Entrevistas

Gestora quer fomentar o mercado de carbono no Brasil – e busca mais participantes para esse mercado

Iwá, criada em 2024 por Heloisa Baldin, lançou um fundo de CBios e busca dar mais liquidez e previsibilidade ao mercado de créditos de cabono

Não é novidade a discussão sobre a criação de um mercado de créditos de carbono. Na teoria, empresas capazes de ‘retirar’ gases estufa da atmosfera, através de seus processos produtivos, poderiam vender títulos às empresas que precisam compensar suas emissões. Na prática, esse mercado ainda está em seus primeiros passos no Brasil. Um marco aconteceu no ano passado, quando o CBio, o Crédito de Descarbonização do setor de biocombustíveis, se tornou um ativo financeiro.

O CBio faz parte da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), e se tornou um ativo financeiro em meados de 2023. Cada crédito representa uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida. Quem emite os CBios hoje são empresas produtoras de biocombustíveis, com base em sua produção de etanol ou biodiesel. Do outro lado, as distribuidoras de combustíveis são obrigadas a adquirir CBIOs de acordo com as metas estabelecidas pelo governo e o volume de gasolina e diesel vendido. Só entre essas companhias que são obrigadas a negociar CBios, esse mercado tem entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões.

“Questão ambiental é o principal tema da humanidade no século XXI”, afirma Eduardo Giannetti

Foi nesse cenário que Heloisa Baldin decidiu criar a Iwá, uma gestora de recursos. A casa foi responsável por lançar, neste ano, o primeiro fundo de investimentos em CBio do País. “A ideia de montar essa gestora era ter um player que pudesse ser uma plataforma de investimento em ativos ambientais”, afirma.

Apesar de o ativo financeiro ser novidade, Heloisa não é novata no setor. Economista por formação, ela iniciou sua carreira no setor de óleo de gás. Depois disso, passou a cobrir os setores de infraestrutura e energia. Mas os últimos cinco anos de sua carreira antes de criar a Iwá foram focados no trabalho com derivativos.

“Na hora de montar uma gestora, eu vi um overlap muito grande entre biocombustíveis, óleo e gás, infraestrutura, ativos verdes, energia, saneamento e tudo mais. Eu tinha essa expertise grande em derivativos e aproveitei. Acabou que as coisas se juntaram nessa oportunidade que se abriu como fato de o CBIO virar ativo financeiro. Então foi dessa forma que eu caí nesse lugar de agora”, conta ela.

Bora Investir: De onde veio a ideia de criar uma gestora focada em ativos ambientais?

Heloisa Baldin: A Iwá é uma gestora nova, que criamos no começo do ano passado e que se tornou operacional em setembro. A ideia de montar essa gestora era ter um player que pudesse ser uma plataforma de investimento em ativos ambientais. A gente começou olhando o mercado de carbono pelo CBIO, que é um pouco mais óbvio, mas a gente tem olhado hoje em dia descarbonização de uma forma ampla.

Nosso primeiro fundo é de CBIO, um ativo que pouca gente conhece, mas é o primeiro mercado de carbono regulado do Brasil. E a gente acha que o CBIO, na verdade, tem uma característica muito comum aos ativos ambientais de maneira geral. Os ativos ambientais têm pouca penetração da lógica de mercado. Então, o que quisemos fazer no fundo CBIO foi trazer uma lógica de mercado, de um ativo líquido que vai ter um market maker para vai dar liquidez para esse mercado, que vai ter um agente que vai dar preço, prover preço futuro.

E agora a gente deve concluir nas próximas semanas o investimento em uma operação de reflorestamento em áreas de mananciais no estado de São Paulo.

Bora Investir: E como o fundo pode ajudar a tornar esse ativo mais líquido?

Heloisa Baldin: A ideia do fundo é vender opções para dar previsibilidades aos preços tanto para quem compra quanto para quem vende CBIO.

Bora Investir: Você comentou que o mercado de CBIO ainda não é muito conhecido no Brasil. Qual é o tamanho desse mercado hoje e quais são os desafios, as barreiras que têm um crescimento maior?

Heloisa Baldin: Na verdade, o mercado de CBIO é um mercado limitado porque ele depende da quantidade de biocombustível que é produzida. Quanto mais biocombustível for produzido, mais CBIOs. E por outro lado, hoje, quem compra CBIO principalmente são as distribuidoras de combustível, que são obrigadas a compensar as suas emissões. Se você considerar só a parte que é obrigada a comprar, é um mercado de R$ 5 bilhões ou R$ 6 bilhões. Só que hoje qualquer pessoa física, se quiser, pode comprar o CBIO.

E o CBIO é interessante pela maneira como é criado. Ele é criado a partir de uma nota fiscal, que tem um número, quando criado, ele entra no ambiente B3, só pode ser negociado no ambiente B3 e é aposentado no ambiente B3. Então, na média, é um crédito que vai ser um crédito um pouco mais caro do que um crédito florestal que você tem aí nessas plataformas de tokenização, mas é uma governança muito grande.

Bora Investir: E vocês têm planos para operar com outros tipos de crédito ambientais, outros ativos ambientais?

Heloisa Baldin: A gente tem plano, mas ainda não se sabe como vai ser regulamentado o mercado de carbono, o SBCE [Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões], pelo governo federal.

Mas, se de fato houver um ambiente regulatório similar ao do CBIO aplicado a esses outros tipos de crédito, a gente tem muita vontade e muito interesse em operar de maneira similar a que a gente vai operar no CBIO nos outros mercados de crédito de carbono. Achamos que há uma oportunidade muito grande. Resta saber agora como virá a regulação. O projeto ainda tem muitas lacunas. A regulamentação pode demorar bastante.

Bora Investir: Qual será o tamanho do fundo de CBIO e quem são os principais investidores?

Heloisa Baldin: O fundo vai ter até R$ 200 milhões. A gente ainda não pode divulgar os âncoras, porque a gente está em processo de formalização dos aportes. Mas todos eles são [investidores] investidores institucionais, até porque o CBIO virou ativo financeiro em outubro do ano passado, é uma coisa bem recente. E hoje, um investidor pessoa física pode comprar o CBIO na carteira pessoal dele, ou pode investir no fundo que tenha no máximo 10% do patrimônio investido em CBIO. Então hoje tem uma barreira regulatória para que o investidor pessoa física invista num fundo como o nosso fundo CBIO, por exemplo.

Bora Investir: Por que existe uma barreira desse tipo?

Heloisa Baldin: O que acontece é que normalmente os investimentos são disponibilizados para as pessoas físicas à medida é que são conhecidas as relações históricas de risco retorno desses ativos. O CBIO é um ativo muito novo. Foi criado em 2020 e até 2023, ou seja, ano passado, você teve uma série de ajustes regulatórios no mercado que trouxeram muita volatilidade.

Por isso que existe essa vedação na exposição máxima que fundos de investimento para o público em geral podem ter nesse ativo por conta dessa volatilidade passada. Mas a gente acredita que a ação do fundo CBIO, como provedor de liquidez e de previsibilidade para o mercado, vai fazer com que o mercado de CBIO se torne muito mais suave do ponto de vista dessas relações e muito mais palatável para o sistema por meio de fundos abertos para o público em geral.

Bora Investir: A ideia de vocês é começar a desbravar esse mercado, dando liquidez e dando mais previsibilidade, você falou, inclusive, que vocês pensam em fazer uma operação com opções em cima dos CBIO. O que mais que é preciso para que esse mercado cresça? E existem tem outros players que estão fazendo isso também, para dar uma robustez maior e liquidez maior pra esse mercado?

Heloisa Baldin: Em qualquer mercado, seja de ações, juros, commodities, e no CBIO não é diferente, quem dá liquidez são os agentes especuladores. Ter fundos de investimento é importante. A gente está fazendo esse primeiro movimento do CBIO. Hoje há alguns estudos para lançar um ETF de CBIO, para lançar alguns derivativos do CBIO, mas eles ainda não se concretizaram. Outros agentes também são bem vindos, porque quanto mais gente estiver operando esse mercado, melhor ele vai funcionar.

Bora Investir: Quais outros instrumentos que você acha que são necessários para esse mercado se desenvolver?

Heloisa Baldin: A gente optou por começar com as opções porque a opção é um tipo de derivativo que não tem risco de crédito para quem vende. Quando a gente fala de termo, ou de outros instrumentos futuros, você vai passar a ter um risco de crédito nas nossas operações.

Para que esse mercado se desenvolva, a gente precisa ter uma referência mínima para uma curva futura. Hoje, por exemplo, se os agentes de mercado imaginam que o preço do CBIO vai subir, não existe nenhuma sinalização de preço, nenhuma sinalização pública disso. Está na minha cabeça que o CBIO vai subir. Então a gente quer muito colaborar para que se forme uma curva futura.

Porque a curva futura vai permitir todos os outros derivativos. E a gente não pode esquecer hoje que o CBIO é um componente na formação de preço do etanol. Então, a discussão da curva futura do CBIO não está dissociada da discussão da curva futura de preço do etanol, que também não existe.

Bora Investir: Além do etanol, quais outros setores, quais outros segmentos podem se beneficiar de ter um mercado mais robusto de CBIO?

Heloisa Baldin: Todo o universo de biocombustíveis está dentro do mercado do CBIO. Além do etanol, biodiesel e biometano podem gerar CBIO. Trazer liquidez para esse mercado permite atribuir um prêmio que é devido aos combustíveis sustentáveis. Então a discussão do CBIO, por exemplo, não está dissociada da discussão do combustível do futuro.

Ter um mercado de CBIO funcional nos permite duas coisas. A primeira é incentivar a cadeia de biocombustíveis, o que é fundamental. E em segundo lugar, ele é uma espécie de balão de ensaio do que vai ser o mercadão de carbono do governo. Se a gente não conseguir lidar com partes obrigadas, que é uma coisa que a gente não está sabendo lidar hoje, que é o CBIO, o mercado de carbono oficial e grande do governo vai ter os mesmos problemas que o CBIO enfrenta hoje.

Bora Investir: Como que a gente pode comparar o mercado de CBIO e Crédito de Carbono no Brasil com o de outros países? Tem países que estão mais avançados que a gente?

Heloisa Baldin: O CBIO foi abertamente inspirado no CARB, que é um mercado de carbono da Califórnia e também é um mercado que tem esse arranjo de combustíveis. O CARB hoje está muito mais avançado na discussão. Por exemplo, hoje as oscilações de preço no CARB já são um tema passificado, o preço pode oscilar até no máximo no valor, existe a previsão de liquidação financeira se você não tiver ativos suficientes, que são todas melhorias que a gente tem que trazer para o mercado do CBIO. Inclusive a criação do fundo só é pertinente porque você tem muitas melhorias para fazer dentro desse mercado.

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