COP30

Brasil busca destravar capital verde e atrair investidores globais para a transição climática

Especialistas apontam avanços em regulação e desenvolvimento de instrumentos financeiros inovadores, mas alertam que o país ainda precisa ampliar a escala e reduzir barreiras para o fluxo internacional de recursos

O Brasil se torna o centro das atenções na COP30, que acontece entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém (PA). À medida que governos e investidores concentram os olhares no país, cresce a expectativa de que o Brasil consolide sua posição como destino de capital voltado à transição climática e à conservação ambiental. Mas, para que isso aconteça, será preciso mais do que boas intenções.

De um lado, o país avançou na criação de regras que dão credibilidade e estrutura ao mercado de finanças sustentáveis. De outro, ainda enfrenta gargalos para atrair os grandes volumes de recursos necessários para transformar seu potencial ambiental em oportunidades concretas de investimento.

“Antes das regras de autorregulação da Anbima, o que existia era uma autoidentificação dos fundos sustentáveis. Com as novas diretrizes, criamos um processo que dá segurança para o investidor e credibilidade para a indústria”, explica Marcelo Billi, superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Anbima. Ele lembra que, desde 2022, os fundos podem receber o selo IS (Investimento Sustentável), o que trouxe mais transparência para o mercado.

+ “Criamos as regras. Agora o desafio é fazer o capital chegar até os projetos sustentáveis”, diz Marcelo Billi, da Anbima

Hoje, no entanto, menos de 1% do patrimônio líquido da indústria está em fundos classificados como sustentáveis. Mas Billi vê o copo meio cheio: “Agora temos o arcabouço. Ainda que o portfólio seja pequeno, ele é composto por fundos que estão olhando para o ESG de forma séria.”

Essa estrutura regulatória é apenas uma das peças de um quebra-cabeça maior. Para que os fundos sustentáveis cresçam, é preciso ampliar também a oferta de ativos elegíveis – o que envolve o desenvolvimento de títulos verdes que possam entrar nas carteiras dos fundos. Outra peça é conseguir direcionar o capital para financiar os projetos de regeneração e transição, além da consolidação da taxonomia brasileira para padronizar os termos usados na indústria.

“A taxonomia será a nossa língua franca”, diz Billi. “Ela permitirá entender o que é sustentável, em qual grau, comparar setores e olhar o portfólio de forma padronizada. Isso vai facilitar a canalização de recursos e atrair investidores estrangeiros.”

A taxonomia ESG é uma classificação padronizada que define quais atividades econômicas podem ser consideradas sustentáveis do ponto de vista ambiental, social e de governança. Ela funciona como uma “língua comum” entre empresas, investidores e reguladores, ajudando a identificar, comparar e direcionar investimentos para projetos que realmente contribuem para a transição climática e o desenvolvimento sustentável.

O desafio da escala e da distribuição do capital

Enquanto o Brasil aprimora seu ecossistema regulatório, o fluxo global de recursos para soluções climáticas cresce rapidamente – mas ainda de forma desigual. Segundo Marina Cançado, fundadora da Converge Capital, o investimento mundial em soluções de clima e natureza triplicou entre 2020 e 2023, alcançando cerca de US$ 2 trilhões por ano. Desse total, porém, apenas US$ 100 bilhões chegam à América Latina.

“A transição climática exige inovação em produtos financeiros”, diz Marina Cançado

“Para atingir as metas do Acordo de Paris, o mundo precisa quadruplicar esse valor, chegando a algo entre US$ 8 e 10 trilhões anuais”, explica Marina. Mas além de aumentar o volume investido, é preciso corrigir distorções: hoje, cerca de 60% do capital que vai para a Amárica Latina está concentrado em transporte e energia, deixando de fora setores estratégicos, como agricultura regenerativa e soluções baseadas na natureza.

Essas últimas, embora tenham alto potencial de mitigação, ainda enfrentam dificuldade de acesso a capital. “Cerca de 65% das soluções necessárias estão subfinanciadas. Elas existem, mas ainda não atingiram escala ou maturidade suficiente para atrair investidores tradicionais”, diz Marina.

Por isso, defende, é hora de criar instrumentos inovadores que redistribuam o risco e conectem fontes diferentes de capital. Ela cita como exemplo o Eco Invest, um programa do Tesouro Nacional criado para impulsionar investimentos privados sustentáveis e atrair capital externo para projetos de longo prazo. O programa oferece recursos subsidiados a bancos comerciais, permitindo que eles criem linhas de crédito mais competitivas para setores sustentáveis. “O Brasil foi pioneiro. O Eco Invest é um caso de sucesso que já é estudado globalmente.”

O papel do investidor estrangeiro – e do brasileiro

Para acelerar essa transformação, o país precisa também se tornar um destino atrativo para o capital internacional. “Os europeus têm a maior indústria de fundos rotulados, mas as oportunidades estão aqui”, afirma Billi. “Mais fácil do que um fundo europeu comprar ativos brasileiros é o investidor estrangeiro usar veículos locais que conhecem a regulação e o mercado.”

Marina concorda, e diz que hoje, o mercado brasileiro está mais preparado para receber esses aportes. “Nos últimos anos, o pipeline de soluções brasileiras amadureceu muito. Já temos capacidade de absorver grandes volumes de investimento – uma pesquisa da Deloitte mostrou que o mercado poderia receber até US$ 6 bilhões em soluções baseadas na natureza.”

Ainda assim, ela reforça que é necessário reduzir a assimetria de informação. “O mundo sabe pouco sobre o Brasil e superestima nosso risco. Precisamos nos vender melhor e mostrar que temos histórico e expertise – o Proálcool tem 50 anos, a Embrapa trabalha há décadas pela sustentabilidade na agricultura.”

Além do investidor internacional, Marina destaca o papel crucial do investidor local. “A transição não vai acontecer só com esforço externo. O estrangeiro quer ver o brasileiro com skin in the game. E isso exige educação financeira e técnica. ESG e clima são temas muito novos no Brasil. A conversa começou de fato em 2019. Em cinco anos, evoluímos muito, mas ainda há um caminho de aprendizado e tradução prática para as empresas e os analistas.”

Da regulação à implementação

Às vésperas da COP30, tanto Billi quanto Marina convergem em um ponto: o Brasil tem a chance de liderar a agenda de finanças sustentáveis, desde que consiga transformar discurso em execução.

Billi ressalta que a construção do arcabouço – fundos IS, autorregulação de títulos verdes, taxonomia – é o alicerce para esse salto. “Criamos regras mais claras e vemos o ecossistema de ativos sustentáveis evoluindo.”

Marina, por sua vez, acredita que o momento é de ação: “Esta COP quer inaugurar a era da implementação. Já sabemos o que fazer, agora é hora de fazer mais rápido, com impacto e escala. É a década da execução.”

Ela cita exemplos concretos, como o trabalho do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), que coordenou coalizões setoriais e identificou medidas capazes de reduzir em até 80% as emissões do setor de transportes. O movimento culminará no Climate Implementation Summit, em São Paulo, em 8 de novembro, que reúne CEOs e instituições globais para dar visibilidade a soluções transformadoras em torno da agenda climática.

Enquanto o mundo se volta para Belém, o desafio brasileiro é mostrar que o país pode ser mais do que palco – pode ser protagonista na construção de um novo modelo de desenvolvimento, em que finanças e sustentabilidade caminhem juntas.

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