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Cautela é a palavra da vez no crédito privado. Entenda por que

A compressão de spreads e o aumento da Selic são pontos de atenção no mercado de crédito privado

Com a aproximação do final do ano, pode-se dizer com alguma segurança que a renda fixa reinou no Brasil em 2024. Os fundos dessa classe foram praticamente os únicos a captar recursos nos três trimestres que já se passaram. Segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), foram R$ 309,4 bilhões em captações líquidas em fundos de renda fixa – categoria que engloba tanto os fundos focados em títulos soberanos quanto os de crédito privado. Em contrapartida, os fundos de ações registraram entrada de apenas R$ 800 milhões, e os multimercados tiveram uma saída de R$ 198,2 bilhões.

O pano de fundo macroeconômico traz uma boa explicação para o movimento: o desempenho dessa categoria de ativos é altamente relacionado à taxa básica de juros da economia brasileira. O ano começou com a expectativa de que as taxas de juros iriam cair abaixo dos dois dígitos, mas a atividade econômica resiliente e o cenário externo mais desafiador fizeram o Banco Central voltar a elevar as taxas de juros no segundo semestre. Com a Selic a 10,75% e a estimativa de terminar 2024 com a taxa em 11,75% ao ano, os ativos de risco sofrem e fica ainda mais difícil bater o CDI com outras classes de ativos que não a renda fixa.

Mas nem tudo são flores. Com muito dinheiro fluindo para o crédito privado, esse mercado começa a ficar cheio demais. A alta demanda por novos títulos aumentou o poder de barganha dos emissores – que passaram a oferecer prêmios menores na comparação com os títulos públicos, num movimento que o mercado costuma chamar de redução ou compressão do spread.

Spread, para os leigos, é a diferença entre duas taxas. Nesse caso, entre a taxa oferecida pelos títulos emitidos pelas empresas e as taxas dos títulos públicos. Essa comparação é importante, vale lembrar, porque os títulos públicos são considerados os mais seguros da economia. Então, quando uma empresa, por melhor que seja, quer pegar dinheiro emprestado, espera-se que ela pague uma taxa maior do que o Tesouro, afinal, seu risco é maior, e um risco maior tem de ser compensado por um retorno proporcional.

“No decorrer de 2024, testemunhamos um ambiente extremamente favorável para a renda fixa (…), que resultou em uma demanda robusta para a classe e uma compressão de spreads de crédito”, resume a gestora de crédito Sparta em sua carta mensal. E segue: “Temos observado um fenômeno interessante: os spreads de crédito estão se aproximando de um limite prático”.

Esse “limite prático”, explica a comunicação da Sparta, acontece porque as taxas oferecidas pelas empresas de melhor qualidade de crédito estão perto de serem insuficientes para cobrir os custos operacionais dos próprios fundos, como as taxas de administração.

Outra gestora com fundos de crédito privado, a Ibiuna, também fez esse alerta na última carta mensal. “Continuamos a ver a exposição a crédito offshore como uma boa oportunidade para gerar retornos nos fundos (…), considerando ainda um cenário que o mercado local apresenta tão poucas oportunidades”, diz o comunicado. Traduzindo: o fundo tem visto mais oportunidades em alocar os recursos em títulos de crédito estrangeiros do que os emitidos por aqui. A casa ainda faz o alerta que, no Brasil, há uma preocupação com as emissões de empresas ligadas ao agronegócio.

E continua: “o pipeline de operações primárias está forte, mas alguns nomes, principalmente no setor de infraestrutura, parecem caros”, diz a Ibiuna. Ou seja: mesmo que a expectativa seja de novas emissões, a gestora não acredita que as taxas atuais são atrativas.

A Legacy cita outros setores como pontos de atenção: “temos uma preocupação especial com alguns segmentos do mercado de crédito. Vemos fragilidade nos balanços de algumas empresas dos setores do agronegócio, de varejo e de empresas do segmento PME (pequenas e médias empresas) que acessaram o mercado de capitais nos últimos anos”, diz sua carta de crédito.

Não é à toa que diversos fundos de crédito fecharam para novos investimentos. Sem grandes oportunidades no mercado, eles preferem não receber capital novo, porque não veem bons títulos para comprar.  

E como isso afeta os investidores? Para quem investe em títulos de renda fixa diretamente, fica o alerta: os fundos estão mais cautelosos e criteriosos na avaliação dos títulos. Por isso, é um momento de pesar a relação entre risco e retorno dos papéis de crédito privado, como as debêntures, antes de entrar em uma oferta.

Selic mais alta não deve pressionar demais as empresas

Se é difícil encontrar novas emissões a bons preços, por outro lado, os gestores ressaltam que a maioria das empresas não deve ser pressionada pelo aumento dos juros no País, como em outros momentos. Isso porque, com muitos investidores e fundos querendo comprar títulos de crédito, as empresas que tinham dívidas “caras demais” conseguiram acessar empréstimos mais baratos.

“Portanto, o aumento da taxa base não necessariamente vai pressionar o balanço dessas empresas, diferente de quando a taxa base saiu de 2,0% para 13,75%”, diz a Ibiuna. Aqui, entretanto, também vai o alerta: algumas empresas mais alavancadas e com margens menores podem sofrer.

E apesar do risco pequeno, a Sparta lembra: “Por fundamento, o início de mais um ciclo de alta da taxa Selic eleva o custo de capital das empresas e com isso, ainda que marginalmente para o mundo high grade, temos um aumento no risco de crédito”.

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