“O investimento sustentável é mais sofisticado do que o tradicional”, diz Fábio Alperowitch
Para o sócio-fundador da Fama re.capital, o avanço da agenda ESG abre espaço para produtos mais completos, capazes de unir retorno financeiro, impacto positivo e menor risco
Enquanto parte do mercado ainda associa investimento sustentável à filantropia, Fábio Alperowitch, sócio-fundador da Fama re.capital, vê justamente o contrário: um campo fértil de oportunidades para quem enxerga o longo prazo. “O investimento sustentável é mais sofisticado porque avalia tudo o que o gestor tradicional analisa — e ainda adiciona novas camadas, como clima, sociedade e governança”, afirma. Para ele, a integração desses fatores amplia a capacidade de entender riscos e gerar valor, tornando os fundos ESG mais resilientes.
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Bora Investir: Os fundos sustentáveis ainda são pouco representativos na indústria de fundos no Brasil. Por que isso acontece? Falta interesse dos investidores, falta atenção dos gestores ou faltam projetos para investir?
Fábio Alperowitch: Um pouco de tudo. Se a gente tivesse uma organização setorial, eu acredito muito que poderíamos incentivar essa indústria. Por exemplo, o investidor tem isenção fiscal quando investe em infraestrutura e não tem isenção quando investe em sustentabilidade? Acho que esse é um pleito que deveria ser feito. Esse deveria ser um pleito do setor. Por outro lado, com as regras atuais, se houvesse esse benefício, muitos fundos não sustentáveis correriam para se rotular como tais. Antes de qualquer incentivo, precisamos definir com clareza o que é, de fato, sustentável.
Além disso, o tema ainda é mal compreendido. Muitos investidores acham que investir de forma sustentável é deixar dinheiro na mesa — quase uma ação filantrópica —, o que é um absurdo. Falta letramento financeiro e ambiental. Tudo isso ajuda a explicar o cenário atual.
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Bora Investir: Quando você fala dessa visão de que investimento sustentável é filantropia, está se referindo ao investidor brasileiro ou a um público mais amplo?
Fábio Alperowitch: A todos. Esse problema de compreensão é geral. Os estrangeiros, em geral, não investem diretamente em fundos brasileiros — eles têm seus próprios veículos —, mas o fato é que, somando tudo, o volume IS ainda é pequeno. Outro dia fiz uma conta: se somássemos toda a indústria de fundos IS e dividíssemos pelo total da indústria, daria cerca de 0,2%.
Esse número é muito baixo porque ainda existe uma visão errada de que esses fundos não buscam retorno, apenas buscam “fazer o bem”. Isso está completamente equivocado.
Bora Investir: E o que você vê que mudou nos últimos anos quando falamos em investimentos sustentáveis no Brasil?
Fábio Alperowitch: O tema foi desinterditado. Antes, era praticamente proibido falar sobre isso. Hoje há uma aceitação de que o tema existe, mas ele ainda não está incorporado ao debate. Não é suficiente para gerar demanda entre private bankers, wealth managers, family offices ou fundos de pensão.
O assunto ainda não foi compreendido nem como oportunidade de retorno, nem como mitigação de risco. Muitos acham que sustentabilidade é uma classe de ativo, quando, na verdade, é uma camada de análise adicional. O investimento sustentável é muito mais sofisticado do que o tradicional, porque, além de todos os indicadores financeiros, você precisa avaliar também clima, sociedade, comunidades. É olhar tudo que o convencional olha — e mais.
Só que o mercado acha o contrário: que olhamos apenas a “última camada”, a ambiental, e ignoramos o resto. Por isso a demanda é pequena. Falta compreensão e comunicação. Esse é o grande desafio.
Bora Investir: Mesmo para quem não tem um fundo ESG, os gestores não deveriam olhar para o clima e a sustentabilidade como fatores de risco e oportunidade?
Fábio Alperowitch: Deveriam — e não olhar é negligência. Na minha opinião, é quebra do dever fiduciário. Quando você vê a quebra da safra agrícola no ano passado, o impacto sobre o setor de seguros e o setor imobiliário, percebe que as mudanças climáticas já afetam diretamente o resultado das empresas.
A regulação também está mudando — especialmente na Europa. Ignorar isso é displicência. Quando um banco financia uma petroleira ou uma empresa de carvão, precisa considerar o risco regulatório e o risco de mercado. Essas companhias podem perder valor ou até ter seus negócios inviabilizados. Quem não olha para isso está assumindo um risco enorme.
As mudanças climáticas já estão no balanço das empresas — e só vão pesar mais. O Rio Grande do Sul é um exemplo, a quebra de safra outro. Mas ainda falta educação para as pessoas fazerem essa associação de causa e efeito.
Bora Investir: Você fala com frequência da importância do stewardship, o engajamento dos investidores junto às empresas. Qual é o papel dos gestores e dos investidores na transição climática?
Fábio Alperowitch: O investidor que tem visão de longo prazo precisa se preocupar com o valor das empresas no longo prazo. Se esse valor está sendo corroído ou destruído, cabe a ele interagir com a companhia para evidenciar os problemas e incentivar mudanças.
Alguns investidores são totalmente passivos. Outros se envolvem apenas com temas financeiros — alocação de capital, fusões e aquisições — e deixam a pauta climática de lado. Nós, na Fama, preferimos focar justamente onde os outros não estão olhando.
Nosso engajamento tem dado muito resultado. É impressionante a capacidade de as empresas mudarem a partir de evidências que a gente traz, e estou falando de empresas gigantescas. Isso não só protege nossos investidores, mas também os demais investidores, além de gerar valor para as companhias. Esse é o fundamento do nosso mandato.
Bora Investir: No ano passado, a Fama se uniu à Gaia para criar fundos voltados ao financiamento da sociobioeconomia. Como têm sido essas operações e qual a importância de criar instrumentos inovadores para levar capital a quem não tem acesso a crédito?
Fábio Alperowitch: A gente vive em um país onde o juro estruturalmente alto é um entrave. Grandes empresas captam a 15% ou 16% ao ano; as médias, a 20% ou 22%. E as pequenas, quando conseguem crédito, pagam 35% ou 40%. Nenhuma atividade econômica sobrevive a um custo de capital desses.
Quando você oferece crédito a valores justos, dentro do possível, você gera prosperidade. Muitas empresas e cooperativas pequenas operam sem capital de giro. Quando conseguem crédito, crescem, geram renda e distribuem riqueza.
E há um aspecto curioso: como esse tipo de financiamento é a única fonte acessível a essas empresas, a inadimplência é praticamente zero. Elas não podem deixar de pagar, porque não teriam outra opção.
Nosso fundo consegue gerar retorno com risco menor e ainda gera impacto. Sou apaixonado por esse produto, mas ele ainda enfrenta o estigma de que financiar cooperativas ou agricultores familiares é arriscado. Esses preconceitos afastam investidores. Eu aprendi que não adianta tentar convencer só com discurso. É preciso mostrar resultados — e eles estão vindo.
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Bora Investir: Além da dificuldade de captação pelos projetos de bioeconomia, esse cenário macroeconômico, com juros elevados, atrapalha o fluxo de capital para investimentos sustentáveis?
Fábio Alperowitch: Totalmente. O juro alto deixa o investidor preguiçoso. Se você ganha 15% ao ano sem fazer nada, para que se aventurar? Isso mata a inovação, inclusive a financeira. Vale o mesmo para as empresas: com juros a 15%, projetos de investimento que dariam retorno de 10% não saem do papel. O juro alto afasta o investimento produtivo. E quando você ainda tem liquidez diária e baixo risco, o investidor não vê motivo para assumir qualquer risco adicional.
Bora Investir: Quais são hoje as principais dificuldades na gestão de fundos sustentáveis?
Fábio Alperowitch: A principal é a incompreensão. Somos empurrados para o nicho do nicho, quando, na verdade, estamos jogando a primeira divisão. Nosso comparativo não deveria ser com outros fundos de impacto, mas com o mercado em geral.
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Tudo o que um gestor convencional analisa, eu também analiso — e ainda acrescento novas camadas de avaliação. Mas o mercado ainda não entende isso. Falta reconhecimento de que investimento sustentável é, na verdade, investimento de qualidade.
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