Americanas: entenda o que é a recuperação judicial
Companhia entrou hoje com pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça do Rio. A recuperação pode ser a 4ª maior do país. Entenda aqui!
A Americanas (AMER3) entrou com pedido, em caráter de urgência, de recuperação judicial nesta quinta-feira, 19/01, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
A medida, que já era esperada pelos analistas, vem diante do tamanho da dívida, do número de credores e da potencial necessidade de capital. Os desentendimentos públicos e jurídicos entre a companhia e os bancos credores – prepara uma dura batalha na Justiça.
O mercado foi pego de surpresa, na semana passada, com o anúncio do ex-presidente da empresa, Sergio Rial, de que havia encontrado ‘inconsistências’ no montante de R$ 20 bilhões no balanço da companhia. Apenas dois dias depois, na petição apresentada à Justiça, a Americanas surpreendeu e divulgou que sua dívida bruta também atingiu a cifra de R$ 20 bilhões. Ou seja, o total chega a R$ 43 bilhões.
Quer entender melhor a crise da Americanas? Veja 6 fatos essenciais.
O sócio-fundador da Excellance, butique especializada na recuperação da performance financeira das empresas, Max Mustrangi, explica que os bancos – que são os principais credores – sabiam das operações que tinham com a Americanas.
“O banco sabe quanto ele tem de posição no curto e no longo prazo. Sabe que tem mais ou menos 40 bilhões, até porque cobram juros e a operação está registrada no Bacen [Banco Central]. Então, provavelmente, ele estava recebendo os juros da operação – e imagino que era renovado para não pagar o principal – e a dívida ia rolando”.
Max acredita, no entanto, que dado ao contexto econômico de risco de crédito, houve uma percepção das instituições que algo estava errado.
“O que provavelmente aconteceu, na minha leitura, é que dado o contexto econômico – o risco de crédito, inadimplência – os comitês de crédito das instituições mandaram checar o que está acontecendo. Uma vez que não estava casando o tamanho do que cada um tem de financiamento e o que está reportado no balanço. Eu estou recebendo os juros, mas o principal não está reportado”, explica.
Para que serve o pedido de recuperação judicial?
O pedido de recuperação judicial não é um instrumento usado apenas para evitar que uma empresa quebre. Ele também dá fôlego a companhia com a suspensão temporária de cobranças. No entanto, é preciso apresentar uma estratégia de recuperação. Caso a empresa não escolha esse caminho, os credores podem entrar diretamente com o pedido de falência.
O diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB e sócio do Lara Martins Advogados, Filipe Denki, explica que o pedido de recuperação judicial, regulamentado pela Lei de Falências, é um processo que visa auxiliar a companhia a superar uma crise econômico-financeira que ela está enfrentando.
“Nesse processo, a empresa vai organizar a documentação necessária para o estudo de pedido. Nele, ela comprova que é uma sociedade empresária e inclui as atas de assembleia e os documentos contábeis para que o Judiciário possa auferir se ela, de fato, preenche os requisitos para conceder a recuperação judicial”, explica Denki que trabalhou nos processos da Samarco e da empresa de telefonia Oi, defendendo os credores
A recuperação também impede que trabalhadores da companhia percam o emprego, fornecedores o cliente e o Estado uma fonte de arrecadação de impostos.
“É preciso ter em mente que há uma diferença entre falência e recuperação judicial. Na primeira há um encerramento das atividades empresariais. Na segunda, a empresa continua em funcionamento com o intuito de preservar os postos de trabalho. Lógico que dentro de uma medida de restauração social, às vezes é necessário fazer cortes de funcionários, mas são parciais para preservar o máximo de funcionários possíveis”, afirma o sócio do Lara Martins Advogados.
A executiva Camille Loyo Faria assume em fevereiro o cargo de diretora financeira e de relações com investidores da Americanas. Ex-diretora de finanças e de relações com investidores da TIM, Camille ocupou o mesmo cargo na operadora de telefonia Oi – entre novembro de 2019 a agosto de 2021 – período em que a empresa estava em recuperação judicial.
Recuperações judiciais no Brasil
O caso Americanas pode se tornar um dos maiores pedidos de recuperação judicial da história empresarial brasileira. Um levantamento dos escritórios de advocacia Lara Martins Advogados e Mingrone e Brandariz – especializado nessa área – mostra que a companhia deve ocupar o quarto lugar entre as maiores operações de recuperação judicial no país. Os dados foram refinados com base na dívida das companhias quando entraram com o pedido.
O primeiro lugar no ranking da recuperação judicial está a Odebrecht (R$ 80 bilhões), seguida da Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões). Depois vem a Americanas (R$ 43 bilhões). Após a companhia, estão na lista a Sete Brasil (R$ 19 bilhões) e OGX (R$ 12,3 bilhões).
MAIORES RECUPERAÇÕES JUDICIAIS – BRASIL (em relação ao valor das dívidas na época do pedido)
Companhia | Dívida | Status |
ODEBRECHT | R$ 80 bi | em andamento |
OI | R$ 65 bi | encerrada |
SAMARCO | R$ 55 bi | em andamento |
AMERICANAS | R$ 43 bi | pedida à Justiça |
SETE BRASIL | R$ 19 bi | em andamento |
OGX | R$ 12,3 bi | encerrada |
Aqui vale fazer uma contextualização desses pedidos que citamos. A construtora Odebrecht entrou em recuperação judicial após a operação Lava Jato – onde a empresa foi denunciada como a maior integrante do cartel acusado de corrupção na Petrobras. O processo da empresa ainda continua. O caso levou a Sete Brasil e a OGX para o mesmo caminho – a primeira ainda está com a recuperação em andamento.
A recuperação judicial da operadora de telefonia Oi durou seis anos e foi concluída em dezembro do ano passado. Já o processo da mineradora Samarco – controlada pela Vale e BHP Biliton – continua. A companhia foi responsável pela maior tragédia ambiental do país, em novembro de 2015, com o rompimento da barragem de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais.
O tempo médio do processo de recuperação judicial é de três anos. É o que prevê a lei 11.101 (09/02/15) que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. No entanto, atualmente, esse tipo de processo dura, em média, quatro anos e meio.
Americanas e o impasse com os credores
Desde o início da crise contábil na Americanas, quando a companhia conseguiu na Justiça medida cautelar para suspender a cobrança de dívidas por 30 dias – por meio de uma preparatória para uma recuperação judicial — diversos bancos credores foram à Justiça. O principal objetivo é conseguir compensar as operações financeiras.
Na quarta-feira, 18/01, o BTG Pactual conseguiu uma liminar na Justiça para o bloqueio de R$ 1,2 bilhão em aplicações da Americanas no banco, como garantia de pagamento antecipado de dívidas. A liminar, concedida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, vale apenas para o BTG, mas pode abrir um precedente para outros credores.
Segundo a empresa, após a decisão, a posição de caixa disponível para suas atividades é de aproximadamente R$ 800 milhões, sendo que parcela significativa desse valor está indisponível para movimentação.
No mesmo dia, os bancos Bradesco, Itaú e Safra pediram à Justiça que a Americanas só possa sacar dinheiro depositado em contas nesses bancos com autorização judicial. Os recursos foram levados à 4ª Vara Empresarial do Rio.
“A gente tem alguns bancos, entre os quais o BTG, que estão extremamente agressivos em buscar o seu dinheiro de volta. Você também tem os bancos públicos – como o BNDES, o Banco do Brasil. Então são negociações muito distintas, o que dificulta muito uma saída amigável e equilibrada”, afirma o sócio-fundador da Excellance.
“Com a notícia que a Americanas só tem R$ 800 milhões em caixa, de fato, não há outro caminho a não ser a recuperação judicial”, conclui o especialista Filipe Denki.
Minoritários
O Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci) processou a Americanas pelas inconsistências contábeis e os prejuízos aos investidores minoritários. Para o sócio do Lara Martins Advogados, esse grupo acaba sendo o maior prejudicado, uma vez que dependendo das medidas que vão ser tomadas pela empresa, ele poderá reduzir ainda mais a participação desse acionista.
“Eles não têm voz ativa nos rumos da empresa. Aprovada a recuperação, as decisões passam pelo conselho de administração da companhia e pelos acionistas majoritários. Então, os minoritários ficar à mercê das decisões tomadas pelos principais controladores”, diz.
Capitalização
O ex-presidente da varejista, Sérgio Rial, chegou a fazer uma proposta para os credores de uma injeção de capital de R$ 6 bilhões, condicionada à conversão de parte das dívidas pelos bancos credores. No paralelo, houve uma discussão de uma capitalização na ordem de R$ 15 bilhões com garantia dos principais acionistas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.
“A alternativa à recuperação judicial só aconteceria se os acionistas controladores fizerem um aporte relevante de recursos da empresa. Estou falando de um valor na casa dos R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões para fechar o buraco. Portanto, eu acho que um aporte desse tamanho é muito difícil, ainda mais para se colocar em um negócio que não dá retorno”, conclui Max Mustrangi.
Passo a passo de uma recuperação judicial
Pedido
Feito pela própria empresa à Justiça, explicando motivos da crise
Suspensão de cobranças
Se o juiz aceita o pedido, os processos e protestos ficam suspensos por 180 dias
Administrador judicial
Nomeado pelo juiz, fiscaliza o processo e faz comunicação com os credores
Plano de recuperação
Em até 60 dias, a empresa apresenta proposta para negociar dívidas e manter-se ativa
Assembleia-geral
Credores se reúnem para votar a proposta
PLANO APROVADO
Fim do processo
Após 2 anos, o processo judicial é arquivado
Descumprimento do acordo
Se empresa não cumprir o plano aprovado, os credores podem pedir a falência
PLANO REJEIRADO
Falência
A empresa encerra as atividades e os bens são leiloados
Pagamento dos credores
Por ordem de preferência
Sobre a Americanas
O grupo Americanas é um dos maiores do país e conta com mais de 1.800 lojas físicas. A companhia é dona ainda de uma grande gama de marcas que vai de lojas de itens para casa à fintechs.
Dentre as principais lojas e marcas que fazem parte do portfólio da Americanas estão a Imaginarium, Puket, Chlli Beans, Submarino, Natural da Terra, Ame e o Shoptime.