Entrevistas

“O Brasil precisa fazer uma reforma radical na previdência social”, diz Hélio Zylberstajn

Aumento na concessão de benefícios elevou rombo na previdência para R$ 311 bilhões em 2023. Em entrevista, professor sênior da Faculdade de Economia da USP defende novo modelo de aposentadorias

As despesas com benefícios previdenciários subiram 7,9% em 2023 (valor corrigido pela inflação) para R$ 913,4 bilhões, ante R$ 846,9 no ano anterior, segundo o Tesouro Nacional. Diante desse aumento, o rombo nas contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) atingiu R$ 311,3 bilhões no ano passado.

Se for incluído nessa conta os regimes próprios da previdência e a aposentadoria de militares ativos e inativos, o déficit chega a R$ 417,7 bilhões (4,1% do PIB), de acordo com o Tesouro.

Em entrevista ao Bora Investir, o professor sênior da Faculdade de Economia da USP e coordenador do salariômetro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Hélio Zylberstajn, afirmou que esse rombo não é uma surpresa diante de uma reforma onde o modelo de concessão dos benefícios não se alterou.

A reforma feita foi meia sola, porque ela mexeu apenas em alguns parâmetros, quer dizer, foi uma reforma paramétrica. O que o Brasil precisa é de uma reforma estrutural, de outro modelo para as aposentadorias.”

Para mudar esse quadro, o especialista defende uma reforma mais densa baseada em quatro pilares:

  1. Não contributivo com uma renda básica para o idoso que atinge a idade de aposentadoria, tendo ou não contribuído para o INSS;
  2. Sistema de repartição para todos os trabalhadores com carteira, funcionários públicos e militares com benefício máximo igual a renda média dos brasileiros;
  3. Fundo de Garantia (FGTS), como já existe hoje, mas com uma taxa de juros de mercado;
  4. Previdência privada, onde o trabalhador pode comprar um fundo de aposentadoria no mercado ou fazer a sua própria poupança.

O envelhecimento da população também tem exigido uma mudança mais profunda no sistema previdenciário. Assim como uma maior consciência dos brasileiros de que é preciso poupar para a sua aposentadoria.

“Os brasileiros precisam entender que não vão ter uma boa aposentadoria com o governo. É preciso conscientizar a população – principalmente os mais jovens – de que é necessário aprender a poupar”, conclui o professor.

Confira abaixo a entrevista completa com o professor Hélio Zylberstajn.

Hélio Zylberstajn,. professor sênior da Faculdade de Economia da USP e coordenador do salariômetro da Fipe Crédito: Divulgação
Crédito: Arquivo Pessoal

Bora Investir: A reforma da Previdência foi aprovada em 2019. Mesmo assim, as despesas com pagamentos de aposentadoria tem crescido ano a ano. Por que isso tem acontecido?

Hélio Zylberstajn: A reforma feita foi meia sola, porque ela mexeu apenas em alguns parâmetros, quer dizer, foi uma reforma paramétrica. O que o Brasil precisa é de uma reforma estrutural, de outro modelo para as aposentadorias. Dentre esses parâmetros que mudaram estão aumentar a idade mínima e reduzir as pensões. Mas não se mexeu no modelo.

Qualquer coisa que você faça na Previdência, demora um tempo para fazer efeito. Porque você não vai aumentar a idade de aposentadoria para quem vai se aposentar daqui a um ano. Portanto, essa reforma vai ser gradual. Quem está prestes a se aposentar, não se mexe. Quem vai se aposentar daqui quatro ou cinco anos, fica mais um ou dois anos. Por isso que o efeito é pequeno. O que está acontecendo não é nenhuma surpresa, é perfeitamente previsível. Não dá para se esperar que diminuísse a despesa em pouco tempo.

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Bora Investir: O envelhecimento da população versus uma população economicamente ativa menor também traz impactos na previdência. Como o senhor analista essa questão?

Hélio Zylberstajn: As aposentadorias no Brasil são muito precoces e muitas pessoas se aposentam com menos de 60 anos e isso continua a acontecer porque é uma reforma gradual. Se aposentar antes ou com essa idade – para uma expectativa de vida de mais 20 ou 25 anos – não dá para repor a renda de alguém que contribuiu pouco e que vai ganhar uma aposentadoria por quase tanto tempo quanto o tempo de contribuição. Essa conta não fecha, é uma questão de aritmética.

Para piorar, a população está envelhecendo. O que significa que a expectativa de vida está crescendo rapidamente e a quantidade de jovens avança lentamente e daqui a pouco deve começar a decrescer. Ou seja, nós temos cada vez menos pessoas para sustentar os benefícios de quem se aposenta.

Soma-se então essas aposentadorias muito precoces, mais a pouca contribuição, os benefícios generosos pagos no setor público e cada vez menos contribuintes e mais beneficiários. Tem-se aí o problema.  

Bora Investir: Diante desse quadro, é preciso fazer uma nova reforma da previdência? Por onde devemos começar?

Hélio Zylberstajn: O Brasil precisa fazer uma reforma radical, pois o nosso sistema atual é inviável. E não será apenas uma reforma e sim várias, porque dificilmente o país terá uma proposta que vai resolver definitivamente todos os problemas.

O nosso sistema de aposentadoria é muito ambicioso. Hoje o teto, ou seja, o benefício maior depois da reforma, está em torno de R$ 8 mil. O rendimento médio dos trabalhadores brasileiros é de R$ 3 mil. Quer dizer, é um sistema que pretende oferecer benefícios quase três vezes maiores do que a renda média dos brasileiros. Isso que eu chamo de um sistema ambicioso.

A primeira coisa que esse sistema deveria fazer é reduzir a ambição e focar nas pessoas mais pobres. A Previdência tem que priorizar a continuação da renda na aposentadoria das pessoas que têm menores rendas. Esse é o foco, a prioridade que o sistema deveria ter, ainda mais num país pobre como o nosso.

Bora Investir: O senhor tem defendido uma reforma da previdência em um regime focado em quatro pilares. Pode nos explicar cada um deles?

Hélio Zylberstajn: O primeiro pilar é o não contributivo, ou seja, o único critério para recebê-lo é chegar a idade de aposentadoria, que deve ser no mínimo 65 anos. Então a pessoa completou essa idade, ela passa a ter direito a uma renda básica do idoso, tendo ou não contribuído para o INSS. Ele seria um benefício – que não pode ser alto, evidentemente – universal, mesmo para as pessoas mais ricas. Um valor aceitável seria de meio salário mínimo, por volta de R$ 800.

O segundo pilar juntaria os trabalhadores com carteira assinada (CLT), o funcionário público e os militares. Esse sistema seria por repartição, ou seja, um INSS ampliado, mas com valor achatado. O benefício máximo seria igual a renda média dos brasileiros, que hoje é de R$ 3 mil.

Então com esses dois primeiros pilares já se atende aos mais pobres e aos brasileiros que recebem a renda média nacional e que representam 80% da população. Somado esse valor ao benefício da renda básica, os trabalhadores conseguiriam 100% da sua renda na hora de se aposentar.

O pilar número três já existe: é o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Nada mais é do que uma conta capitalizada, mas que em alguns períodos paga uma taxa de juros menor que a inflação. O que se precisa fazer primeiro é pagar por esse fundo uma taxa de mercado. E segundo juntá-lo com o FGTS – para que se pudesse sacar em caso de demissão. Se isso não acontecesse, o valor poupado ao longo do ciclo de vida, se transformaria num plano de aposentadoria capitalizada. Para fazer isso é necessário uma nova regulamentação do FGTS.

Veja que com esse sistema seria possível também permitir que o trabalhador informal tivesse FGTS. O governo já transfere tantos benefícios, poderia repassar um pouco para essa conta vinculada ao informal. Isso traria um impulso enorme ao mercado de capitais.

O quarto pilar é o voluntário, ou seja, a pessoa pode comprar um fundo de aposentadoria no mercado. Assim o sistema oferece R$ 3 mil, o FGTS garante mais um pouco e o trabalhador se tiver a capacidade de poupar mais, ele compra um fundo complementar no mercado. Isso vai alavancar o mercado financeiro. Então esse seria um subproduto dessa reforma. Um aumento da poupança dirigida para financiar a produção.

Bora Investir: Para esse sistema que o senhor propõem também teria de ser criada uma regra de transição?

Hélio Zylberstajn: Exato. Quem nasce a partir de um determinado ano, automaticamente cai nesse sistema. Já quem está no antigo, recebe um incentivo para fazer uma migração. E o país estaria empurrando essa dívida bem mais para frente. Uma mudança como essa traria um efeito imediato na percepção da sociedade, que passaria a acreditar na Previdência e a confiar mais no sistema, no governo e na nossa economia.

O problema fiscal no Brasil é antiquíssimo e ele se chama Previdência Social. O país gasta 12% do PIB com previdência, paga benefícios muito baixos para quem mais precisa e altíssimos para as elites do funcionalismo público.

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Bora Investir: Esse sistema que o senhor propõem parece não estar muito distante do que temos hoje. Essa interpretação está correta?

Hélio Zylberstajn: Sim. Pode-se pensar que sistema proposto por nós da FIPE [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] seja muito ingênuo. No entanto nós estamos muito próximos dele.

Hoje dois terços dos benefícios do INSS têm o valor de um salário mínimo. São as pessoas que recebem os LOAS. É um benefício pago mensalmente para quem é muito pobre e tem a idade avançada, para as pessoas com deficiência e para uma multidão de trabalhadores rurais. Os trabalhadores rurais, inclusive, não precisam se aposentar por contribuição. Basta atestar que trabalhou no campo e já recebe um salário mínimo. Para os trabalhadores que se aposentam por idade, é preciso ter contribuído 15 anos para receber esse salário mínimo.

Então a grande maioria das pessoas que são atendidas pelo INSS já recebe esse benefício básico que eu estou sugerindo e mais um pouco, que completa um salário mínimo. E nada precisa ser comprovado, a não ser os que se aposentam por tempo e por idade. Fica a pergunta: por que não se faz uma coisa mais simples? Não precisa de aprovação. Chega à idade de aposentadoria, recebe R$ 800 e junta com o que você contribuiu. Quem contribuiu durante a vida toda num emprego formal, recebe mais ou menos o que ganha no momento da aposentadoria.

Bora Investir: Um país com 203 milhões de pessoas, crescimento anual de 0,5% e grande força de trabalho não deveria investir mais em educação e empregos melhores justamente para aumentar a renda?

Hélio Zylberstajn: Nós temos que voltar a investir para crescer. Investir em infraestrutura, produção, transição energética, etanol, hidrogênio verde, energia eólica. O Brasil tem um campo enorme para investir e trazer crescimento. Isso sem falar em investimentos em educação e capital humano.

A minha esperança é que se o Brasil conseguir resolver os problemas básicos – fiscal, previdenciário, educacional – ele vai voltar a ter um potencial de crescimento enorme.

Bora Investir: Durante as discussões da reforma em 2019 muito se falou do exemplo do Chile. O senhor concorda com o que foi feito pelos nossos vizinhos?

Hélio Zylberstajn: O Chile fez uma reforma só com o quarto pilar, o que não deu certo porque a maioria dos trabalhadores não consegue ficar no emprego formal e vai para a informalidade. As pessoas param de contribuir para a sua própria aposentadoria e ficam sem renda. Esse erro acabou sendo corrigido e o país voltou a criar o pilar um [renda básica], mas ainda falta o miolo, que são os pilares dois e três.

“O país gasta 12% do PIB com previdência, paga benefícios muito baixos para quem mais precisa e altíssimos para as elites do funcionalismo público”

Hélio Zylberstajn

Bora Investir: A aposentadoria dos militares também passou por uma reforma em 2019, mas os gastos também não baixaram. Como funciona o sistema deles?

Hélio Zylberstajn: O militar ou um soldado da Polícia Militar quando chega aos 50 anos, ele tende a perder o vigor físico. Por isso nessa idade eles passam a ser chamados de reformados, que nada mais é do que aposentado. E o valor das aposentadorias é espantoso.

A reforma significa que aquele indivíduo não tem mais capacidade física para as atividades militares, mas ele não está incapacitado e pode continuar a trabalhar e contribuindo para o sistema de aposentadoria.

Eles não precisam servir no serviço militar, mas podem ir para algum outro lugar do setor público. Se é um médico, vai trabalhar num hospital público. Se é um engenheiro, vai trabalhar numa empresa pública ou mesmo numa companhia privada. O país poderia estudar maneiras de facilitar a recolocação dessas pessoas, mas não os deixar simplesmente recebendo a aposentadoria, rebatizada de reforma.

Bora Investir: Diante dessa conversa, podemos concluir que poupar é a saída para garantir a tão sonhada aposentadoria?

Hélio Zylberstajn: Os brasileiros precisam entender que não vão ter uma boa aposentadoria com o governo. É preciso conscientizar a população – principalmente os mais jovens – de que é necessário aprender a poupar.

Eu sempre converso com os meus alunos da faculdade de Economia e dou um curso que se chama Instituições do Mercado de Trabalho onde falo sobre aposentadoria e previdência, assim como fizemos nesta entrevista. Ao encerrar as aulas pergunto o que eles concluíram e a resposta é óbvia. Todos se convencem de que é preciso poupar, aprender educação financeira e abrir um plano de aposentadoria já com os seus 20 anos de idade.

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