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“Bolhas sempre vão acontecer, e acho que é uma coisa boa”, diz Damodaran sobre inteligência artificial

Segundo o professor, que é referência global em avaliação de empresas, ainda que a bolha de empresas de inteligência artificial estoure, vai mudar a forma como vivemos

A inteligência artificial é uma bolha – e vai estourar. Aswath Damodaran, referência mundial em valuation de empresas, fala isso com naturalidade. “Bolhas sempre vão acontecer”, afirmou durante palestra realizada no Insper, em São Paulo, em parceria com a B3 e a CFA Society Brazil.

“O desenvolvimento humano sempre veio de pessoas otimistas demais e confiantes demais tentando fazer coisas. E mesmo depois que a bolha estourar, ainda muda a forma como vivemos. A bolha da internet estourou, mas mudou a forma como vivemos”, afirmou.

“Foi o que aconteceu com os computadores pessoais, com a internet, smartphones, redes sociais e vai acontecer de novo com a inteligência artificial”, afirmou. Segundo ele, quando esses grandes desenvolvimentos acontecem em mercados potencialmente grandes, há um enorme fluxo de capital para essas empresas. “Basicamente, significa que o valor coletivo de todas as empresas de IA será alto demais. E o que vai acontecer eventualmente? Uma correção”, diz.

As bolhas são uma característica de mercados grandes, não um bug. Elas sempre vão acontecer, é a natureza humana de quando se tem um grande mercado. E acho que é uma coisa boa, senão ninguém estaria tentando. Se as pessoas fossem de fato realistas, não haveria negócios suficientes sendo abertos”.

Entre críticas e alfinetadas aos investidores que montam seus portfólios apenas com ações de empresas estabelecidas, Damodaran disparou: “se você não quer investir em empresas de IA, não invista. Mas não aponte o dedo para as pessoas que investem porque são elas que vão criar a mudança de que você vai se beneficiar daqui a dez anos”.

No entanto, o especialista em valuation alerta que é preciso escolher bem as ações em que se irá investir. Apesar de atualmente grande parte das companhias envolvidas com a inteligência artificial estarem se valorizando, nem todas sairão vencedoras. Segundo ele, se olharmos para o coletivo das empresas ligadas à IA, provavelmente há uma sobrevalorização. Quem vai lucrar nesse mercado é quem souber escolher as melhores empresas.

Inteligência artificial: quais as vencedoras?

Damodaran explica que a inteligência artificial é a soma de duas tendências que vinham ganhando força nos últimos anos: a coleta de dados e o aumento da capacidade de processamento dos computadores.

No Insper, ao público formado por professores e alunos, Damodaran perguntou: quais serão as vencedoras na corrida da inteligência artificial? Entre as respostas, se destacaram Nvidia e Microsoft.

Na lista, a Nvidia aparece por ser uma importante provedora de infraestrutura para a inteligência artificial. A Microsoft, analisa Damodaran, “ainda não ganhou dinheiro de forma tangível com a inteligência artificial, mas está entre as apostas para as vencedoras porque fez uma importante parceria com a Open AI [criadora do ChatGPT], que a colocou na vanguarda, pelo menos na percepção do público”.  Uma oportunidade para a Microsoft seria criar uma assinatura com IA, um modelo no qual a empresa criada por Bill Gates tem experiência.

Damodaran resumiu o que pensa com uma previsão: “daqui a 10 anos, terão empresas na lista das maiores empresas de IA de que nunca ouvimos falar e outras que achávamos que estariam e não estarão”.

Outra conclusão do professor da NYU é a de que para a maioria das companhias, a inteligência artificial não vai representar um ganho. “Sim, a IA reduz os custos, mas para você e todas as empresas do setor. E quando toda a redução de custo for concluída? O que resta de inovação?”, questiona.

Não deixe a incerteza te impedir de fazer estimativas

Analisar uma empresa que ainda não ganha dinheiro e não distribui dividendos representa uma grande dificuldade, lembra o professor. No entanto, ele alerta: “não deixa incerteza te impedir de fazer um valuation. Faça suas melhores estimativas. É claro que você vai errar”.

No entanto, se o investidor deixa de analisar essas companhias de crescimento por causa da dificuldade, “vai só avaliar empresas maduras e nunca vai comprar Nvidia. A não ser que esteja disposto a encarar incertezas, vai sempre comprar ações da Kraft Heinz e da Coca-Cola” – em mais uma alfinetada aos value investors como Warren Buffett.

Segundo Damodaran, há formas de contornar grandes erros nas avaliações e evitar comprar ações de empresas que não se manterão de pé no futuro. Entre elas, analisar e o modelo de negócio da empresa faz sentido e se parece ser capaz de gerar receita no futuro. Além disso, ele diz buscar companhias que consigam se aproveitar do ganho de escala, aumentando o faturamento sem que o custo aumente na mesma proporção.

“O Uber não conseguiu fazer isso. Ano após ano vemos a receita aumentando, mas os custos sobem ainda mais”, comenta. “Já no caso da Microsoft, quando eles vendem uma assinatura do Office para alguém, não há custo adicional algum”. Nesse sentido, ele destaca que a Nvidia também pode se aproveitar da escala, já que trabalha principalmente com o design dos chips, e não na produção.

Quem sai na frente: as novatas ou as companhias já estabelecidas?

Damodaran argumenta que, diferente de outras revoluções tecnológicas como a internet, os smartphones e as redes sociais, quando empresas novas dominaram rapidamente o mercado, a inteligência artificial tem duas características que podem beneficiar as incumbentes, ou seja, as companhias maiores e mais estabelecidas.

Isso porque para lucrar com a IA, é preciso um enorme poder computacional e um grande volume de dados exclusivos – duas coisas a que as novatas não têm acesso. Ele ainda lembra que para que os dados tenham valor, precisam ser exclusivos. “Se todo mundo tem uma coisa, ninguém a tem”, resume.

O problema de mercados grandes

Para Damodaran, o mercado ainda deverá ver diversas empresas fazendo IPO justificando o preço de suas ações com o fato de o mercado de inteligência artificial ser potencialmente grande. “Em segundo lugar, veremos uma cegueira para a concorrência, todas as empresas irão agir como se fossem a única do mundo fazendo o que faz”, diz.

Ele usou como exemplo outros casos em que empresas justificavam o seu valor de mercado pelo fato de operarem em um grande mercado. Um deles foi o SnapChat, rede social que abriu seu capital em 2017, avaliada em US$ 31,4 bilhões. A empresa justificava que poderia se aproveitar do grande mercado de anúncios online nas redes sociais para ampliar seu faturamento. “Esse é o problema dos grandes mercados. O mercado pode ser grande, mas o mercado de anúncios online não é grande o suficiente para dois Facebooks”, diz ele.

Dois anos atrás, Damodaran conta ter feito um estudo sobre carros elétricos. “Peguei todas as empresas de carros elétricos, fiz as projeções e disse ‘as pessoas não estão comprando carros suficientes no mundo para justificar esse preço [das ações]’”.

Ele ainda citou o boom das empresas ligadas ao setor de cannabis, que teve um grande crescimento por volta de 2018, quando alguns países e alguns estados dos EUA reavaliaram suas políticas contra a droga. “Em 2018, analisei as receitas das empresas de cannabis, e disse: todo mundo precisa fumar maconha todo o tempo para justificar o valuation”, disse.

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