado, eles também estão preocupados em a economia desacelerar demais.
Bora Investir: A eleição americana também pode pesar na decisão de corte dos juros?
Paulo Gala: É mais um componente de volatilidade e incerteza. Uma vitória de Donald Trump eventualmente poderia trazer mais dessa volatilidade. Mas acho que o Fed não tem essa preocupação por ser muito independente em relação à política.
Bora Investir: Por que essa preocupação com a demora na queda dos juros americanos afeta tanto o mercado financeiro brasileiro?
Paulo Gala: Essa questão sempre está ligada ao retorno, pois os títulos públicos americanos pagam 5,5% de juros. Se a taxa de juros americana cair, a nossa taxa de juros longo ia despencar, a bolsa iria subir e o câmbio se apreciar. Isso porque o fluxo de recursos seria redirecionado para o Brasil.
Agora, por outro lado, isso abre a oportunidade para o investidor brasileiro. Por exemplo, a gente tem uma NTN-B pagando 6% de juro acima da inflação e fazia tempo que isso não acontecia. Essa abertura da curva de juros trouxe oportunidades importantes para o investidor brasileiro que tem uma perspectiva de carregar as posições de longo prazo.
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