Copom mantém Selic em 10,50% ao ano
Analistas e CEOs do mercado financeiro comentam decisão
Por Rogério Piovezan
O Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa básica de juros, a Selic, no patamar de 10,50% ao ano em decisão unânime nesta quarta-feira (31). O comunicado destaca o cenário global incerto e o ambiente doméstico marcado pela resiliência na atividade econômica, o que demanda maior cautela e moderação na condução da política monetária.
O ciclo do corte de juros foi interrompido, em junho, quando os diretores votaram de forma unânime para manter a Selic em dois dígitos. Na reunião anterior a essa, o colegiado ficou rachado entre quem votou pelo corte de 0,25 ponto percentual (integrantes indicados pelo governo anterior) e quem votou em 0,50 p. p. (do atual governo), o que causou um baque no mercado financeiro na ocasião.
“O Comitê, unanimemente, optou por manter a taxa de juros inalterada, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno da meta. O Comitê se manterá vigilante e relembra que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”, diz trecho da decisão.
O Copom ainda ressalta que “monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.”
Crédito
A manutenção da Selic em 10,50% traz diferentes impactos à população, como, por exemplo, a dificuldade de acessar o crédito. É o que afirma o analista CNPI da Ouro Preto Investimentos, Sidney Lima.
“Vale lembrar que os números recentes demonstrados no IPCA-15 acendem um alerta de uma resiliência maior da inflação por aqui, exigindo um posicionamento mais conservador por parte do BC brasileiro. O alto nível da Selic pode acabar contribuindo para uma desaceleração na atividade econômica e dificultar o crédito, embora seja necessário para ancorar as expectativas inflacionárias. No geral, isso pode resultar em um crescimento mais lento do PIB, contudo, mantém a inflação sob controle. O impacto na bolsa é geralmente negativo, com menos estímulos para investimentos e crédito caro.”
Fábio Murad, sócio da Ipê Avaliações, segue no mesmo sentido. “Além disso, a manutenção da Selic em níveis altos pode encarecer o custo do crédito, dificultando a expansão das empresas e o consumo das famílias, o que pode retardar a recuperação econômica do Brasil. Nos Estados Unidos, a manutenção da taxa de juros pelo Federal Reserve também pode gerar um ambiente de incerteza no mercado global. Com a economia americana operando em um nível de juros elevado, o custo do capital se mantém alto, o que pode impactar negativamente os investimentos empresariais e o consumo”, afirma.
Inflação e crescimento
O mercado financeiro, contudo, já esperava essa decisão porque essa é uma medida da política monetária do Banco Central (BC) para controlar a inflação, mas traz reflexos no crescimento econômico.
“A manutenção da Selic não deve causar grandes movimentações na bolsa, já que o mercado financeiro valoriza previsibilidade e já antecipava essa decisão. Portanto, não esperamos grandes impactos. No entanto, no que diz respeito ao crescimento econômico, o cenário é mais complicado. O PIB mundial cresce em torno de 3%, e o Brasil, por ser um país em desenvolvimento com uma população jovem, tem potencial para crescer na média mundial ou até acima dela. No início do ano, havia a expectativa de que o PIB brasileiro pudesse superar 2,5%, quem sabe até chegar a 3%. Contudo, a alta taxa Selic, que foi necessária para controlar a inflação, e a situação fiscal do Brasil, acabaram reduzindo essas previsões”, diz Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike.
A estagnação no crescimento da economia pode gerar incertezas, segundo Alex Andrade, CEO da Swiss Capital Invest. “Essa situação pode gerar uma reação do governo, que possivelmente reclamará, pois a intenção é reduzir as taxas de juros para facilitar a tomada de crédito. Do nosso ponto de vista, especialmente para as incorporadoras, muitas delas ainda não estão aceitando as propostas recebidas devido ao elevado custo da taxa de juros, que continua alto. Isso, por sua vez, ajuda a controlar a inflação, o que também é benéfico, e por isso entendo o lado do Banco Central nesse sentido. Entretanto, essa estagnação pode deixar o mercado em uma situação morna, sem avanços significativos e quando a economia está morna, ela não deslancha, o que é preocupante.”
Já Felipe Queiroz, economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (APAS), acredita que havia espaço para novos cortes na Selic. “Apesar da decisão do Copom já ser aguardada pelos agentes econômicos, a APAS entende ainda que havia espaço para novos cortes da Taxa Selic sem o comprometimento dos fundamentos econômicos e da meta de inflação determinada para o ano corrente, que deverá encerrar dentro da banda de flutuação determinada pelo Comitê Monetário Nacional”, observa. Ele ainda acrescenta que “o crescimento da economia brasileira no período recente tem sido sustentado, principalmente, pelo consumo das famílias, e a manutenção da taxa de juros no atual patamar – uma das maiores taxas reais de juros do mundo – poderá prejudicar tanto o consumo das famílias quanto os investimentos, colocando em xeque o crescimento da economia brasileira.”
Dólar e câmbio
Para Jayme Carvalho, economista-chefe e sócio da Super Rico, o dólar alto também teve influência na decisão da manutenção da Selic. “A recente alta do dólar frente ao real, somado a economia aquecida e os gastos fiscais elevados têm contribuído para a alta da expectativas de inflação para o ano de 2024 e 2025, no entanto, o horizonte que o BC tem apontado é para o primeiro trimestre de 2026 e vê a inflação mais próxima da meta neste horizonte”, afirma.
Já Lucas Constantino, diretor da GCB Capital, vê um sinal de alerta em relação à depreciação cambial e às dificuldades na convergência da inflação dentro da meta de 3% ao ano. “O que abriu discussões sobre uma eventual necessidade de alta de juros entre este e o próximo ano. Enquanto isso, apenas uma melhora significativa no cenário (mais improvável) seria capaz de resgatar a confiança necessária para uma retomada dos cortes da Selic. Ademais, vale ressaltar que qualquer decisão precipitada do BC poderia acarretar a necessidade de correções em um horizonte mais curto, o que significaria potencial perda de credibilidade.”
“Ao mesmo tempo, estamos vendo uma depreciação da nossa moeda que tem sido resultado de políticas econômicas que estão sendo conduzidas”, afirma Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, que acrescenta que o Copom tem olhado para o “cenário externo e interno que pressiona a taxa de câmbio, mas os domésticos chamam mais atenção. A percepção de risco em relação ao Brasil é precificada em nossos ativos, que incluem nossa moeda que, por sua vez, impacta a inflação.”
Percepção do mercado
Os agentes do mercado financeiro esperavam um tom mais duro do Copom. É o que afirma Leonardo Costa, economista do ASA. “Era esperado um discurso mais duro — haviam agentes de mercado acreditando que o Banco Central poderia sinalizar aumento da taxa básica para as próximas reuniões; leia-se neutro. Não alteramos nossa projeção de manutenção da taxa em 10,50% até o final de 2024, viés de alta na projeção de 9,5% para o final de 2025, haja vista o aumento da resistência dos núcleos de inflação em nível elevado e da piora do cenário para emergentes, especialmente para o Brasil.”
Por outro lado, Raphael Vieira, co-head de Investimentos da Arton Advisors, viu um tom mais assertivo em relação à inflação e sobre a importância de se seguir uma política fiscal responsável. “O tom do comunicado veio novamente mais duro ditando a piora nas expectativas de inflação e sobre a importância de uma política fiscal crível para ancorar essas expectativas. O tom do banco central segue sendo agressivo, ressaltando um parágrafo inteiro sobre a política fiscal, que é algo que vem tomando conta do noticiário econômico e discussões há algumas semanas.”
Alexandre Espirito Santo, chefe de Economia e Finanças da ESPM e economista da Way Investimentos, concorda. “O comunicado pós-encontro veio em linha com nossa expectativa, num tom duro, prescrevendo cautela, porém não em grau exagerado, pois o Comitê já vem, nos últimos encontros, sinalizando que a política monetária precisa permanecer contracionista, face à desancoragem das expectativas (como mostra o Focus). Aliás, como de costume, deixaram claro que não hesitarão em atuar, caso necessário.”
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