Por que os estrangeiros voltaram a investir em bolsa no Brasil e o que isso significa para seus investimentos
Entrada de capital estrangeiro no Brasil ajuda a impulsionar o desempenho das ações
Após seis meses de saídas de capital estrangeiro da bolsa, a B3 voltou a registrar a entrada de recursos dos gringos. Em julho, os gringos aportaram R$ 7,35 bilhões e em agosto, as entradas já somam R$ 4,06 bilhões até o dia 15. Esse fluxo contribuiu para o desempenho positivo da bolsa e do real em relação ao dólar. Em agosto, o Ibovespa acumula alta de 6%, e o dólar teve desvalorização de 4,2%.
Assim, o terceiro trimestre se encaminha para ser o primeiro de 2024 de entradas líquidas. De acordo com levantamento feito por Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria, a pedido do Bora Investir, as entradas superaram as saídas de capital em R$ 11,40 bilhões, em contraste com saídas líquidas de R$ 21,9 bi no primeiro trimestre e de R$ 16,96 bi no segundo.
“A gente teve, no primeiro semestre, um cenário bastante negativo para os fluxos de capital estrangeiro, e, por consequência, a gente viu um resultado muito negativo da bolsa. O fluxo começou a mudar na metade de junho”, lembra Eduardo Grübler, gestor de multimercados da Asset Management da Warren. Segundo ele, isso explica a alta da bolsa e a apreciação do real frente ao dólar. “O mercado brasileiro é muito pequeno, comparado com o global, então qualquer pequeno movimento que acontece lá fora, vem muito dinheiro para cá. A gente precisa de fluxo positivo para os preços aumentarem”, diz. Mas o que explica essa entrada de capital no Brasil agora?
Perspectiva de corte de juros nos EUA
Os investidores estrangeiros já consideram como certo um corte de juros nos Estados Unidos na próxima reunião do Federal Reserve (o banco central americano). Isso muda os incentivos para tomada de risco em todo o mundo.
“A justificativa para esse fluxo tem nome e sobrenome: queda de juros nos EUA”, diz Filipe Villegas, estrategista de ações da Genial. “Recentemente, com a sinalização dos membros do Fed e os dados macroeconômicos cada vez, que cada vez mais convergem para a possibilidade de corte, o investidor começa a se mexer nesse sentido e olha com mais carinho para as bolsas de países emergentes”.
“Quando começa a ficar menos interessante manter o capital na renda fixa lá fora, começa a aumentar o apetite a risco dos investidores”, explica Grübler. Esse movimento é visto em todos os mercados. Foi o que aconteceu quando a Selic no Brasil chegou ao patamar de 2% ao ano, e os investidores brasileiros passaram a alocar uma parte maior de seu capital na bolsa e em outros produtos mais arriscados, por exemplo. Mas quando essa redução acontece na maior economia do globo, os efeitos são sentidos em diferentes países.
“Quando alocar em treasuries [títulos do tesouro dos EUA] fica menos interessante, os investidores vão buscar retorno em outras classes de ativos. E quando a gente tem corte e juros em mercados desenvolvidos, os mercados emergentes tendem a ter resultados interessantes, normalmente em prazos mais curtos ou médios”.
Real desvalorizado e bolsa descontada
Mesmo com a desvalorização do dólar nas últimas sessões, o real ainda está desvalorizado. “O real perdeu muito poder de compra comparado com o dólar, se considerarmos desde a covid”, diz Grübler. Por outro lado, “as ações aqui no mercado brasileiro estão particularmente descontadas se comparadas com os mercados emergentes e até com a nossa própria média histórica”, afirma.
Essa combinação, lembra Villegas, faz com que o Ibovespa, em dólares, esteja longe de sua máxima histórica. “Calculo que o índice em dólar estaria em torno de 25 mil pontos. Em 2009, estava perto de 45 mil. Você tem uma bolsa barata e reconhecida em termos de liquidez”, diz. “Além disso, o mercado passou por uma revisão para cima das expectativas de crescimento da economia brasileira, e tivemos uma temporada de balanços que mostraram as empresas bem preparadas, é uma combinação perfeita para o investidor estrangeiro olhar para a bolsa brasileira”.
Grübler explica que o fato de a bolsa estar descontada não é suficiente para impulsionar uma valorização, mas indica “qual espaço existe para a valorização, quando esse movimento começar”, diz.
“Então, visto que os investidores estrangeiros estão procurando outros ativos pra alocarem o risco, quando olham para os mercados emergentes em geral, veem que aqui tem mais espaço para ganhar”, diz.
Menos incertezas no cenário geopolítico
Grübler também aponta para uma “certa estabilização do ambiente global”. O gestor pondera que a o cenário geopolítico “não está bom”, com conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, mas “comparado ao que vimos meses atrás, parece estar relativamente estabilizado”.
Qual perspectiva a entrada de capital estrangeiro traz para a bolsa?
Se o fluxo de dinheiro para a bolsa brasileira se mantiver, as perspectivas são positivas para o investimento em renda variável por aqui. O fundo multimercado da Warren, conta Grübler, começou a se posicionar em ações em junho, pelo setor financeiro. . “Os bancos brasileiros são de fato muito bons, são empresas robustas e que são exemplos clássicos do que se procura em empresas de qualidade: são relativamente pouco alavancadas e muito geradoras de caixa”, explica. Assim, são papéis historicamente menos voláteis.
Em seguida, o fundo começou a buscar posições em empresas relacionadas às commodities. “O investimento em bolsa no Brasil segue uma ordem bastante robusta ao longo do tempo. Começa com um fluxo para empresas pouco alavancadas e geradoras de caixa, depois vai para commodities, mas aí já são empresas mais arriscadas”, diz o gestor. Um próximo passo seria buscar ações de empresas dos setores mais arrojados, como varejo e imobiliário. O gatilho para isso? “O tempo. A manutenção dessas tendências para a renda variável”, diz Grübler.
Para o curtíssimo prazo, no entanto, Villegas sugere cautela. “O Ibovespa subiu em praticamente nove dos dez últimos pregões”, lembra. Isso, segundo ele, pode gerar um movimento de realização de lucros, em que os investidores vendem parte de seus papéis para embolsar os ganhos que obtiveram até aqui.
Vale lembrar que, apesar do fluxo positivo de capital estrangeiro ser um sinal de confiança no mercado brasileiro, ainda há riscos. Mudanças repentinas na política monetária dos Estados Unidos, como uma reviravolta na expectativa de corte de juros, podem rapidamente inverter esse movimento e levar a uma saída abrupta de capital. Além disso, o cenário geopolítico global, ainda instável, pode gerar volatilidade e impactar negativamente os ativos emergentes.
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