Influenciadores de finanças responsáveis são importantes, diz presidente da CVM
João Pedro Nascimento destaca o valor das redes sociais na difusão de informações sobre investimentos, mas alerta sobre indicações que ferem a regulamentação
Como todo bom professor, o novo presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento, gosta de explicar as coisas usando comparações, de forma clara, sem pressa. Aliás, essa forma didática e transparente de ensinar é o que ele espera das instituições do mercado de capitais ao se relacionarem com o investidor pessoa física.
Por isso, desde o dia 18 de julho, quando tomou posse, até o ano de 2027, no término do seu mandato, a autarquia vai cobrar dos agentes financeiros uma postura empática às necessidades dos investidores, sobretudo quem está iniciando sua jornada na construção de um patrimônio.
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Além da aproximação com as pessoas que estão entrando no mundo das finanças, a CVM quer incentivar a inclusão da sustentabilidade na decisão de investimento. “Aqueles que se dizem aderentes às políticas de ESG devem dar ao seu público-alvo a oportunidade de avaliar em que medida suas práticas são realmente concretas”, diz o advogado, doutor em Direito Comercial e docente do curso de Direito da FGV no Rio de Janeiro.
O tema ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), ao lado de assuntos como a importância da Educação Financeira, a ocorrência de fraudes disfarçadas de produtos de criptomoedas e o impacto das redes sociais na formação dos investidores, permearam a entrevista do novo “xerife” do mercado ao Bora Investir. Confira abaixo:
Qual é o maior obstáculo para a pessoa física investir mais e melhor o seu dinheiro?
João Pedro Nascimento: Certamente, a maior dificuldade é a falta de conhecimento das pessoas. Se considerarmos o mercado de intermediários, o Brasil vive uma expansão extraordinária, com capilaridade para levar os produtos financeiros a todas as regiões do País. O problema é que esses profissionais precisam ter diferentes expertises para ajudar os vários perfis de públicos que existem nessas regiões. Ainda falta a pedra fundamental para unir essas duas pontas, que é a educação financeira para a população. Por isso é tão importante existir mais fontes de informação, para que as pessoas compreendam os termos e as condições de cada investimento. Nesse sentido, a B3 – com o seu hub de educação –, a própria CVM e as demais entidades do mercado têm um papel importantíssimo.
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Como seria esse processo na prática?
João Pedro – A educação financeira precisa se moldar ao público-alvo, ou seja, ela tem que ser aplicada considerando os diferentes graus de complexidade dos temas referentes ao mercado. Por exemplo, para o investidor iniciante, não adianta apresentar um conteúdo de um curso de MBA porque ele não irá compreender. Do mesmo modo, um público mais experiente necessita de um material mais sofisticado, com mais desafios, até para ele não perder o interesse pelas pautas.
Quais os próximos passos da CVM em relação à Educação Financeira?
João Pedro – Uma das áreas que iremos reforçar será a comunicação digital, buscando um diálogo mais adequado à atual realidade das redes sociais. Do mesmo modo que aumentou o número de intermediários de produtos financeiros no Brasil, também cresceu a presença do público-alvo dessa indústria nas redes sociais. Aliás, a figura do assessor de investimento digital no país vem ganhando destaque exatamente pela importância que esses canais conquistaram neste setor. Queremos estar mais presentes nessas mídias, criando novas ferramentas para levar conhecimento aos investidores.
O que é a CVM?
Criada em 1976 pelo governo federal, a Comissão de Valores Mobiliários é conhecida como o “xerife do mercado”. Entre suas principais atribuições está proteger investidores contra emissões irregulares e atos ilegais de controladores de empresas ou administradores de carteiras de ações.
Com isso, pretende evitar práticas fraudulentas e manipulações que possam criar demanda, preço ou oferta de valores mobiliários artificiais, descolados da realidade. Como órgão regulador, a CVM precisa acompanhar a sofisticação do mercado financeiro, com a inclusão de novos produtos. Hoje são tidos como valores mobiliários quaisquer títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados publicamente e que geram direito de participação, de parceria ou remuneração.
Por falar em redes sociais, como a CVM enxerga o aumento de influenciadores digitais dando dicas de investimento?
João Pedro – É uma iniciativa importante, desde que seja realizada de forma responsável. Por mais que a liberdade de expressão seja fundamental, não dá para tolerar casos em que o assessor digital, que não é um analista com formação profissional, indica certas companhias como oportunidade de investimentos e ainda prevê alta para as ações daquelas empresas. A CVM está em alerta máximo em relação à forma que essas pessoas se apresentam nas redes sociais, invadindo o contexto de outros agentes regulados pela autarquia no mercado de capitais.
A autarquia pretende punir essa prática?
João Pedro – A discussão desse tema já estava no radar da CVM antes mesmo da minha chegada, e darei continuidade a essa pauta. A questão dos influenciadores será levada a uma audiência pública, pois entendo que a melhor política é aquela pensada a partir da colaboração e do envolvimento dos agentes privados. Isso gera uma grande oportunidade de eles trazerem contribuições para que seja possível formatar uma regulamentação sobre os influenciadores digitais ligados às finanças.
“Não dá para tolerar casos em que o assessor digital, que não é um analista com formação profissional, indica certas companhias como oportunidade de investimentos e ainda prevê alta para as ações daquelas empresas.”
João Pedro Nascimento, presidente da CVM
Outro ponto que merece atenção são as pirâmides financeiras que, por muitas vezes, aparecem fantasiadas de investimentos em criptomoedas.
João Pedro – Sem dúvida. Mas esta não é uma realidade apenas do mercado de cripto. A CVM está super atenta a esse cenário e mantém intenso diálogo com a Polícia Federal e o Ministério Público. Isso porque são questões multisetoriais que, por diversas vezes, extrapolam a competência da autarquia. Sabemos que a existência dessas fraudes é nociva, não apenas às vítimas do golpe, mas também aos demais produtos da indústria de investimentos, pois essas histórias podem contaminar setores que gostaríamos muito que fossem desenvolvidos, como o universo de cripto, por exemplo.
Como podemos aplicar a educação financeira no caso das pirâmides disfarçadas de aplicações em criptomoedas?
João Pedro – Hoje o mundo inteiro está vivenciando uma grande expectativa em relação ao tema da cripto. É uma consequência da evolução da tecnologia computacional e dos muitos usos que podemos fazer dela. Enquanto não podemos ditar normas próprias para combater as operações fraudulentas, estamos trabalhando em um parecer de orientação, capaz de trazer informações e alertas em relação a essa indústria. É absolutamente fundamental que as pessoas entendam como funciona cada um desses cripto ativos criados. O documento da CVM servirá para reforçar um ponto fundamental para qualquer investimento financeiro, que sempre será a transparência.
Como assim?
João Pedro – A transparência é fundamental em qualquer política de Educação Financeira. Gosto muito dessa abordagem para trazer a informação aos investidores, pois é um modo de eles conhecerem o produto, compreender seus riscos e realizar um juízo de valor a respeito daquele investimento, para saber se serve ou não para a sua carteira. Essa abordagem é melhor do que, eventualmente, proibir ou censurar determinadas questões como forma de proteger o investidor, o que não funciona muitas vezes.
O que o senhor tem a dizer ao público que mais cresce entre os investidores da B3, a população jovem?
João Pedro – Gosto de usar uma frase de Isaac Newton: “Se vi mais longe foi por estar sobre os ombros de gigantes”. Ela explica a importância de buscar conhecimento com aqueles que entendem do mercado. Como professor da FGV, sei que o aprendizado é sempre uma construção coletiva. Se estivesse iniciando no mundo dos investimentos, ficaria de olho nos investidores profissionais para entender quais são os fundamentos que guiam suas decisões, que estratégias utilizam no seu trabalho. Aquele que investe com conhecimento tem muito mais chance de ter sucesso com os ativos do que os outros, que seguem o instinto.
Qual o primeiro passo para fazer isso?
João Pedro – Quem vai começar a investir deve buscar os agentes de investimento devidamente registrados perante a CVM. Dispensar as recomendações de profissionais que não são cadastrados no mercado organizado é um ótimo começo.
No âmbito das práticas de ESG (do termo em inglês Environmental, Social and Governance ou, em português, Ambiental, Social e Governança), alguma novidade será anunciada em breve?
João Pedro – Esta é uma pauta multisetorial e, por isso, estamos em constantes diálogos com os Ministérios da Economia, do Meio Ambiente e da Agricultura sobre o tema das Finanças Verdes. A ideia é estudar, até mesmo no contexto de revisão do marco regulatório da indústria de fundos de investimento, como exaltar os produtos financeiros com ativos da indústria verde. Destaco, por exemplo, os ativos ambientais de vegetação nativa, além dos créditos de carbono, créditos de metano e tantos outros ativos verdes já existentes.
A CVM reconhece a importância da pauta da sustentabilidade com uma visão de futuro, sobretudo, no que se refere à letra E (ambiental) da sigla ESG, que é a mais popular entre os investidores. Por isso, costumo chamar essa pauta de finanças verdes. Diria que, ao lado da pauta de mais transparência para o mercado, a questão da sustentabilidade é o nosso foco principal neste momento. Queremos que os agentes que se dizem aderentes a essas políticas deem ao seu público alvo a oportunidade de avaliar em que medida suas práticas são realmente concretas, de forma a que seja possível perceber, objetivamente, ações que dizem respeito, inclusive, aos aspectos que se relacionam com as letras S (social) e G (governança).