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Como as mudanças climáticas afetam o setor de seguros?

Seguradoras enfrentam maior dificuldade de prever riscos e aumento de custos. Setor também busca protagonismo na prevenção aos efeitos das mudanças climáticas

Agronegócio. Foto: Pixabay.
Em 2022, o agronegócio correspondeu a 25% do PIB brasileiro Foto: Pixabay.

O ano de 2023 foi marcado por chuvas fortes, inundações e secas no País, que afetaram diretamente 5,8 milhões de brasileiros, de acordo com um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios. Os eventos climáticos extremos causaram a perda de vidas, o desalojamento de famílias e perdas econômicas significativas.

Frente a esse cenário, o setor de seguros tem desafios e oportunidades. Se por um lado, a maior frequência de catástrofes pode aumentar os gastos das empresas com os pagamentos de prêmios, o setor vive também um aumento da demanda por seus serviços.

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Impacto imediato: maior custo para as seguradoras

Segundo a Superintendência de Seguros Privados, o primeiro impacto para o setor é no aumento da sinistralidade. “Considerando que grande parte das apólices comercializadas possui cobertura para eventos climáticos, o aumento da frequência e da gravidade dos eventos climáticos no Brasil leva a um aumento da sinistralidade, que por sua vez afeta os resultados das empresas de seguros e pode gerar reajustes no prêmio cobrado para cima”, afirma a diretora Jéssica Bastos.

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As empresas seguradoras e resseguradoras já sentem no bolso os desafios. “A mudança climática tem um impacto imediato e direto pelo aumento da frequência e temeridade dos eventos climáticos, e vemos um aumento do pagamento de indenizações”, diz Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg). Um exemplo disso é que, em 2022, foram pagos R$ 10,5 bilhões em seguros rurais, 47,1% acima do ano anterior, segundo dados da própria CNseg. O principal motivo? As perdas de safras de grãos em decorrência de fenômenos climáticos extremos.

Por outro lado, o aumento da frequência e gravidade desse tipo de evento pode aumentar a demanda pelos seguros. “Isso dinamiza o setor e, numa primeira análise, poderia ajudar a pulverizar os riscos e equilibrar ou atenuar o aumento do prêmio”, diz Bastos.  

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A dificuldade de previsão de riscos

Em primeiro lugar, é preciso entender que tudo no setor de seguros é calculado em cima de probabilidades. Se um carro tem maior probabilidade de ser roubado, o valor do seguro é mais caro. Da mesma forma, se um local tem maior probabilidade de enchentes, o valor do seguro de uma casa lá é maior. O grande problema acontece quando as probabilidades mudam. Com as mudanças climáticas, as chances de eventos climáticos extremos ocorrerem é maior. E mais: locais que não viviam enchentes ou secas podem se tornar suscetíveis a esses eventos.

“O setor de seguros estava acostumado a calcular o risco olhando para o passado, mas agora precisa olhar para frente, porque a probabilidade dos eventos aumentou. Esse é um processo pelo qual o setor está passando”, explica Bruna Araújo, gerente de finanças sustentáveis da WayCarbon.

Isso afeta diretamente a precificação dos seguros, diz Gesner Oliveira, coordenador da pesquisa em políticas públicas aplicadas a seguro do Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros e professor da FGV. “Realmente, temos visto uma maior frequência de extremos climáticos, com intensidade bem mais forte do que no passado, e isso faz com que os modelos de previsão sejam desafiados”, concorda.

“Por um lado, as seguradoras têm dificuldade de mapear os riscos, e isso significa que elas não colocam esses riscos dentro da carteira”, explica Bruna Araújo, da WayCarbon. Assim, riscos que poderiam eventualmente ser cobertos pelo setor não são, porque faltam produtos com essas premissas. “O seguro rural, por exemplo, só cobre 10% da área plantada, e estamos falando do setor mais importante da economia brasileira. E boa parte da área não é coberta por seguros pela dificuldade de mapear os riscos e de o setor oferecer produtos adequados aos produtores”, explica. “Temos um grande gap de proteção”, conclui.

O papel dos seguros na resposta a tragédias

Para Dyogo Oliveira, da CNseg, a realidade da mudança climática enfatiza o papel do setor de seguros, como uma maneira de se preparar para os eventos adversos no futuro.

Mas apesar da maior demanda de empresas e pessoas físicas pelos serviços, os seguros ainda não chegam à população de mais baixa renda – exatamente a que mais é afetada pelas secas e chuvas intensas.

“Essa é uma causa importante de empobrecimento das famílias, de prejuízos para pequenas empresas, e uma maneira inteligente de a sociedade lidar com isso é ampliar o acesso ao seguro, em particular o seguro contra catástrofes”, diz Oliveira.

Não à toa, o setor busca junto ao governo aprovar medidas para implementar o chamado “seguro social”. “A ideia é dividir os custos entre todos os brasileiros, para que a população afetada seja atendida, dentro de uma perspectiva de distribuição de renda”, diz Dyogo Oliveira.

“Existe um papel forte da política pública. O governo começa a entender que agir pós desastre é mais caro, e que é possível criar modelos e programas para que a gente possa fechar essa gap de proteção”, diz Bruna, da WayCarbon. “Inicialmente, penso que teria de ter um apoio inicial do governo para a indução e fomento, e para que o produto seja viável”, afirma.

Inovação para criar produtos viáveis e sustentáveis

A adequação dos produtos oferecidos para que o setor consiga de fato esse protagonismo, no entanto, ainda depende de soluções inovadoras.

Segundo a Susep, as empresas já têm trabalhado a tecnologia para melhorar os processos internos de avaliação de riscos. “Essas melhorias nos processos de subscrição de riscos e depois regulação de sinistro costumam ser muito produtivas porque envolvem investimento em inovação tecnológica para aumentar a previsibilidade e a gestão do risco climático, o que se reverte em benefícios para toda a sociedade”, diz Bastos.

Há também outras iniciativas que buscam soluções diferentes. O Instituto de Inovação em Seguros e Resseguros vem trabalhando em um projeto piloto que envolve projetos sustentáveis e de prevenção aos danos climáticos, financiamento e seguro.

“Estamos nos concentrando em dois tipos de eventos: as secas severas e as inundações”, diz Gesner Oliveira. No trabalho multidisciplinar, uma das frentes é o desenvolvimento de projetos que diminuam os danos esperados dos extremos climáticos, criando sistemas de reciclagem de água em regiões de risco de seca, e infraestrutura sustentável em regiões sujeitas a inundações.

Junto a esses projetos, seriam criados seguros para os respectivos municípios – o que gera uma apólice de seguro e um fluxo de pagamentos, explica Gesner Oliveira. Esse fluxo de pagamentos poderia ser transformado em um título de crédito pela securitização. Esses títulos poderiam ser vendidos a investidores diversos, desde pessoas físicas até fundos de investimento. “Isso atrairia capital para esses projetos. E aí você tem um esquema no qual diminui o risco de dano elevado, financiando projetos preventivos”, resume o professor.

Os estudos foram iniciados em outubro, e o grupo espera ter um projeto piloto em meados de 2024.

“Por enquanto, é um projeto acadêmico, totalmente independente, mas que certamente é bastante promissor e poderia eventualmente dar margem a muitas iniciativas de municípios e de empresas”, diz.

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