Entrevistas

“Não invista para ficar rico”, diz Damodaran, referência global em valuation

Em entrevista ao Bora Investir, Aswath Damodaran falou sobre empresas brasileiras em que investe ou já investiu e deu dicas de investimentos

Aswath Damodaran, especialista em valuation de empresas
Aswath Damodaran dá dicas sobre como investir e comenta o cenário de juros mais elevados nos EUA. Foto: YouTube/Aswath Damodaran

Não concentre seus investimentos, não compre ações no preço errado e não invista para ficar rico. Essas três negativas são as regras do renomado professor de valuation Aswath Damodaran para gerenciar seu portfólio. Em palestra realizada em São Paulo, em parceria com a B3 e a CFA Society Brazil, Damodaran encheu o auditório do Insper de jovens estudantes universitários, professores e alguns convidados.

Na oportunidade, falou sobre as dificuldades em avaliar empresas de alto crescimento, como as de inteligência artificial. Também comentou as bolhas mais recentes, e deu dicas de como investir melhor.

“Bolhas sempre vão acontecer, e acho que é uma coisa boa”, diz Damodaran sobre inteligência artificial

“Nenhum investimento supera 10% do meu portfólio”, afirmou ele. “Quando você concentra [seus investimentos], está fazendo uma aposta de que você sabe mais do que o resto do mundo – e que o mundo vai convergir para a sua opinião”, alertou o professor, acrescentando que isso é algo perigoso a se fazer.

Além disso, ele ressaltou a importância do preço certo para que um investimento seja bem-sucedido. “Eu evito qualquer empresa no preço errado. Existem ótimas companhias, que no preço errado são péssimos investimentos”, diz. Após passar as últimas décadas lecionando e aperfeiçoando seus métodos para estimar o valor das empresas, não se esperaria dele uma opinião diferente.

Em entrevista ao Bora Investir, Damodaran detalhou sua visão sobre o cenário brasileiro atual. Falou também sobre o impacto das taxas de juros elevadas nos Estados Unidos e compartilhou uma visão polêmica: uma taxa de juros real de 4% é mais saudável para os mercados do que taxas mais baixas.

Confira!

Bora Investir: Durante sua palestra, você mencionou que tem ações de duas empresas brasileiras em sua carteira, Vale e Petrobras. Você já analisou outras empresas brasileiras ou teve em seu portfólio?

Aswath Damodaran: Já tive Embraer por muito tempo também, vendi provavelmente três ou quatro anos atrás, porque os clientes não estavam bem. Se as empresas aéreas não estão indo bem, é difícil ser uma fabricante de aviões bem-sucedida.

Tive Natura por alguns períodos, mas vendi anos atrás, quando os preços alcançaram um pico. Mas já entrei e saí de investimentos no Brasil. Também tive Ambev por muito tempo, no meu portfólio e dos meus filhos.

Mas eu adoraria comprar algum dia ações de uma empresa brasileira jovem e com potencial de crescimento. Mas é muito difícil encontrar uma com o perfil adequado e um negócio que me interesse.

Bora Investir: Sim, você mencionou que olhou a lista das maiores empresas do Brasil e que a única que Nubank é a mais próxima de uma ação de crescimento…

Aswath Damodaran: E é uma fintech, fintechs são difíceis de avaliar, porque aproveitam arbitragens regulatórias. Ou seja, parte da razão para o sucesso de uma fintech é que outros bancos estão sujeitos a restrições regulatórias que não se aplicam a ela. Outro fator é colocar a tecnologia em jogo, com os dados para fornecer melhores serviços.

Eu acho que o Nubank faz um bom trabalho nessas duas áreas. Mas não é uma empresa barata. Acabou de começar a lucrar e a ação está sendo negociada a um alto múltiplo de preço/lucro. No preço certo eu compraria ações do Nubank, está na minha lista de observação. Se houver alguma surpresa que fizesse o preço cair, eu me interessaria.

Bora Investir: E por que você acha que o Brasil não tem mais empresas novatas que se tornam grandes?

Damodaran: Porque você precisa de pessoas. Você precisa de investidores, certo? Quero dizer, a razão pela qual essas empresas existem nos EUA é que o capital flui para elas. Existe uma parte do mercado que investe em empresas jovens que não dão lucro, mas que têm potencial.

Você precisa de capital de risco para que essas empresas tenham sucesso. Os EUA têm muito capital de risco, você pode argumentar que tem até demais. Mas no Brasil, esse capital de risco tem sido menor.

Em parte porque não há tantos participantes dispostos a investir em capital de risco, como venture capital e private equity. A natureza do capital de risco é que você precisa estar disposto a investir em empresas que não vão ter retorno algum, mas tudo bem, porque as empresas que derem certo irão compensar.

Portanto, é uma mentalidade que alguns investidores têm e outros não. Não vou dizer que todos os investidores deveriam fazer isso. Mas você precisa de um grupo de investidores com essa mentalidade.

Não acho que haja capital de risco suficiente no Brasil. E isso afeta o País. Se você é uma startup, precisa de capital de risco para se tornar uma empresa de capital aberto. Não creio que haja capital de capital de risco suficiente para preencher a lacuna.

Talvez seja por que demora um tempo para que essa cultura se desenvolva. Os EUA têm o maior histórico de empresas de venture capital, começou em 1950. É um mercado onde o capital de risco tem uma tradição mais longeva.

Mas a forma como se desenvolve capital de risco é deixando-o acontecer. Você não pune quando é bem-sucedido e não o protege quando não dá certo. Então, se você tem capital de risco, aposta em uma empresa e ela perde, não pode haver audiências sobre por que a empresa faliu. Você não pode proteger essas pessoas e os erros.

Bora Investir: E o cenário macroeconômico não tem um papel nisso?

Damodaran: Tem um papel sim. Você pode ter uma empresa com muito potencial, mas se o País der uma guinada ruim, todo o potencial vai para zero. Assim, em geral, os mercados com trajetórias de risco-país imprevisíveis têm muito mais dificuldade em desenvolver capital de risco.

Porque o potencial pode ser arruinado por uma surpresa macroeconômica ruim. E por um tempo, parecia que o Brasil estava no caminho certo para se tornar um país menos arriscado. Em 2012, nos anos de pico, esse mercado parecia que iria se desenvolver. E então, o País deu três passos para frente e dois para trás. Acho que demora um pouco até que as pessoas digam: ‘OK, o risco do país não vai me atrapalhar aqui’. Mas penso que isso torna mais difícil o desenvolvimento de empresas jovens.

Bora Investir: De fato, não tivemos IPOs no Brasil nos últimos anos.

Damodaran: E penso que o capital de risco em todo o mundo secou desde 2022. Porque o outro componente que elimina o capital de risco é a inflação. Inflação e capital de risco não andam juntos. E o Brasil sempre teve um problema de inflação, com altos e baixos, mas isso nunca vai embora. E para o resto do mundo, a inflação desapareceu durante uma década.

A década de ouro para o capital de risco foi entre 2010 e 2021. E você olha para o que é comum nesses anos: inflação baixa, taxas de juros baixas. Mas mesmo nesses mercados, [atualmente] as taxas de juro subiram, a inflação subiu. Em 2022, o capital de risco entrou em hibernação por causa da inflação. Então essa é a outra coisa: em qualquer ambiente inflacionário, não é fácil para o capital de risco sobreviver.

Bora Investir: Você mencionou a inflação e as taxas de juros nos últimos anos. Em entrevistas passadas, você disse que ter uma taxa de juros de 4% nos Estados Unidos é mais saudável para o mercado do que uma taxa de juros de 1,5%. Mas nos últimos dias, passamos por um período de incerteza e o mercado projeta que o Fed vai demorar ainda mais para cortar os juros. Mesmo com essa incerteza, você considera que o mercado está mais saudável com o juro no patamar atual?

Damodaran: É mais saudável para os mercados porque quando as taxas estão entre 2% ou 1%, as pessoas essencialmente não recebem nada na renda fixa. E nos períodos em que as taxas caíram para 2%, elas estavam exagerando para tentar obter um rendimento maior. Então eles estavam caindo em golpes e fazendo investimentos ruins. E isso não é saudável.

Na semana passada investi o dinheiro dos meus filhos em T-Bonds [títulos do tesouro norte-americano], porque agora você pode ganhar 5,5%. Há dinheiro de verdade a ser feito. Não estou exagerando ao tentar comprar ações porque se consigo ganhar 5,5% em T-Bonds, uma ação tem que ser boa o suficiente para superar esses 5,5%.

Cinco anos atrás, aquele dinheiro [na renda fixa] não ganhava nada. Então, se eu chegasse até você com uma ação que rendeu 2%, você investiria nela. Isso não é saudável para os mercados.

Não é saudável para as ações quando muito capital flui para empresas que são arriscadas. Portanto, acho que uma taxa livre de risco de 4% para mim é uma espécie de ponto ideal. Taxas de 8%, 7% são demasiado elevadas, e uma taxa de 2% é muito baixa. 4% era o normal antes de 2008. Só a partir de 2008 é que nos acostumamos a estas taxas de 1%, 1,5%.

E vamos encarar: o país com o mais longo histórico de taxas baixas é o Japão. E o Japão foi mais prejudicado do que ajudado por ter taxas de 1%, 1,5%.

Bora Investir: Mas agora os mercados estão extremamente ansiosos para saber quando o Fed começará a cortar as taxas. Se o mercado é mais saudável com uma taxa mais alta, por que essa ansiedade?

Damodaran: Eu acho que é irrelevante. O Fed perdeu o controle, certo? Quero dizer, vamos encarar isso. O que o Fed fez no ano passado? Aumentou as taxas três vezes. O que aconteceu com as taxas dos T-Bonds? Nada. Um ano antes de o Fed aumentar as taxas, as taxas dos T-Bond caíram. Este ano, o Fed pode não alterar as taxas, e as taxas dos títulos do Tesouro estão em alta. Porque as taxas dos títulos do Tesouro são afetadas pela inflação. O Fed é um espectador. É um seguidor, não um líder neste processo. Então, para mim, é uma distração.

Não me importa se o Fed corta as taxas, aumenta as taxas ou não faz nada. O que irá impulsionar as taxas de juros durante o resto do ano é o que acontecerá com a inflação durante o resto do ano.

Bora Investir: Os mercados estão muito voláteis nos últimos dias. Como os investidores devem operar em dias assim?

Damodaran: Primeiro, não pense em dias. Você tem que pensar a longo prazo. Você precisa pensar em investir, não em fazer trade. Na verdade, pare de acompanhar o mercado no dia a dia. Não olhe no seu telefone o que aconteceu com seu portfólio todos os dias. Vivemos em um mundo onde recebemos muito feedback sobre o que está acontecendo com nossos portfólios. Reagimos exageradamente porque é isso que os seres humanos fazem.

Então, talvez volte a olhar seu portfólio uma vez por semana. Você ficaria surpreso ao ver como dorme melhor quando faz isso e como você se torna um investidor melhor quando não verifica constantemente o que está acontecendo.

Você não entra em pânico. Você não faz coisas malucas. Você não reage exageradamente porque não sabe o que está acontecendo.

Bora Investir: Na palestra, você mencionou que segue algumas regras para investir, como não concentrar mais de 10% do seu portfólio em um ativo, e que você não investiria em nenhuma empresa no preço errado. Qual outra dica você daria para quem investe?

Damodaran: Não invista para ficar rico, invista para preservar e aumentar a sua riqueza. Se você investir para tentar ficar rico, você irá exagerar. Você fará coisas malucas. Você fará coisas que não deveria estar fazendo. Investir é preservar e aumentar a riqueza. Investir não é ficar rico.

Quer saber como começar a investir do zero? Confira esse curso online e gratuito!

Sobre nós

O Bora Investir é um site de educação financeira idealizado pela B3, a Bolsa do Brasil. Além de notícias sobre o mercado financeiro, também traz conteúdos para quem deseja aprender como funcionam as diversas modalidades de investimentos disponíveis no mercado atualmente.

Feitas por uma redação composta por especialistas em finanças, as matérias do Bora Investir te conduzem a um aprendizado sólido e confiável. O site também conta com artigos feitos por parceiros experientes de outras instituições financeiras, com conteúdos que ampliam os conhecimentos e contribuem para a formação financeira de todos os brasileiros.