Copom mantém Selic em 10,50% e interrompe ciclo de corte de juro
Confira como o mercado recebeu a decisão unânime causada pelas incertezas externas e cenário doméstico resiliente
Por Rogério Piovezan
A taxa básica de juros do País, a Selic, continua em 10,50% ao ano, de acordo com comunicado divulgado nesta quarta-feira (19) pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC). A decisão foi tomada de forma unânime por causa das incertezas externas e do cenário doméstico marcado pela resiliência na atividade, o que eleva a projeção de inflação e expectativa de maior cautela.
Depois de sete cortes consecutivos, o Copom interrompeu o ritmo de redução da taxa Selic. Na última reunião do comitê, o colegiado ficou dividido entre aqueles que votaram pelo corte de 0,25 ponto porcentual (integrantes indicados pelo governo anterior) e os que votaram em 0,50 p. p. (integrantes indicados pelo atual governo).
Ainda na última reunião, o comunicado retirou o foward guidance (orientação futura) sobre a próxima decisão. Isso abriu caminho para especulações a respeito da diminuição no ritmo do corte da taxa de juro, o que, de fato, veio a se concretizar.
O Copom considerou que o ambiente externo mantém-se adverso, em função da incerteza elevada e persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma sustentada em diversos países.
“O Comitê, unanimemente, optou por interromper o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê se manterá vigilante e relembra, como usual, que eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”, diz trecho do comunicado.
Um ponto esperado pelos analistas era sobre como votaram os membros do colegiado. “A unanimidade é o ponto mais sensível, mostra efetivamente que apesar de todo o ruído recente, o pessoal se alinhou a uma visão mais conservadora”, diz Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset. Na avaliação dele, o Copom tem como cenário base a manutenção do juros em 10,50% por um “período longo, o que talvez aponte para o fim do ano, e talvez tenha espaço para cortes de juros no ano que vem.”
Cenário doméstico
O Copom destaca que o mercado de trabalho brasileiro segue além das expectativas. Em paralelo, a inflação apresenta uma trajetória de desinflação. A projeção de inflação para 2024 e 2025 está em torno de 4,0% e 3,8%, respectivamente, segundo o Focus. Além disso, as incertezas na política fiscal também despertam atenção do Copom.
“O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.”
O Copom avalia que a conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária.
Impactos
A Selic mantida em 10,50% traz diferentes impactos em diversos setores da economia. Aos investidores, o CEO da Swiss Capital Invest, Alex Andrade, explica que a Selic alta beneficia os investimentos em renda fixa, proporcionando maior rentabilidade, já que esses oferecem remuneração baseada em juros. “Exemplos incluem títulos públicos do governo federal, CDBs, letras de crédito e debêntures”, diz.
Já o CEO da Smart House Investments, Andre Colares, aponta que a Selic impacta diretamente o mercado imobiliário e os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). “Os custos de financiamento imobiliário permanecem altos, dificultando o acesso a novos financiamentos e pressionando o setor. Por outro lado, os FIIs de papel podem se beneficiar de altas taxas de juros, enquanto os FIIs de tijolo podem enfrentar dificuldades devido ao menor crescimento econômico e à menor demanda por espaços comerciais e residenciais.”
Para o cidadão na ponta, a Selic elevada indica uma redução no poder de compra. É o que afirma o sócio da Ipê Investimentos, Fabio Murad. “Isso impacta diretamente os preços de itens de supermercado, contas de energia, preços dos combustíveis, diminui o acesso a empréstimos e dificulta os financiamentos”, destaca.
Para Pedro Afonso Gomes presidente do Corecon-SP, a manutenção da taxa traz prejuízos à população em geral. “O interesse desses investidores contrapõe-se ao interesse da quase totalidade da população e das forças econômicas que produzem, comercializam e prestam serviços, que precisam de juros menores, dentro da razoabilidade, para que possam investir e manter as suas operações. O Copom, dividido, preferiu manter a taxa, o que é menos ruim do que aumentá-la.”
Unanimidade agrada mercado
A decisão unânime na reunião do Copom desta quarta-feira (19) agradou aos economistas e analistas do mercado financeiro após o último encontro ter gerado um racha entre os integrantes quanto aos percentuais a serem cortados da taxa Selic.
A manutenção da Selic já era amplamente esperada, segundo Rachel de Sá, chefe de economia da Rico, devido ao cenário incerto, tanto interno quanto externo. “Isso irá seguir até o final do ano, pelo menos. A gente entende que esse cenário está muito incerto, mesmo que o Fed nos EUA reduza os juros, trazendo alívio para nossa moeda, e também podemos ter uma certa perda de tração da economia aqui. Além disso, teremos um novo presidente no BC no ano que vem, o que aumenta a incerteza”, afirma.
O comunicado marcou o fim do ciclo de quedas na Selic, e não uma pausa, de acordo com Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez. “Ao apresentar um cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo do horizonte relevante com as projeções decaindo para 3,1% em 2025, [o Comitê] demonstra de maneira hábil e sucinta que este se trata do novo cenário base”, comenta. Para ele, isso deve amenizar as pressões por novas elevações na curva de juros no curto prazo.
Na avaliação de Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, o comunicado ainda deixou aberta a possibilidade de novas altas, apesar de não acreditar que esse movimento como provável. “Não visualizamos este cenário, pois a manutenção da taxa Selic em 10,5% é suficiente para levar o IPCA à meta ao fim de 2025. Em nosso cenário, projetamos que a taxa Selic seguirá em 10,5% até dez/24 e termine 2025 em 10%.”
Luiz Felipe Bianconi, economista da SulAmérica Investimentos, também entende que o comitê deixa a possibilidade de subir os juros nas próximas reuniões, mas que a manutenção da taxa atual é a mais provável. “Em termos de sinalização, o comunicado trouxe tom que sugere viés de preferência por manutenção de juros estáveis no patamar atual, mencionando interrupção do ciclo de cortes e manutenção em patamar suficientemente contracionista. O comunicado fala em eventuais ajustes futuros, o que pode ser lido, na atual conjuntura, como uma probabilidade de altas de juros mais alta do que de cortes adicionais”, diz, em nota.
Segundo a economista chefe da Veedha Investimentos Camila Abdelmalack, o Banco Central trouxe algumas sinalizações importantes para os rumos da economia. “O BC sinalizou que a piora recente nas projeções de inflação, bem como o cenário externo adverso foram responsáveis por essa mudança no plano de voo do BC. Também destaca a importância do comprometimento da política fiscal para a evolução das expectativas de inflação e, consequentemente, da política monetária.”
Para Jayme Carvalho economista-chefe da SuperRico, o resultado foi acertado. “A decisão ter sido unânime contribui para demonstrar que a decisão do BC é técnica, e vem em um momento que a autoridade monetária está recebendo muita pressão política”, diz.
Lucas Constantino, diretor da GCB Investimentos, também concorda com o resultado. “Qualquer decisão precipitada da autoridade poderia acarretar a necessidade de correções em um horizonte mais curto, o que significaria potencial perda de credibilidade.”
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