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Diversidade e inclusão nas empresas é uma realidade, mas ainda precisa avançar

Em entrevista, Jandaraci Araújo, cofundadora do Conselheiras 101, fala dos avanços e desafios de levar a diversidade para as companhias

Jandaraci Araújo, cofundadora do Conselheiras 101
Jandaraci Araújo, cofundadora do Conselheiras 101, programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração. Crédito: divulgação

A promoção da diversidade é um dos pilares da pauta ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Esse movimento global tem ganhado a atenção de líderes empresariais, investidores e conselhos de administração. Isso porque já se sabe que, em um mundo cada vez mais globalizado – com mudanças tecnológicas, sociais e ambientais, a busca por perfis diversos contribui para o sucesso das empresas e da sociedade.

Porém, ao mesmo tempo que várias pesquisas apontam para o ganho de produtividade com uma equipe plural, muitas mostram o abismo no mercado de trabalho para negros, mulheres e grupos minoritários. Diante desse quadro contraditório, a pergunta que se faz é:  quanto a diversidade, equidade e a inclusão estão presente no dia a dia das empresas?

Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que pretos e pardos eram maioria (53,8%) dos trabalhadores do país em 2021, mas ainda assim ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais. Na luta para mudar esse quadro está a executiva Jandaraci Araújo, cofundadora do Conselheiras 101 – programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração.

A história de Jandaraci reflete a de milhões de mulheres brasileiras. A executiva começou a trabalhar como vendedora de salgados para sustentar as duas filhas. Com um mix de educação, sabedoria, oportunidades e força de vontade, fez carreira no mercado financeiro e conquistou o lugar nos conselhos de administração de grandes empresas. Diante de todas as suas conquistas, Jandaraci também atua agora em projetos e programas para levar equidade e inclusão às companhias brasileiras.

B3 Bora investir conversou com a cofundadora do Conselheiras 101Jandaraci Araújo. Na entrevista, a executiva fala dos avanços e desafios de levar a diversidade para as empresas, da cultura corporativa e das iniciativas para tomar o mercado de trabalho mais inclusivo.

B3: A construção de um futuro sustentável por meio da diversidade é um tema que passou a ser discutido com mais frequência dentro das empresas. Quais os avanços e desafios que você destaca dentro dessa temática?

Jandaraci: O primeiro avanço é o fato de a gente estar falando sobre o assunto. É uma nova realidade. Pode parecer que é um tema batido ou retomado, mas não. Há décadas a gente não falava do tema diversidade de inclusão, não era discutido nas empresas e sequer existia a possibilidade como hoje de ter metas e indicadores sobre isso. É o começo desse entendimento de que o assunto veio para ficar. Então, quando a gente começa a ter esse indicador de diversidade aparecendo nos relatórios de sustentabilidade, ou quando a gente vê efetivamente as empresas construindo programas de ação afirmativa, isso nos dá um conforto interessante de como efetivamente a pauta de diversidade acabou se inserindo dentro da prática das organizações. Por outro lado, a gente ainda não vê a diversidade como a gente acredita, ou seja, totalmente refletido nas organizações e nos números condizentes de mulheres negras na liderança. Esse descompasso entre o que é sociedade, o que são as organizações, ainda existe. Mas temos visto pequenos avanços desses programas de seleção exclusivos para pessoas negras e pardas. Porque o discurso de décadas atrás é que não existiam pessoas preparadas. As pessoas desconsideravam as mulheres negras, porque falavam ‘não, o assunto é gênero’, como se a gente não tivesse interseccionalidade entre os assuntos. Existem mulheres negras sim, são a maioria da população dentro desse recorte. Então, quando a gente pensa em avanços, a gente tem alguns, mas ainda falta muito que fazer.

B3: Uma companhia diversa e inclusiva reconhece sua responsabilidade em quebrar vieses e permitir que os colaboradores se sintam à vontade para ser quem realmente são. Quanto as empresas estão, de fato, conscientes disso?

Jandaraci: Há empresas fazendo um trabalho sério e de verdade, conseguindo colocar pessoas negras na liderança e estabelecer metas muito claras, construindo políticas de ação afirmativa. Por outro lado, o que a gente vê também é uma cultura corporativa, com muitas empresas usando a causa como marketing. Vou replicar o termo da Liliane Rocha: ‘diversity washing’ – onde você faz de conta que tem diversidade ou ainda cria aquela história do negro único, negra única, coloca uma pessoa em uma posição e fala que está trazendo diversidade. A gente não está falando disso. A gente está falando de se começar a ter um processo normal, com pessoas diversas participando do processo seletivo, em pé de equidade. E as empresas efetivamente sérias estão transpondo barreiras. Até porque a gente tem algumas questões estruturais que não facilitam para um grupo da população. Grupo que historicamente não tem acesso, não conseguiu, por exemplo, fazer intercâmbio, um curso forte. Então tem uma série de fatores que impedem que todo mundo esteja em pé de equidade.

“A gente está falando de se começar a ter um processo normal, com pessoas diversas participando do processo seletivo, em pé de equidade”.

B3: A diversidade agrega valor ao negócio e às pessoas?

Jandaraci: Eu costumo dizer que se as empresas efetivamente contratarem por matriz de competência e entenderem os pontos de flexibilização para determinadas culturas na população que eles consideram diversa, ela derruba barreiras. A partir do momento em que a companhia contrata por competência e o que efetivamente ela está disposta a flexibilizar dentro de ‘hard skills’ [capacidade técnica], o resto se complementa com os ‘soft skills’ [habilidades interpessoais] que é o grande diferencial de qualquer pessoa. Aí você vai ter gente de diferentes perfis e formações. Para a empresa é muito simples contratar, avaliar as competências da pessoa e dar oportunidade. Ninguém nasce diretor, gestor. Você precisa ter a oportunidade para poder conseguir fazer essas pessoas estarem nessas posições. A intencionalidade é a ação de fazer e agir para poder ter a diversidade. Quem está fazendo isso de uma forma consistente, clara, está mostrando a que veio e está começando a transpor barreiras. Está saindo do discurso da ignorância de hoje para fazer a diversidade de fato.

B3: Como a cultura corporativa e a de liderança estão na questão da diversidade?

Jandaraci: A gente tem uma questão ainda de cultura corporativa. Muitas vezes você tem no topo pessoas que estão conscientes [da diversidade], mas se a empresa não é consciente como um todo, não há uma aceitação de uma liderança negra, por exemplo. As pessoas têm a dificuldade de visualizar uma liderança negra dentro da organização e como lidar. Infelizmente nós temos uma sociedade que é machista, racista. Eu costumo dizer que enquanto a gente não tiver um processo sério de mudança de cultura, não vamos ver as mudanças que a gente imagina, que queremos ter dentro das organizações. Infelizmente tivemos alguns retrocessos recentemente. Com algumas pessoas se sentindo à vontade de terem posturas racistas e homofóbicas, mas não podemos desistir. Então, quando a gente pensa na liderança é preciso estar preparado. Mas todo o nível manager [gerente] também precisa ser preparado para ter um par negro, um líder negro.

B3: Você tem feito palestras sobre a liderança de mulheres no mercado financeiro. Como está hoje esse protagonismo em um mercado que é ainda muito masculino?

Jandaraci: É uma área que ainda tem muito a ser desenvolvida, mas já melhorou bastante. O mercado financeiro realmente ainda é muito masculino. Quantas presidentes de banco a gente conhece? Quantas CEOs de bancos? Poucas porque é muito uma conjuntura do setor. O setor financeiro tem especificações técnicas que qualquer pessoa pode ter. O ponto é como o ambiente do mercado financeiro tem se modificado para ter mais mulheres. Tem um programa criado por bancos internacionais para atração de jovens talentos chamado ‘DNA Woman’. É uma das iniciativas que acompanho e que eu tive a oportunidade de participar. Acompanho também, em parceria com uma instituição que eu sou uma das conselheiras, que é o WILL, onde a ideia é promover e chamar a atenção de jovens universitárias – formando para atuar no mercado financeiro efetivamente. O desafio que eu entendo, novamente, ainda é a questão do ambiente corporativo. A gente retrocede muito quando se fala é coisa de meninas ou de meninos. O mercado financeiro é um mercado técnico.

B3: O programa que você está à frente – Conselheiras 101 – impacta exatamente nesse ponto que você citou: incentivar e formar mulheres negras para atuar em conselhos de administração?

Jandaraci: Exato. Eu estou sempre engajada em programas para fomento de liderança feminina, seja como mentora ou como cofundadora do Conselheiras 101. É um programa que visa a inclusão de mulheres negras em conselho de administração. Ele nasceu em 2020, no auge da pandemia. Hoje estamos na terceira turma, onde mais de 47% das mulheres que fizeram o programa já estavam em algum conselho de administração ou consultivo. A gente criou e idealizou o programa no auge da pandemia. A primeira turma concluiu a formação ainda em dezembro de 2020.

B3: Nesta semana – em uma iniciativa da B3 e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) – se formou a primeira turma do Programa de Equidade Racial em conselhos. A iniciativa também visa à ampliação da presença de pessoas negras nas altas instâncias decisórias das companhias. Como você vê essa ação?

Jandaraci: É uma excelente iniciativa. Quanto mais surgirem, melhor. Toda a iniciativa em prol da equidade racial é importante e fundamental. Eu tive a honra de participar da aula inaugural e foi extremamente reconfortante saber que instituições tão sérias estão engajadas na pauta da equidade racial.

B3: A B3 lançou recentemente um guia de “Sustentabilidade e Gestão ASG: como começar, quem envolver e o que priorizar”. Pelo lado da diversidade, pensando neste guia, o que você mais destacaria?

Jandaraci: Eu participei do lançamento e posso dizer que o guia destaca de uma forma muito prática a questão da diversidade nas empresas. Eu super recomendo a leitura. Além de orientar sobre práticas de atendimento, a parte de diversidade fica muito destacada porque quem acompanha a pauta ESG, sabe que dentro do social, diversidade e inclusão são pilares importantes. Apesar de eu, Jandaraci, considerar que diversidade e inclusão é transversal aos três tópicos – tanto ambiental como de governança – não só social. Você precisa ter essa visão de diversidade de forma transversal. Em uma organização, tudo o que se propõe a fazer a gente faz, mas tem que ter esse olhar de transversalidade.

“Considero que diversidade e inclusão é transversal aos três tópicos – tanto ambiental como de governança – não só social”.

B3: O quanto você acha que a pandemia pode ter atrapalhado nessa agenda?

Jandaraci: A pandemia mostrou as diferenças abissais que a gente tem. As mulheres, elas foram fortemente atingidas porque se viram mais sobrecarregadas ainda com a questão do cuidado. Para quem tinha filhos veio o homeschooling ou teve que cuidar de alguém. É essa economia do cuidado que a gente tão pouco fala, mas que pesa na estrutura social. As mulheres se viram mais sobrecarregadas e também foram as mais demitidas. Então a gente teve um retrocesso durante a pandemia. Por um lado, alguns indicadores apresentaram muito crescimento. Por exemplo, aumentou o número de mulheres em conselhos, mas até chegar no conselho, você tem uma trajetória de carreira e isso foi interrompido durante a pandemia.

B3: A sua história de vida e carreira passa por todos os temas que falamos até aqui. Como você vê hoje tudo o que você viveu?

Jandaraci: A minha trajetória não é diferente de milhões de mulheres do nosso país. Eu comecei a empreender por necessidade. Eu já tinha duas filhas e precisava tentar. A minha primeira formação foi em eletromecânica e eu não conseguia emprego. Eu sempre falo que a minha cor chegava antes do meu currículo. Em vários momentos eu passei pela situação de ir a um processo seletivo e a pessoa sequer querer me entrevistar quando me via. Questionava todos os cursos que eu fazia. Perguntava se realmente tinha alguém que poderia comprovar a minha experiência. Eu já tive situações em que a pessoa simplesmente dizia que a vaga estava preenchida, só que não estava. Foi muito duro. Eu tive vários desafios, muitas dificuldades, mas também pessoas que acreditaram na minha entrega profissional. O que fez a minha jornada chegar aonde está foram as oportunidades. Eu sempre provoco: você tem olhado para as pessoas? Porque todo mundo tem uma história. E o que as pessoas precisam – independente de raça, gênero, local de nascimento – é de oportunidade. O que me fez chegar aonde cheguei foram as oportunidades e os grandes esforços que eu tenho na carreira. Pessoas que, mesmo com todo o sistema, continuaram acreditando no meu potencial. Então, essa trajetória de educação, resiliência e oportunidade foi o que me fez chegar até aqui. Foi a oportunidade que me fez chegar. Foi a educação que me fez chegar. E obviamente, uma grande rede de apoio. Como mãe e como outras que são mães, a gente precisa de uma rede de apoio muito forte para poder construir uma carreira.

Quem é Jandaraci Araújo?

Jandaraci Araújo é Conselheira Independente de Administração na Instituto Inhontim e Instituto Tomie Otahke e também faz parte Conselho do Capitalismo Consciente Brasil. É cofundadora do Conselheiras 101, programa que visa a inclusão de mulheres negras em conselhos de administração. Com atuação no mercado financeiro na área de sustentabilidade, foi Subsecretária Empreendedorismo Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo e Diretora Executiva do Banco do Povo Paulista. É professora de pós-graduação em Finanças Corporativas e, como escritora, lançou dois livros em 2021 em coautoria – ‘Mulheres nas Finanças e Mentores e suas Histórias’. Em 2021 recebeu o Prêmio Líderes do Brasil, pelo Lide Global. Recentemente foi reconhecida como Top Voice Linkedin na pauta de Equidade de Gênero.

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Para saber como investir em empresas listadas na bolsa que já seguem as premissas ESG, assista o vídeo: