Organizar as contas
O índice de inflação oficial parece sempre menor que sua inflação real? Como proteger seu patrimônio?

Estela Borgheri
Planejadora Financeira e co-fundadora da empresa Vínea Gestão de Capital, Estela é formada em Administração de Empresas e pós-graduada em Business Administration pelo Insper. Possui a certificação CFP® e é Consultora CVM
Você tem a percepção de que o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial da inflação, não reflete a realidade do aumento de preço que você sente no dia a dia, na hora de fazer as compras no mercado, de abastecer o carro, de comprar bens de consumo, entre outros? Pois é, esse é um sentimento comum entre muitos dos brasileiros. Mas vamos entender melhor se isso faz sentido e como, então, proteger o patrimônio dessa inflação que, em tese, é maior que a do indicador oficial da economia.
A inflação é o aumento generalizado dos preços de bens e serviços em uma economia ao longo do tempo. Isso significa que, com o passar dos meses ou anos, o dinheiro passa a valer menos, ou seja, você consegue comprar menos coisas com o mesmo valor. É como se seu dinheiro perdesse um pouquinho de força, de capacidade a cada dia.
O IPCA é calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e aponta a variação do custo de vida médio de famílias com renda mensal entre 1 a 40 salários-mínimos. Ele revela o impacto no custo de itens do dia a dia, como os alimentos da cesta básica.
Por essa definição do IPCA você já pode imaginar porque a inflação oficial muitas vezes parece menor do que a sua inflação pessoal, aquela que você sente “na pele”: 80% da população brasileira pertence às classes C, D e E, ou seja, com menor poder aquisitivo. São famílias que normalmente não consomem bens importados que sofrem impacto da variação cambial – apesar de não estarem “ilesas”, pois muitos dos alimentos sofrem com a alta do dólar por serem bens comercializáveis a preços definidos pelo mercado global, como o pão francês e o macarrão – não tem plano de saúde, utilizam o transporte público e costumam viajar menos.
Para ter uma ideia do tamanho do impacto, em 2024 o dólar variou 27,18% e a inflação médica ficou em aproximadamente 14%. Muito acima dos 4,83% do IPCA, certo?
Por esse motivo, o grande “pulo do gato” está em você entender e calcular qual é a sua inflação pessoal. Qual o impacto de cada uma das variações das grandes categorias de despesa no seu orçamento pessoal.
Mas qual é então a sua inflação pessoal? Qual o tamanho do seu poder de compra?
Faça um exercício e compare quanto gastou no ano passado com cada categoria de despesas como alimentação, transporte, lazer, entre outras, com o que está gastando agora nas mesmas categorias. Esse cálculo pode ficar muito diferente do cálculo oficial do IPCA porque o seu hábito de consumo é diferente.
Imagine que grande parte do seu orçamento pessoal é gasto com Educação e Vestuário. Veja na tabela abaixo, do cálculo oficial do IPCA, que essas categorias tem, consecutivamente, um peso de variação de 5,9% e 4,6% e o aumento de preços para elas foi bem maior do que o de Transportes, por exemplo, que foi de 3,3% mas tem um peso considerável no cálculo, de 20,5%.

Fonte: IBGE
Ou seja, você precisa ter no mínimo a consciência de quanto você perde de poder de compra de acordo com os seus hábitos de consumo. Só assim você pode se proteger da inflação ou minimamente amenizar os efeitos dela no seu dia a dia.
E aqui está o outro “pulo do gato”: existe uma diferença entre você se proteger da inflação e proteger seu patrimônio da inflação. Se proteger = curto prazo, tendo mais consciência dos seus hábitos de consumo e como gerenciá-los da melhor forma. Proteger seu patrimônio = médio/longo prazo.
Você já deve ter ouvido falar nos investimentos mais “comuns” para proteção de seu patrimônio contra a perda de valor. Existem alguns:
- Investimentos em títulos públicos, o Tesouro IPCA+ ou títulos de crédito privado, como CDBs IPCA+: rendem mais que a inflação, ou seja, você tem um ganho real, um ganho acima da inflação. E sendo no Tesouro, com um risco praticamente inexistente.
Para exemplificar, veja no gráfico abaixo a evolução do indicador IMA-B, que nada mais é do que um grande “pacotão” formado pelos títulos públicos indexados ao IPCA, que comentei acima. O gráfico mostra que eles apresentam uma variação positiva não só maior do que o IPCA, mas também que a do CDI:

Fonte: Mais Retorno
- Investimentos isentos de Imposto de Renda, ou seja, protegem mais ainda seu patrimônio contra a inflação, como LCI´s e LCA´s. Explico: quando você tem uma rentabilidade de IPCA+ um prêmio, ao final do período você vai pagar imposto de renda sobre o ganho total, que considera também a variação do IPCA e não somente o prêmio. Por exemplo, se você tem um Tesouro IPCA+ 7%, supondo que a variação média do IPCA foi de 5% a.a., no período você teve aproximadamente 12% de rentabilidade a.a. O IR incidirá sobre os 12% e não somente sobre os 7% que foi o prêmio. Então, isso “come” um pouco da rentabilidade. E quanto maior a inflação no período, maior é o impacto do imposto sobre o resultado.
- Aluguéis de imóveis, que são reajustados pela inflação – mas aqui existe um grande cuidado, porque além de você talvez não conseguir reajustar o aluguel acima da inflação, como é mais comum de acontecer, alguns aluguéis não conseguem ser reajustados nem pela inflação. Veja esse estudo do índice Fipezap, que mostra a média dos reajustes no Brasil:

Fonte: Fipezap
Veja na primeira linha, “Índice de locação residencial”, apesar de nos últimos anos estar muito positivo (em 2024 por exemplo 13,57% vs 4,87% da inflação), em 2015, 2016 e 2017 os índices ficaram negativos, ou seja, o preço dos aluguéis ficou menor do que no ano anterior. Pode acontecer.
- Fundos Imobiliários, que também investem em imóveis ou títulos de crédito que acompanham a inflação.
- Ações de empresas que estão ligadas ao que chamamos de economia real, ou seja, energia, saúde, infraestrutura e tecnologia, que conseguem repassar a inflação mais facilmente para seus clientes.
- Dólar: não só pelo motivo que comentei mais acima, que muitos dos produtos que consumimos no dia a dia são precificados em dólar e sofrem com sua variação, mas também porque o dólar, assim com o ouro, são considerados ativos anti-frágeis em uma carteira de investimentos (conhece o autor Nassim Taleb, que escreveu o livro Anti-Frágil? Recomendo!). O que quer dizer isso? Em momentos de crise, esses ativos tendem a se valorizar, trazendo um equilíbrio para sua carteira de investimentos e amortizando o impacto negativo que os outros ativos podem estar sofrendo. Veja na tabela abaixo como os dois índices, Ibovespa B3 e Dólar, se comportam de formas opostas em vários momentos:

Fonte: Mais Retorno
E aí? Se animou para parar de perder dinheiro e passar a ganhar dinheiro com a inflação? O investidor tem uma grande oportunidade para fazer isso de forma muito simples e até com baixíssimo risco. Deixar seu dinheiro “parado” não resulta somente em perda de valor, mas também deixar de ganhar (famoso “custo de oportunidade”).
Aproveite!
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