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Um ano de Guerra na Ucrânia: as mudanças no tabuleiro global e o que está por vir

Em seu aniversário de um ano, completado nesta sexta-feira, a guerra na Ucrânia continua sem fim à vista, sem nenhum lado disposto a negociar

Visão de estruturas metálicas para transporte de gás da Rússia para a Europa
Apesar de se arrastar a um ano, a guerra russo-ucraniana não parece ter resolução à vista. Foto: AnneGret Hilse

Poucos dias depois de seu ataque inicial, um ano atrás, nesta sexta-feira (24), a estratégia da Rússia de uma rápida captura de Kiev, capital da Ucrânia, e derrubada do governo de seu presidente, Volodymyr Zelensky, se deparou com uma realidade inconveniente: a resistência ucraniana.

Vladimir Putin, presidente da Rússia, acreditava que em alguns dias, semanas no máximo, as forças russas teriam dominado Kiev. Mas a Ucrânia resistiu, com crescente apoio do Ocidente, e muita coisa deu profundamente errado na operação militar russa. As forças de Moscou não estavam à altura da tarefa. Um comboio russo parado de 64 quilômetros ao longo de uma rodovia principal que leva à capital ucraniana tornou-se um símbolo do fracasso militar do Kremlin.

O que os investidores devem esperar de 2023?

As forças ucranianas impediram uma vitória rápida no início de 2022 e o conflito, que Moscou chama de “operação militar especial”, tornou-se uma guerra de trincheiras no leste e no sul.

Nem a Rússia nem a Ucrânia divulgaram oficialmente os números das baixas, mas acredita-se que ambos os países tenham sofrido grandes perdas no campo de batalha desde que Putin lançou a invasão em 24 de fevereiro de 2022.

Crise de Energia na Europa é sinal de recessão mundial?

Oficiais militares do Ocidente estimam baixas em ambos os lados do maior conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial em mais de 100.000 mortos ou feridos. Dezenas de milhares de civis também morreram, enquanto outros milhões fugiram da ameaça de combates.

Com os líderes de ambos os países não dando sinais de trégua, a perspectiva de um fim dos combates a qualquer momento parece distante.

Efeitos globais

Quando as tropas russas cruzaram a fronteira com a Ucrânia, há um ano, desencadearam uma cadeia de acontecimentos que tiveram, têm e continuarão tendo por muito tempo ainda efeitos globais.

O aumento do preço do óleo de cozinha (e de outros alimentos) no Brasil, o calote do Sri Lanka, a crise energética na Europa, o agravamento da pobreza em muitos países, o crescente protecionismo comercial e o retorno de políticas industriais pelo mundo, além do envio de mais tropas americanas para Taiwan, anunciado na quinta-feira (23), tudo isso tem as digitais da invasão russa da Ucrânia.

Houve efeitos diretos, como a alta nos preços dos alimentos e da energia devido às sanções ocidentais contra a Rússia. E efeitos indiretos, como a crescente percepção de risco do Ocidente em relação à China, que está mudando a geopolítica global e levando a um rearranjo da produção econômica mundial.

Aqui estão algumas das principais mudanças no tabuleiro geopolítico global:

Novos blocos se fundem

A guerra agravou os conflitos e confrontos, assim como a tendência global existente para os países se formarem em blocos centrados em torno das grandes potencias Washington (EUA) e Pequim (China). “Mudamos para um mundo multipolar desordenado, onde tudo é uma arma: energia, dados, infraestrutura, migração”, disse Josep Borrell, o alto representante da União Europeia (UE) para as Relações Internacionais, em dezembro.

Sim, tudo agora é geopolítica

A Ásia Central, o Cáucaso, os Bálcãs, a África e a Ásia-Pacífico têm sido teatros de batalhas pela influência entre potências como China, UE, Rússia e Turquia. Seja por meio do financiamento de projetos de infraestrutura ou de acordos de cooperação comercial, militar ou diplomática .

A guerra na Ucrânia abalou ainda mais este cenário, enfraquecendo o controle da Rússia sobre as ex-repúblicas soviéticas na Ásia Central e abrindo um novo papel para a Turquia como mediadora.

Essa reorganização caótica é real, mas provavelmente temporária, avaliam analistas internacionais.

O fim da guerra deve deixar a Rússia e a Europa enfraquecidas e desgastadas, enquanto os dois grandes vencedores desta situação serão os EUA e a China.

Rússia com destino à China

A China teve que considerar a guerra à luz de seu objetivo estratégico de longo prazo de se tornar a principal potência mundial até 2049.

Embora Pequim apoie Moscou, ela evitou movimentos que poderiam alienar o Ocidente.

“A China não está se distanciando, mas consolidou seu relacionamento mais próximo” com a Rússia, disse à agência France-Presse, Alice Ekman, analista da Ásia no Instituto de Estudos de Segurança da UE.

O apoio pode não estar totalmente alinhado e a China não está oferecendo o mesmo nível de ajuda que Washington está dando à Ucrânia, mas “temos que olhar para os fatos: os laços econômicos se fortaleceram”, disse Ekman.

A guerra significa que Moscou corre o risco de se tornar um mero vassalo ou satélite de Pequim.

“A Rússia não está em posição de negociar com a China, que vai tirar o que quiser da Rússia sem dar à Rússia o que ela quer”, como armas ou componentes eletrônicos cruciais, disse a economista Agathe Demarais, especialista em sanções.

Por outro lado, o vasto arsenal nuclear da Rússia – muito maior que o da China – também impede que ela se torne completamente subserviente.

A Europa importa?

Para a União Europeia, a guerra representa tanto a oportunidade de mostrar que pode atuar como um jogador-chave, quanto o perigo de mais uma vez ficar em segundo plano para Washington.

A Europa não está muito mal, mostrou a sua resiliência, a sua capacidade de reagir muito rapidamente desde o início da guerra, com apoio militar, ajuda aos refugiados, reduzindo a sua dependência energética em relação à Rússia.

Demarais, no entanto, afirma que “existem claramente dois blocos, um americano, um chinês junto com seus aliados e a Rússia. “A Europa se tornará um terceiro bloco ou não, ou estará alinhada com os americanos?”

Poucos analistas internacionais veem um futuro para a UE fora do guarda-chuva de segurança dos EUA e da OTAN. A UE busca reduzir suas dependências estratégicas além dos combustíveis fósseis russos, agora em grande parte cortados. Uma declaração em uma cúpula em Versalhes fora de Paris em março passado listou áreas como matérias-primas essenciais, semicondutores e produtos alimentícios como prioridades.

Bruno Tertrais, da Fundação para Pesquisa Estratégica (FRS), com sede na França, disse que os europeus estão sofrendo de “procrastinação estratégica”, recusando-se a agir até que não haja outra opção.

No entanto, a UE tentará abrir caminho para um assento em quaisquer negociações que terminem a guerra. Como diz o ditado: “quem não está na mesa, está no cardápio”.

Estados Unidos se vira para a Ásia

O então presidente dos EUA, Barack Obama, previu em 2009 que “a relação entre os Estados Unidos e a China moldará o século 21”, pressagiando uma mudança no eixo de atenção de Washington do mundo atlântico para o Pacífico.

No entanto, a invasão da Ucrânia pela Rússia sugere que o afastamento da Europa pode não ser tão fácil para o ex-vice-presidente de Obama, Joe Biden. Os analistas americanos avaliam que a Rússia está impedindo essa mudança americana em direção à China.

Biden enfrenta “um ato de equilíbrio”, disse Giovanna De Maio, pesquisadora da Universidade de Washington, destacando “os crescentes apelos para que o conflito seja resolvido o mais rápido possível” de políticos americanos, além de resmungos da oposição do Partido Republicano sobre as entregas de armas de Biden para Ucrânia.

A guerra, no entanto, teve muitas lições a ensinar sobre um potencial conflito com a China em torno de Taiwan, disse recentemente o comandante dos EUA no Japão, James Bierman, ao Financial Times.

“Após a agressão russa em 2014 e 2015, nós seriamente nos preparamos para o futuro conflito: treinamento para os ucranianos, pré-posicionamento de suprimentos, identificação de locais a partir dos quais poderíamos operar o apoio”, disse Bierman.

“Chamamos isso de teatro. E estamos montando o teatro no Japão, nas Filipinas, em outros locais.”

Crise de custo de vida

A guerra trouxe efeitos indiretos para o custo de alimentos, aquecimento e abrigo – três das necessidades mais básicas da humanidade – dos países em desenvolvimento da África à rica Europa.

“Uma crise global de custo de vida já está aqui”, disse o Fórum Econômico Mundial em seu relatório anual de riscos globais para 2023, observando que as pressões já estavam aumentando antes do ataque do Covid-19.

Embora alguns governos tenham tentado conter o impacto, “2022 viu uma onda sem precedentes de protestos sobre a acessibilidade e o acesso ao básico necessário para a vida cotidiana”, escreveram os pesquisadores Naomi Hossain e Jeffrey Hallock em um estudo feito para a Fundação Friedrich Ebert.

“Em vários países, esses protestos se transformaram em crises políticas nacionais maiores, com violência significativa, baixas e demandas por mudanças políticas”, disseram eles.

Os países africanos e do Oriente Médio sofreram especialmente porque importam grandes quantidades de alimentos, bem como países pobres em todo o mundo com pouca margem de manobra financeira.

Zelensky aos ucranianos: ‘Um ano de resiliência, coragem, dor e união’

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de 45 anos, marcou o primeiro aniversário da invasão da Rússia com uma mensagem ao povo ucrâniano, dizendo “vamos derrotar todos”.

Em um vídeo público, intitulado “O ano da invencibilidade”, Zelensky lembrou como se dirigiu aos ucranianos um ano atrás em uma declaração apressada, enquanto Kiev e o mundo se recuperavam do ato de guerra deflagrado pela Rússia.

“Um ano atrás, neste dia, neste mesmo lugar, por volta das sete da manhã, eu me dirigi a vocês com uma breve declaração, de apenas 67 segundos”, disse Zelensky em um discurso de 15 minutos, enquanto uma música solene tocava ao fundo.

“Foi um ano de resistência, um ano de compaixão, um ano de bravura, um ano de dor, um ano ano de esperança, um ano de perseverança, um ano de união, um ano de invencibilidade. Um ano feroz de invencibilidade. Não fomos derrotados. E faremos de tudo para vencer este ano”

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrania

Zelensky, que tem sido fundamental na obtenção de ajuda financeira e militar de todo o mundo para sustentar as defesas ucranianas diante de um exército muito maior, elogiou seu povo.

Ele descreveu 2022 como um ano de resiliência, coragem, dor e união.

“Derrotaremos todas as ameaças – bombardeios, bombas, mísseis, drones kamikaze, apagões, frio. Somos mais fortes do que tudo isso. Foi um ano de resistência, um ano de compaixão, um ano de bravura, um ano de dor, um ano ano de esperança, um ano de perseverança, um ano de união, um ano de invencibilidade. Um ano feroz de invencibilidade. Não fomos derrotados. E faremos de tudo para vencer este ano”, disse Zelensky.

China se abstém de condenar Putin

A China quer evitar que a guerra na Ucrânia fique fora de controle e disse, por meio de seu porta-voz, nesta sexta-feira (24), que “o diálogo e a negociação são as únicas maneiras viáveis ​​de resolver a crise”.

No primeiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia, a China pediu, em um documento de 12 pontos, elaborado pelo Ministério das Relações Exteriores, um cessar-fogo abrangente e uma redução gradual da escalada militar.

O documento é em grande parte uma reiteração da linha da China desde que a Rússia lançou o que chama de “operação militar especial” em 24 de fevereiro do ano passado.

A China se absteve de condenar sua aliada Rússia ou de se referir à intervenção militar russa em território ucraniano como uma “invasão” e também criticou as sanções ocidentais contra a Rússia.

“Conflito e guerra não beneficiam ninguém. Todas as partes devem permanecer racionais e exercer moderação, evitar atiçar as chamas e agravar as tensões e evitar que a crise se deteriore ainda mais ou até saia do controle”, disse o ministério chines em seu documento.

A guerra entrou em seu segundo ano sem fim à vista e a Rússia isolada nas Nações Unidas, enquanto os líderes do G7 devem coordenar mais ajuda para a Ucrânia.

Espera-se que o presidente chinês, Xi Jinping, faça um “discurso de paz” ainda nesta sexta-feira.