Chatbot do Tesouro Direto e Claude IA ajudam a avaliar investimentos — mas com cuidado
Ferramentas tecnológicas são cada vez mais incorporadas ao cotidiano e otimizam tempo de pesquisa, mas especialistas destacam que as informações devem ser verificadas antes de qualquer decisão
Por Rogério Piovezan
A Inteligência Artificial (IA) generativa veio para ficar. Seu uso entre investidores pessoa física e gestores, contudo, desperta cautela ao mesmo tempo em que desmistifica um assunto tão difícil para a população: entender como começar a investir sem cair em ciladas. Uma opção de IA generativa e outra por meio de um chatbot pelo WhatsApp facilitam o acesso a informações sobre investimentos, mas ainda é preciso ter cuidado.
Ainda não há nenhuma obrigação sobre os limites do uso de ferramentas de IA generativa na avaliação de investimentos feita por gestores e investidores pessoa física, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O que existe, contudo, são orientações baseadas em boas práticas e comportamentos éticos para guiar e complementar as regras vigentes no mercado financeiro.
Antes de tomar a decisão de aportar recursos, o investidor deve verificar a procedência das informações recebidas, seja por IA ou outra fonte de informações. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) informa que o investidor pode procurar pelo Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) para tirar dúvidas e ter mais orientações, e destaca, em nota, que está “permanentemente modernizando a regulamentação e supervisão, em função de fatores diversos, tais como estruturas inovadoras, experiência da supervisão, demandas de agentes de mercado, entre outros.”
Por isso, o Bora Investir testou três ferramentas automatizadas mais recentes que estão disponíveis de forma gratuita. Confira.
Diana
A iniciativa Direto ao Tesouro criou o chatbot Diana, que conversa pelo WhatsApp com o investidor para entender qual o tipo de perfil e objetivos financeiros do investidor. A partir dessas informações fornecidas durante a troca de mensagens, o chatbot traz opções de títulos públicos que mais combinam com o seu perfil. Essa modalidade é voltada para o investidor pessoa física com pouco ou nenhum conhecimento sobre o mercado de capitais.
O projeto é uma parceria entre a Barkus, Terra Investimentos, Tesouro Direto e conta com apoio da Bolsa de Valores do Brasil, a B3.
O Bora Investir conversou com a Diana e simulou um investimento com um aporte inicial de menos de R$ 100 para juntar para uma aposentadoria no futuro. Veja a resposta do chatbot:
Eu sei que você me falou que pretendia investir menos de R$100 mas, conforme eu fui conhecendo melhor os seus objetivos, vi que o investimento ideal para você é o Tesouro Selic. Dá para começar a investir nele com valores em torno de R$150. 💯
Considerando seu objetivo, vale a pena desembolsar um pouquinho mais do que você tinha planejado, porque o Tesouro Selic: 👌🏿
✔️ Permite que você pegue o dinheiro que investiu a qualquer momento
✔️ Faz o seu dinheiro render mais do que tradicional Poupança
✔️ É considerado um dos mais seguros do mercado
A iniciativa ainda traz cursos sobre investimentos e objetivos financeiros para estimular a educação financeira, conforme a descrição do site.
Chat IA da B3
No lado inferior direito do nosso site, você encontra o Chat IA da B3 para tirar dúvidas sobre educação financeira. Há três perguntas automatizadas: O que são ações? Como diversificar em fundos imobiliários? Como economizar para investir?
Ao clicar nessa última opção, o chat traz uma resposta com base no material do site. Confira a seguir:
Para economizar e começar a investir, é importante seguir algumas etapas. Primeiro, defina seus objetivos financeiros, como aposentadoria, compra de uma casa, educação dos filhos, entre outros. Em seguida, faça um orçamento para entender sua renda, despesas e quanto você pode reservar para investimentos. Dedique algum tempo para estudar e aprender sobre os diferentes tipos de investimentos disponíveis, como ações, títulos, fundos mútuos, imóveis, entre outros. Você pode consultar um profissional financeiro para obter orientação especializada. Além disso, é importante ter uma reserva de emergência e pensar em investimentos para a aposentadoria. Estudar por conta própria também é uma opção, utilizando ferramentas digitais para entender como as aplicações se comportam ao longo do tempo. Lembre-se de que é possível começar a investir com pouco dinheiro, pois o mercado brasileiro oferece diversos ativos financeiros acessíveis.
A partir dessa resposta, o investidor pode continuar conversando com o chat e pode fazer novas perguntas. Também é possível iniciar a conversa com uma pergunta sua, além das pré-definidas.
Claude IA
Há um mês no Brasil, o Claude IA se tornou o rival número 1 do ChatGPT por ter funções semelhantes, mas com respostas mais naturais e voltadas para o setor corporativo. Os dois dependem de comandos específicos para gerar respostas completas sob demanda. Para usá-los, no entanto, é importante saber que as bases de dados não são atualizadas em tempo real. Ou seja: a informação dada pode não estar atualizada. A última atualização na base de dados do Claude foi em agosto de 2023.
A startup Anthropic, criadora do Claude IA, afirma que a ferramenta também pode transcrever textos com precisão de imagens imperfeitas e ressalta que essa função pode ser mais usada principalmente por empresas de varejo, logística e serviços financeiros. Com isso, a IA pode obter diferentes ideias de uma imagem, gráfico ou ilustração.
Outras funcionalidades dentro da ferramenta são destacadas pela empresa. “Também estamos apresentando Artifacts no Claude.ai, um novo recurso que expande a forma como os usuários podem interagir com Claude. Quando um usuário pede para o Claude gerar conteúdo, como trechos de código, documentos de texto ou designs de site, o Artifacts aparece em uma janela dedicada ao lado de sua conversa. Isso cria um espaço de trabalho dinâmico onde eles podem ver, editar e desenvolver as criações de Claude em tempo real, integrando perfeitamente o conteúdo gerado por IA em seus projetos e fluxos de trabalho”, diz, em nota.
O objetivo da companhia é expandir seu alcance para dar suporte a organizações inteiras. Assim, a empresa espera “centralizar com segurança seus conhecimentos, documentos e trabalhos em andamento em um espaço compartilhado, com Claude servindo como um companheiro de equipe sob demanda.”
O Bora Investir fez uma simulação com o Claude IA e pediu as 10 ações com maior desempenho nos últimos 12 meses no mercado financeiro e recomendações de investimento para cada uma delas no prazo de vencimento de cinco anos, com uma taxa de retorno de 12,51%, semelhante ao oferecido pelo Tesouro Prefixado 2029.
Confira a simulação gerada por IA:
Petrobras (PETR4):
Desempenho nos últimos 12 meses: +45,2%
Contribuição de investimento recomendada: 17% do portfólio
Justificativa: A Petrobras, empresa estatal de petróleo do Brasil, se beneficiou do aumento global nos preços do petróleo. Suas operações diversificadas e posição dominante no mercado fazem dela um investimento sólido de longo prazo com potencial para atingir a meta de retorno de 12,51%.
Vale (VALE3):
Desempenho nos últimos 12 meses: +38,7%
Contribuição de investimento recomendada: 14% do portfólio
Justificativa: A Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, capitalizou a forte demanda por minério de ferro. Suas operações de baixo custo e potencial de crescimento a tornam um investimento viável para atingir a meta de retorno de 12,51%.
Banco Itaú (ITUB4):
Desempenho nos últimos 12 meses: +33,5%
Contribuição de investimento recomendada: 12% do portfólio
Justificativa: O Itaú, o maior banco privado do Brasil, demonstrou resiliência e desempenho financeiro consistente. Ele se beneficia da crescente classe média do país e da crescente inclusão financeira, o que pode dar suporte ao retorno alvo de 12,51%.
Ambev (ABEV3):
Desempenho nos últimos 12 meses: +31,2%
Contribuição de investimento recomendada: 10% do portfólio
Justificativa: A Ambev, empresa líder em cervejas e bebidas no Brasil, tem forte presença de marca e domínio de mercado. Seu portfólio diversificado de produtos e expansão internacional fazem dela um investimento estável de longo prazo com potencial para atingir a meta de retorno de 12,51%.
Cielo (CIEL3):
Desempenho nos últimos 12 meses: +28,9%
Contribuição de investimento recomendada: 9% do portfólio
Justificativa: A Cielo, maior empresa de processamento de pagamentos do Brasil, se beneficiou do crescimento dos pagamentos digitais e da crescente atividade de comércio eletrônico no país, o que pode sustentar a meta de retorno de 12,51%.
Banco Bradesco (BBDC4):
Desempenho nos últimos 12 meses: +27,4%
Contribuição de investimento recomendada: 8% do portfólio
Justificativa: O Bradesco, um dos maiores bancos privados do Brasil, tem um modelo de negócios bem diversificado e uma forte presença em bancos de varejo e corporativos, o que o torna um investimento adequado para atingir a meta de retorno de 12,51%.
JBS (JBSS3):
Desempenho nos últimos 12 meses: +26,8%
Contribuição de investimento recomendada: 8% do portfólio
Justificativa: A JBS, a maior empresa de processamento de carnes do mundo, se beneficiou da crescente demanda global por proteína. Sua eficiência operacional e alcance internacional fazem dela um investimento promissor de longo prazo com potencial para atingir a meta de retorno de 12,51%.
Gerdau (GGBR4):
Desempenho nos últimos 12 meses: +25,6%
Contribuição de investimento recomendada: 7% do portfólio
Justificativa: A Gerdau, uma produtora líder de aço no Brasil, capitalizou o crescimento do setor de infraestrutura e construção do país. Suas operações de baixo custo e posição de mercado apoiam seu potencial de investimento para atingir o retorno alvo de 12,51%.
Telefônica Brasil (VIVT4):
Desempenho nos últimos 12 meses: +24,3%
Contribuição de investimento recomendada: 6% do portfólio
Justificativa: A Telefônica Brasil, maior operadora de telecomunicações do país, se beneficiou da crescente demanda por serviços de internet e telefonia móvel no Brasil, o que pode contribuir para o retorno-alvo de 12,51%.
B3 (B3SA3):
Desempenho nos últimos 12 meses: +22,1%
Contribuição de investimento recomendada: 5% do portfólio
Justificativa: A B3, operadora da bolsa de valores brasileira, prosperou com o crescente interesse no mercado de capitais local e a crescente adoção de serviços financeiros digitais, tornando-se um investimento adequado para atingir a meta de retorno de 12,51%.
Especialistas reforçam cautela
O educador financeiro da Ágora Investimentos, Eduardo Reis Filho, destaca um ponto de atenção: o desempenho das ações das empresas apresentado pela IA não corresponde à realidade. “Não tem precisão nesses dados e não se pode usar como base para investimentos. O uso da IA para esse tipo de serviço depende da exatidão dos dados usados. Logo de cara o desempenho não bate, se você for analisar as ações, então, tem que tomar cuidado com essas análises simples. Então, busque análise profissional antes de investir.”
Para o professor da FIA Business School, Marcos Piellusch, o uso da IA nos investimentos pode ser interessante para levantar ideias, mas ressalta cuidado e reforça que cabe ao investidor fazer sua própria pesquisa levando em consideração seu perfil e apetite a risco. Além disso, a base de dados da IA pode não acompanhar as últimas atualizações do mercado financeiro, que muda constantemente.
“A inteligência artificial deve ser usada como um suporte na tomada de decisão, e não como um substituto para o julgamento humano e a análise crítica. Ela pode ajudar a identificar oportunidades, mas complemente com análise fundamentalista e técnica tradicional. Diversifique em setores menos correlacionados, como tecnologia, saúde e consumo, para reduzir riscos específicos. Entenda que o ambiente econômico pode mudar rapidamente, afetando de forma significativa os setores recomendados. Reavalie a carteira periodicamente”, destaca Piellusch.
Para a professora Myrian Lund, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a IA usa informações disponíveis na internet e, portanto, o investidor pode usar isso como um pontapé inicial, mas não como um fim em si. “Quando a gente compra ação, temos que comprar olhando para o futuro e o valuation da empresa. A IA usa informações que estão disponíveis na internet e não necessariamente é o que se espera. Isso pode servir de auxílio, sim. É interessante o investidor usar como base, uma indicação inicial. Todas as corretoras têm um relatório de análise, dê uma olhada. É importante conhecer mais esses detalhes”, afirma.
A pedido do Bora Investir, o professor Piellusch analisou a simulação da IA. Confira a seguir.
Avaliação
1. Petrobras (PETR4), Vale (VALE3) e Banco Itaú (ITUB4):
“Essas empresas têm fundamentos sólidos e lideram em seus respectivos setores. No entanto, é importante notar que setores como petróleo e mineração são altamente cíclicos e suscetíveis a variáveis externas, como a flutuação de preços internacionais. O investidor deve estar ciente de que uma mudança negativa no cenário macroeconômico global pode impactar significativamente esses ativos. Investir 43% do portfólio em três ativos pode aumentar o risco específico”, afirma Piellusch. Vale lembrar que os aplicativos de IA nem sempre estão atualizados com os ciclos econômicos e análises mais recentes.
2. Concentração Setorial – Bancos (Itaú e Bradesco):
“A recomendação aloca 20% do portfólio nos dois maiores bancos privados do Brasil: Itaú e Bradesco. Apesar de ambos serem instituições financeiras robustas, seus desempenhos tendem a estar fortemente correlacionados, já que operam no mesmo setor e são afetados por fatores comuns, como política monetária, condições econômicas internas e regulação. Em momentos de crise econômica ou problemas específicos do setor financeiro, a queda nos preços das ações de ambos pode ser acentuada, resultando em perdas significativas para o investidor.”
O professor chama atenção para a relação setorial das instituições. “Quando o setor financeiro está sob pressão, como em períodos de aumento de inadimplência ou restrições de crédito, tanto Itaú quanto Bradesco podem sofrer reduções em suas margens de lucro. Mesmo que um banco tenha uma gestão mais eficiente, o impacto geral tende a ser negativo para ambos, reduzindo o efeito da diversificação.”
3. Ambev (ABEV3) e JBS (JBSS3):
“Esses dois ativos estão no setor de consumo, mas apresentam dinâmicas distintas. A Ambev é mais resiliente a crises econômicas, já que vende produtos de consumo diário, enquanto a JBS, embora também se beneficie da demanda global, é mais sensível a fatores como variação cambial e barreiras comerciais. A complementaridade dessas empresas pode ajudar na diversificação, mas ainda é necessário avaliar os riscos de concentração em consumo.”
4. Diversificação e Risco Concentrado:
Piellusch afirma que o setor financeiro concentrado pode agravar alguns riscos ao montar um portfólio de investimentos. Esses são riscos que a IA ainda não é capaz de avaliar. “A concentração de 20% [da carteira] em bancos privados aumenta o risco específico desse setor. Se houver uma deterioração no cenário econômico brasileiro ou um aumento da inadimplência, o impacto negativo sobre essas ações pode ser significativo”, observa.
Já a exposição de 31% do portfólio em commodities de petróleo e mineração também apresenta riscos, segundo ele. “A performance desses setores está altamente correlacionada com fatores globais, como a demanda chinesa por minério de ferro e a volatilidade dos preços do petróleo. Em períodos de desaceleração econômica global, esses ativos podem sofrer perdas simultâneas.”
Para o professor, a diversificação vai além de trazer apenas diferentes ativos e ele pede que o investidor tenha cuidado ao colocá-los na cesta de investimentos, sobretudo aqueles produtos que, apesar de diversos, podem seguir a mesma direção. “Se o portfólio é composto por ativos que se movem na mesma direção sob certas condições, a proteção contra quedas de mercado é reduzida. A diversificação efetiva requer alocação em setores que respondem de maneira diferente a eventos econômicos.”
5. Expectativas de Retorno
Outro ponto de atenção ao investidor pessoa física se refere ao momento de escolher uma taxa de retorno. “A meta de retorno de 12,51% ao ano é agressiva e pode ser difícil de alcançar, especialmente em um ambiente de incerteza econômica. Investidores devem entender que, embora o histórico recente de algumas dessas ações seja positivo, isso não garante que o desempenho futuro será semelhante. Ajustes na meta de retorno, conforme o risco do portfólio, são recomendáveis”, explica.
As ferramentas de IA estão na mesa e podem ser facilmente acessadas, o que demanda cautela ao investidor pessoa física para não se deixar encantar com recursos que podem levá-lo a uma enrascada nas finanças, visto que a IA ainda não acompanha a volatilidade e as movimentações do mercado financeiro.
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