Arcabouço agrada mercado, mas há dúvidas se regra traduz visão completa do governo
Âncora fiscal foi bem recebida pelos analistas econômicos. No entanto, especialistas esperam algumas mudanças pelo Congresso e resistência dentro do próprio governo
O novo arcabouço fiscal apresentado hoje pelo governo federal agradou o mercado financeiro. Os investidores ainda têm dúvidas sobre alguns detalhes da regra, mas no todo o texto foi visto de forma positiva. Apesar da boa reação, agentes econômicos lembram que as medidas ainda precisam passar pelo Congresso Nacional.
O sócio fundador da Fatorial Investimentos, Jansen Costa, afirma que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma boa articulação da proposta ao procurar ouvir economistas e parlamentares.
“O Haddad foi sensato em alguns pontos, deixando claro que não trouxe os números sem ter uma conversa com outras pessoas, inclusive a oposição. A proposta ainda será apresentada ao Congresso e deve ter modificações”.
Para Fernando Bento, CEO e sócio da FMB Investimentos, os parlamentares devem discutir muito, mas fazer poucas alterações no texto – que deve ser aprovado nas duas casas.
“A expectativa agora é que esse texto seja aprovado tanto na Câmara como no Senado, sem nenhuma mudança maior de teor. O mercado espera que esse processo deva ocorrer com bastante rapidez e está otimista com a aprovação dessas medidas”.
Apesar do clima parecer mais anuviado, o analista da Fatorial Investimentos não acredita em unanimidade dentro do governo em torno da nova regra fiscal.
“A grande questão é saber até quando o que ele [Haddad] está falando é a visão completa do governo. Não me parece ser a visão do PT como um todo. Portanto, é uma visão um pouco mais fragilizada. Acho que o mercado espera, é muito mais aquele arcabouço fiscal que vai ser executado pelo Congresso do que simplesmente a apresentação”, afirma Jansen Costa
Análise dos pontos do arcabouço
O novo arcabouço fiscal estabelece que o crescimento dos gastos não pode superar 70% da variação da receita primária. Para o economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, essa é a parte mais importante da regra.
“É uma maneira simples e clara de colocar uma trava de gasto público e forçar uma convergência de superávit e queda da dívida ao longo do tempo. Então imagina que se em um ano as receitas subiram em 10%, a despesa só pode subir em 7%. Isso garante que ao longo do tempo sempre vai se construir um colchão dessa distância entre receita e despesa.
Há também um intervalo para o crescimento real das despesas primárias (gastos do governo sem contar o pagamento de juros). O atual teto de gastos passa a ter banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% e 2,5% ao ano.
“A trava para a despesa ela é mais branda do que a anterior do teto de gastos, pois permite uma flexibilidade maior para o governo atuar particularmente na área social que ele vem pregado que vai precisar ter gastos maiores”, explica Fernando sócio da FMB Investimentos.
A proposta traz ainda uma margem para a meta de resultado primário (diferença entre o que o governo arrecada e o que gasta). Para este ano, a margem é de um déficit entre 0,25% do PIB e 0,75% do PIB. O economista André Prefeito explica que essa ‘banda’ vai funcionar nos moldes do sistema de meta da inflação – que tem um teto e um piso.
“A ideia é boa e isto torna a aplicabilidade do plano mais fácil no sentido de dar alguma margem de manobra tal qual é o desenho institucional das metas de inflação. O mercado reagiu com certo otimismo. (…) Mas não tenhamos dúvidas: este é apenas o primeiro movimento de muitos que terão que ocorrer nos próximos anos”, afirma.
Arcabouço fiscal e impostos
Em entrevista coletiva ao apresentar o arcabouço fiscal, Fernando Haddad, ressaltou a necessidade também de aprovação de uma reforma tributária e fazer quem não paga imposto pagar.
“Se quem não paga imposto, passar a pagar, todos nós vamos pagar menos juros. Agora para isso acontecer, aquele que está fora do sistema tem que vir para o sistema. O Congresso tem que ter sensibilidade para perceber o quanto o seu desejo foi aviltado na prática pelos abusos e corrigir essas distorções. (…) Muitos setores estão demasiadamente favorecidos por regras de décadas. Muitas caducaram, precisam ser revogadas”, disse o ministro da Fazenda.
Para André Perfeito, a distorção tributária no país é gigantesca. O economista classificou o sistema de impostos brasileiro como “um verdadeiro amontoado de ‘puxadinhos’” usado ao longo dos anos para “dar escapes as tensões econômicas e políticas”.
“Temos assim um problema na mesa. Buscar reonerar certos setores ou mesmo começar a tributar setores que não estão tributados é uma briga política com P maiúscula, logo há muito o que ser feito ainda”, conclui.
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