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Por que a China aumentou a reserva em ouro e o que isso tem a ver com juros nos EUA?

Desconfiança com endividamento americano, inflação e busca por menos exposição ao dólar levam China a liderar compras do metal

Montar uma reserva para se prevenir de riscos não faz parte apenas da estratégia de um bom investidor, mas também entra na mira da política econômica de um país. Ainda mais se for a segunda maior economia do mundo, a China, que desconfia da trajetória do endividamento dos EUA, quer se distanciar da direção incerta dos juros americanos e busca se proteger da inflação do dólar e do risco de sanções econômicas. Por essas razões, o país asiático tem aumentado a compra de ouro físico, segundo economistas.

Compor a reserva internacional com ouro se revela uma estratégia benéfica pela segurança, liquidez e retorno. Isso em um cenário geopolítico marcado por incertezas, como a continuidade da guerra entre Israel e Hamas na faixa de Gaza; a invasão russa na Ucrânia, que revida os ataques com armas americanas e apoio de países da Europa. Outra fonte de turbulências é a incerteza sobre a taxa de juros dos EUA, que se reflete nos mercados financeiros ao redor do mundo, enquanto o Fed adia o corte desde o começo do ano, e a inflação nos EUA segue acima da meta de 2,0% ao ano.

Mas evitar a exposição ao dólar faz parte também da estratégia chinesa desde a intensificação das desavenças políticas com os EUA, que se arrasta há alguns anos. Entre os capítulos mais recentes da trama, a taxação americana de 100% sobre carros elétricos importados da China e o banimento da empresa chinesa TikTok nos EUA caso não haja troca no comando da companhia, para ficar apenas nos exemplos mais recentes.

Isso leva a China a proteger sua moeda nacional, o Yuan, segundo economistas ouvidos pelo Bora Investir. E o porto seguro tem nome brilhante: ouro.

Em 2015, a reserva cambial total da China tinha menos de 2% de ouro. No ano passado, esse percentual saltou para 4,3%, de acordo com a diretora adjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath. No mesmo período, o volume de reserva em títulos do tesouro americano caíram de 44% para cerca de 30%.

Na cotação atual, uma grama vale R$ 394,32. No total, a China acumula 2.262,45 toneladas de ouro, de acordo com dados do Conselho Mundial de Ouro. Somente no ano passado, os chineses lideraram o ranking de compras, conforme mostra o gráfico a seguir.

Compras de ouro registradas em 2023

Por qual motivo a China aumentou reserva em ouro?

Por duas razões: a crescente preocupação com os juros e com a dívida dos EUA – que está em US$ 34 trilhões – e o risco de sanções econômicas diante das incertezas geopolíticas. É o que afirma Gilberto Cardoso, CEO da Tarraco Commodities e membro do Fórum Brasil Export.

“A China está preocupada com o nível de endividamento americano. Então, ela faz um movimento casado, aumenta reserva de ouro físico e vende treasuries. Ela vai para ativo físico que tem proteção contra inflação e diminui exposição em títulos da dívida americana. A dívida e os juros entraram em uma espiral perigosa e a China quer se proteger. Ela reduz exposição por questão de diversificação.”

Além disso, Cardoso ressalta que os chineses temem novas medidas econômicas que possam impactar seu crescimento. “A China tem represálias de sanções econômicas. O dólar virou uma arma americana, um instrumento financeiro, e a China tem medo. Todos os BRICs querem diminuir sua exposição ao dólar”, acrescenta.

Mas há, também, uma razão mais simples na diversificação. “A China é um dos países que mais aplica em dólar. É natural que resolva aplicar em outras moedas, inclusive na dela própria, o Yuan. Aplicação em ouro é natural para um país que aplica tanto em dólar. Nunca é bom ter tudo colocado no mesmo cesto. É necessário diversificar quando se investe”, afirma Paulo Roberto Feldmann, professor de pós-graduação em economia internacional da Faculdade de Administração, Economia e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Segundo Feldmann, a reserva em ouro tende a se valorizar em meio às crises econômicas. “Por outro lado, ele também se desvaloriza de uma hora para outra. No longo prazo, não é uma aplicação tão boa. Portanto, é delicado aplicar em ouro. Tem que saber bem o momento e ter certeza de que haverá uma crise que desvaloriza as moedas, que derrube o preço do petróleo e fará com que as pessoas corram para o ouro. Mas é raro. Não recomendaria investimentos em ouro, porque para aplicar em ouro precisa estar muito a par do que pode acontecer a curto prazo”.

Mas não só a China…

A Rússia e os EUA também mantêm grande parte de suas reservas em ouro. Por ser um ativo seguro e politicamente neutro, ele ainda traz uma proteção contra a inflação, contra sanções e até apreensões, segundo afirmou a diretora adjunta do FMI, Gita Gopinath, em evento realizado em Stanford.

“A percentagem de ouro nas reservas cambiais do bloco chinês tem aumentado desde 2015 – uma tendência não impulsionada exclusivamente pela China e pela Rússia. É importante ressaltar que durante o mesmo período, a participação do ouro nas reservas cambiais dos países do bloco dos EUA manteve-se globalmente estável”, explica.

A tendência entre os bancos centrais, conforme estudo do FMI, indica que a compra de ouro é motivada por preocupações sobre risco de sanções econômicas. “Os gestores de reservas cambiais tendem a aumentar as participações em ouro para se protegerem contra a incerteza econômica e geopolítica, incluindo o risco de sanções.”

… e o futuro?

Para Cardoso, existe outra motivação no horizonte chinês para o aumento de reserva em ouro. Para entender o futuro, ele recomenda olhar para o passado. O Acordo de Bretton Woods, firmado em 1944 entre os países vencedores da Segunda Guerra, estabeleceu as regras que balizaram o sistema monetário internacional. Uma delas foi a proibição de lastrear a reserva em ouro, mas a medida foi suspensa em 1971 pelo presidente dos EUA, Richard Nixon. O que isso tem a ver com a China agora?

“No futuro, a China pensa em ter uma moeda digital lastreada em ouro. Voltar ao período antes do pós-guerra. Ela teme que a base monetária americana perca o controle com endividamento e tenha uma inflação global sem freio. Como ela quer deter o controle da sua moeda e desindexá-la ao dólar, ela compõe sua reserva em ouro físico. Compra ouro no mercado internacional e estoca. É uma reserva de valor que não se perde com o tempo”, observa.

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