“Mercado de trabalho deve dar uma estacionada em 2024”, afirma Rodolpho Tobler
Em entrevista ao Bora, economista da FGV Ibre, falou das expectativas para o emprego e os setores que devem contratar mais com a redução dos juros e a retomada de programas do governo
O mercado de trabalho brasileiro deve perder ritmo em 2024, após o bom desempenho no ano passado, com a queda do desemprego ao menor patamar desde 2014 e o aumento da renda média dos brasileiros.
Esse cenário menos aquecido está associado à previsão de crescimento mais baixo para a economia do país e pode influenciar também o emprego formal. É o que apontou o economista da FGV Ibre, Rodolpho Tobler, em entrevista ao B3 Bora Investir.
“O emprego de carteira vem muito das decisões dos empresários, que dependem do grau de incertezas da economia. Se ela tiver muito elevada, ele não toma a decisão de contratar ou investir. (…) Os números positivos continuam vindo, só num ritmo mais fraco”.
Apesar da perspectiva de desaceleração do mercado de trabalho, setores como serviços, construção, comércio e indústria podem se destacar em contratações neste ano.
“Temos a volta do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e do Minha Casa, Minha Vida. Isso pode ter algum estímulo, principalmente quando o país faz a taxa de juros baixar”, afirma Tobler.
Vagas ligadas à tecnologia e às mudanças climáticas também estão em alta. “Em 2024, o ambiental terá uma perspectiva ainda mais favorável diante de mais investimentos por parte de empresas e governos”.
Confira abaixo a entrevista completa com o economista da FGV IBRE, Rodolpho Tobler
B3 Bora Investir: O Brasil terminou 2023 com o menor desemprego em quase uma década e a criação de quase dois milhões de vagas com carteira assinada. Qual é o seu balanço do mercado de trabalho?
Rodolpho Tobler: No ano passado, de fato, o mercado de trabalho foi melhor e teve uma recuperação mais forte. Passados os efeitos da pandemia, o emprego voltou aos seus padrões. Confirmado que a Covid não era mais um problema, começamos a observar que a economia passa a ditar o ritmo do mercado de trabalho.
No início de 2023, as perspectivas de PIB não eram tão favoráveis quanto acabaram sendo. Então tivemos um ano com a agropecuária mais forte, o que acaba se desdobrando para uma parte da economia. A indústria de alimentos, os serviços de transporte, todos fazem parte da cadeia de agro. O próprio setor de serviços também foi o grande destaque ao longo do ano e se mostrou mais resiliente, além de ser o grupo que mais emprega.
Então vimos um mercado de trabalho mais forte e em recuperação – puxado não só pela informalidade, mas pelo emprego com carteira assinada. Esse tipo de vaga é importante porque está associada à produtividade e rendimento mais alto – fator que o país vinha tendo dificuldade para retomar. Também houve um crescimento da renda média, muito importante porque se traduz em poder de compra das famílias.
B3 Bora Investir: Para 2024 se espera um crescimento menor da economia, mesmo com os juros em queda. Como traduzir essa equação para o mercado de trabalho?
Rodolpho Tobler: A tendência é que o emprego continue sendo um espelho da atividade econômica. Então, com a perspectiva um pouco mais fraca para a economia em 2024, a tendência é que o mercado de trabalho dê uma estacionada. Até porque a taxa de desemprego a 7,5% é um patamar historicamente baixo. O Brasil sempre teve uma taxa de certa maneira elevada e agora estamos numa tendência que ela fique um pouco mais estável, próximo de 8%. Pode até subir um pouco, por questões sazonais, mas essa é a tendência.
A Selic tende a continuar caindo, mas esses efeitos não são tão imediatos. Mas, de fato, temos um ano com menos incerteza, isso se reflete na economia e o mercado de trabalho pode reagir também.
B3 Bora Investir: O emprego formal deu uma forte contribuição para a queda do desemprego. Isso deve continuar?
Rodolpho Tobler: Sim, só que num ritmo mais lento e com ganhos menores do que vimos no ano passado. O emprego de carteira vem muito das decisões dos empresários, que dependem do grau de incertezas da economia. Se ela tiver muito elevada, ele não toma a decisão de contratar ou investir. Porque são decisões que envolvem custos.
O empresário não pode contratar num dia e, se por acaso as vendas não têm o sucesso esperado, ele demite no outro. Isso tem um custo. Como em 2024 ainda há uma incerteza sobre a questão fiscal e sobre o quanto a Selic vai cair, a tendência é que o empresário tenha mais cautela do que em 2023. Se a gente tiver uma economia mais forte, naturalmente os empresários também vão se sentir mais confiantes, vão ver uma demanda um pouco mais aquecida e vão conseguir fazer uma contratação maior.
Nesse momento, a tendência é de uma continuidade dessa melhoria do emprego com carteira assinada, mas num ritmo mais fraco. Essa tendência já aparece nos dados do Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados]. Os números positivos continuam vindo, mas num ritmo mais fraco do que se observava até o meio de 2023.
B3 Bora Investir: A informalidade deve seguir com movimentações mais discretas?
Rodolpho Tobler: A informalidade é uma questão mais estrutural e que precisa ser resolvida ao longo do tempo.
O país está com 40% de empregos informais há bastante tempo. A redução desse número só vai acontecer com uma economia num ritmo mais forte e com políticas públicas que incentivem as pessoas a terem algum tipo de formalização, além de empresas que consigam abraçar esses trabalhadores.
Na pandemia tivemos um volume de trabalhadores por conta própria que não tinham CNPJ e que se formalizaram para ter acesso a algumas possibilidades de financiamento. Essa é uma tendência ao longo dos anos e que, portanto, não será resolvida em 2024.
B3 Bora Investir: Em relação ao que pode bombar em 2024, além dos serviços, quais setores podem surpreender?
Rodolpho Tobler: De maneira quantitativa, o setor de serviços deve continuar sendo destaque por ser maior tanto no PIB quanto em mercado de trabalho. Podemos também ver a indústria e o comércio – que sofreram mais em 2023 – com uma tendência de recuperação no emprego.
Um destaque muito importante será o setor da construção, porque temos a volta do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] e do Minha Casa, Minha Vida. Isso pode ter algum estímulo, principalmente quando o país faz a taxa de juros baixar, o que também é favorável. Então, olhando para a população ocupada, a construção pode ter um crescimento expressivo.
B3 Bora Investir: E a questão de vagas ligadas à tecnologia e às mudanças climáticas?
Rodolpho Tobler: Isso também é uma questão de tendência e não tem como fugir. Os serviços de informação e comunicação – onde entram telecomunicação e TI – têm crescido principalmente depois dos anos de pandemia. E, portanto, são setores que tendem a ter uma continuidade nesse momento positivo.
Em relação à questão ambiental, o mundo passou da turbulência da pandemia e voltou a direcionar as agendas para questões que já eram esperadas. Em 2024, o ambiental terá uma perspectiva ainda mais favorável diante de mais investimentos por parte de empresas e governos. Hoje, as próprias companhias têm se dedicando mais.
B3 Bora Investir: O rendimento médio dos trabalhadores chegou a R$ 3 mil no ano passado, maior valor desde a pandemia; e a massa salarial bateu recorde. Esses ganhos devem continuar?
Rodolpho Tobler: A massa salarial tem tido um crescimento muito grande, porque ela avança em duas frentes: no número de pessoas trabalhando e no rendimento médio, que também subiu. Isso fez com que ela atingisse esse recorde histórico da série desde 2012.
A renda média tem um fenômeno interessante, porque tem dois fatores que ajudam. O primeiro é o emprego formal retomando. As empresas conseguiram voltar a fazer contratações. Naturalmente, a renda média sobe porque são empregos de salários mais elevados. O segundo, que vem atuando nos últimos meses e anos, é o controle da inflação. Então, quando ela começar a ficar um pouco mais baixa, isso impacta no rendimento médio, porque nele entra todo tipo de trabalho: formal e informal.
Muitas das vezes, o trabalhador informal não conseguia passar o aumento do custo mensal de seu produto ou de sua casa. Então, quando se tem uma inflação mais controlada, isso ajuda o trabalhador a conseguir também ter um ganho maior de salário.
Para este ano, a tendência ainda é de uma continuidade, mas de forma mais lenta do que foi em 2023. A inflação deve seguir em desaceleração, conseguindo ficar cada vez mais dentro da meta. E, por outro lado, deve-se avançar na população ocupada e principalmente no emprego formal, mesmo que num ritmo menor.
B3 Bora Investir: Com essa continuidade de melhora da renda, esses valores iriam para mais consumo, pagamento de dívidas ou investimentos? É possível fazer uma previsão?
Rodolpho Tobler: Nesse momento, ainda há um percentual elevado de pessoas endividadas, como mostram as pesquisas da CNC, dada a quantidade de brasileiros que ficaram fora do mercado de trabalho. A gente passou por um momento de inflação mais elevada e economia fraca. Naturalmente, as pessoas acabaram se endividando muito. Então, nesse primeiro momento, a gente tem um percentual de pessoas que estão com a sua renda aumentando, mas esse dinheiro não vai tanto para consumo. Tem uma grande parte da população quitando dívidas e tentando renegociar, inclusive com o programa do governo.
Nesse momento as pessoas ainda estão mais preocupadas em conseguir abrir no seu orçamento um espaço para continuar pagando dívidas. Mas é claro que tendo esse ganho de orçamento, cada vez mais a tendência é também desse retorno ao consumo. Essas compras, inclusive, têm sido muito ligadas a itens essenciais: farmácias, supermercados, alimentos. Enquanto outros setores – como eletrodomésticos e vestuário – ainda enfrentam dificuldades para vender.
Acredito que esse ano será bom para essas atividades com o ganho de renda e o deslocamento do pagamento de dívidas para o consumo. Ao mesmo tempo, teremos juros mais baixos, com uma retomada do crédito, o que torna mais fácil os pagamentos parcelados.
B3 Bora Investir: Diante da instabilidade do mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas, o que impede o país de conseguir diminuir consideravelmente o desemprego?
Rodolpho Tobler: O que o Brasil precisa é de crescimento econômico continuado e em grandes linhas. Desde 2014, o país tem dificuldades de ter PIBs seguidos em patamares altos. A crise em 2014 e 2016 foi muito impactante, principalmente para as pessoas que saíram do mercado de trabalho.
A partir de 2017, o emprego começa a se recuperar, mas pautado pela informalidade. Inclusive foi nessa época que surgiram os trabalhadores de aplicativos. A partir dali o Brasil começou a ter crescimentos econômicos muito próximos de 1%, até que chegou a pandemia.
A gente precisa agora, de fato, de uma política econômica que mire cada vez mais no nosso desenvolvimento econômico. E não apenas uma economia que cresce num ano e sofre no outro. É preciso um crescimento forte, continuado por seguidos anos. A produtividade também vai avançando com a melhora dessa qualidade do emprego. Porque, apesar de o país ver uma população ocupada batendo recorde, o Brasil não consegue se afastar da informalidade elevada.
Nesse momento, o país precisa mirar em todas essas reformas que têm sido feitas para destravar a economia e ter um crescimento mais forte. Ao mesmo tempo, em outra ponta, é preciso fazer políticas públicas para estimular no curto prazo algumas categorias, mas sempre mirando no crescimento de longo prazo.
O mercado de trabalho vai sempre reagir ao ritmo econômico. As empresas vão surgindo à medida que a economia vai bem. Elas vão contratando à medida que a economia vai bem. E esse é o principal motor que a gente precisa ter para os próximos anos.
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