ETFs ganham complexidade e diversidade – no mundo e no Brasil
Oferta e diversidade de ETFs aumentou na bolsa, mas adoção ainda está atrás dos EUA
“Os ETFs estão se tornando um ecossistema muito mais diverso e complexo”, declara o Financial Times em reportagem sobre os fundos listados em bolsa. Não é para menos. Só nos Estados Unidos, haviam cerca de 3.500 ETFs disponíveis, que englobavam US$ 9 trilhões em ativos, no fim de maio deste ano, segundo o relatório anual do JP Morgan sobre o setor – apenas pela comparação, toda a indústria brasileira de fundos soma pouco menos de R$ 9 trilhões (ou US$ 1,643 bilhão), segundo a Anbima. Os fundos indexados, como também são chamados, crescem no Brasil, mas os números são mais tímidos. Por aqui, os ETFs representam apenas 0,49% de todo o capital alocado via fundos no País.
O primeiro ETF (Exchange Traded Fund) lançado na B3 completou 20 anos nesta segunda-feira (15/07). O fundo, chamado PIBB11, replica a carteira teórica do IBrX-50, um índice composto pelas 50 ações mais negociadas na B3. Na época, foi necessário reunir BNDES, B3, CVM e Itaú Asset, além da divulgação sobre o novo produto. Foi necessário até embutir na oferta uma opção de venda (chamada de put) para garantir que os investidores pudessem vender suas cotas sem prejuízo um ano depois.
Duas décadas depois, os ETFs se desenvolveram no Brasil, em número de fundos, investidores e estratégias. Se o pioneiro foi um fundo de renda variável, hoje existe uma diversidade de estratégias, como renda fixa, renda variável internacional, commodities e criptoativos. Em 2004, o mercado criado pelo novo produto fechou o ano com um valor de R$ 419 milhões em custódia e um volume médio de negociação de R$ 600 mil. Hoje, a indústria de ETFs acumula mais de R$ 48 bilhões investidos, com um volume de negociação diário superior a R$ 1,4 bilhão. Atualmente, mais de 500 mil investidores – ou seja, uma em cada dez pessoas na bolsa – têm ao menos um ETF na carteira.
No entanto, especialistas alertam que os ETFs no Brasil ainda não alcançaram a popularidade vista em outros mercados, como nos Estados Unidos.
“Quando os ETFs surgiram nos Estados Unidos, eles explodiram. No Brasil começou mais devagar”, diz Elaine Borges, professora doutora de Finanças da USP.
Paula Salamonde, diretora do segmento Institucional e iShares ETF da BlackRock Brasil, concorda que os fundos listados têm muito a crescer no País. “Nosso mercado ainda é muito mais jovem em relação ao mercado americano. E tiveram alguns catalisadores no mercado americano que a gente não teve no mercado brasileiro”, diz.
Um desses catalizadores, diz ela, é o uso dos ETFs por gestores profissionais. “O ETF pode ser parte de uma construção de portfólios, como uma maneira de expressar essa sua visão. Se um gestor quer investir, por exemplo, no Japão, mas não tem um conhecimento profundo do mercado japonês, o mais fácil é ele comprar um ETF que represente a média do mercado japonês”, explica.
“Outro acelerador que aconteceu no mercado americano foi ter os agentes autônomos utilizando os ETFs na construção de portfólios modelo, essa conversa está começando no mercado brasileiro também”, diz Salamonde.
Para Myrian Lund, professora de MBAs da FGV, um dos motivos para o crescimento mais recente dos ETFs por aqui foi a criação de fundos focados no exterior. “A possibilidade de investir em um índice da Nasdaq, de investir num S&P 500, em bolsas lá fora, que tradicionalmente têm uma rentabilidade maior, e o fato de ter mais investidor no mercado trouxe uma procura maior”, diz.
Muito além da renda variável
Por serem fundos listados em bolsa e negociados de forma similar às ações, muitos entendem o ETF como um produto de renda variável. No entanto, na realidade, existem diferentes estratégias que podem ser feitas com ETFs.
Atualmente, existem 100 ETFs listados, que replicam 85 índices diferentes, inclusive internacionais, disponíveis para investimento na B3. Também há 245 BDRs de ETFs, recibos que representam ETFs negociados em bolsas no exterior.
“O ETF é um produto que oferece facilidade muitos grande para se expor a vários tipos de ativos”, diz o planejador financeiro Gustavo Cunha. “Eles começaram nos EUA como fundos ativos, que eram mais ou menos fundos multimercados, só que você conseguia comprar ou vender como se fosse uma ação. Então, você tem uma facilidade muito grande do que os fundos multimercados, que em geral tem prazo de resgate de 60 dias, 90 dias, alguns até mais”, conta ele.
“Depois surgiram os ETFs passivos, que são associados a determinado índice”, diz o planejador. Com isso, o mercado ganhou força e diversidade de estratégias. “Então, você tem ETF de ações de tecnologia, ETF de ações de mineração, ETF de ações de telecomunicações, ETF de criptomoedas, ETF de bitcoin. Você tem vários ETFs aí, o que faz com que você consiga se expor a praticamente qualquer ativo do mundo hoje via eles”.
Elaine Borges ressalta a possibilidade de diferentes estratégias. “Tudo que tem índice pode ter ETF. Tem índice de ações que pagam melhores dividendos, e tem ETF disso. Tem índice de ESG, pode ter ETF disso. Tem índice de small caps. Tem índice só para o Tesouro IPCA +, então também tem um ETF que vai ser só para o Tesouro IPCA +. E isso alivia o investidor de ter que ficar comprando título a título”.
Bloco por bloco
Uma analogia muito usada é que os ETFs podem ser vistos como “blocos de lego” para montar um portfólio diversificado. Assim, pode-se comprar uma parcela de ETFs de renda variável para compor essa parte da carteira, outra parcela em renda variável, inclusive com focos diferentes, com ETFs mais abrangentes, como aqueles que acompanham o Ibovespa, e outros mais temáticos ou setoriais, como os de empresas que mais distribuem dividendos, as mais bem-avaliadas em critérios ESG, ou as ligadas a indústria. Também é possível diversificar em criptoativos, commodities, além de toda a gama de ETFs que investem no exterior ou BDRs de ETFs estrangeiros.
Os porcentuais destinados a cada classe, lembra Gustavo Cunha, dependem do perfil e objetivo de cada investidor e precisam ser decididos com cautela. “Quando a gente está falando de alocação e investimentos, depende de vários fatores, por exemplo, a idade da pessoa. Então, assim, uma pessoa com 80 anos, por exemplo, tem que ter uma carteira muito mais conservadora do que uma pessoa de 20”, diz. “Os percentuais de ETFs arriscados que uma pessoa de 80 teria seriam menores do que na carteira de uma pessoa de 20.”
Ele lembra que mais importante do que quais ETFs vão compor a carteira é o quanto cada um deles representa no portfólio total. “Uma pessoa que tem um ETF de bitcoin não é obrigatoriamente uma pessoa que gosta de risco ou uma pessoa com uma carteira muito arriscada, ela pode ter 0,1% do patrimônio nesse ETF de bitcoin. Se uma pessoa tem 10% em ações da Vale e Petrobras, tem um risco muito maior do que essa que tem esse percentual pequeno em bitcoin. É menos o ativo e mais as proporções”, explica.
Vantagens e desvantagens dos ETFs
Entre as vantagens dos ETFs, os especialistas destacam a transparência. “Você entende quais são todos os ativos nos quais você está investindo, nem sempre essa transparência está disponível em um veículo de fundo”, diz Salamonde.
Além disso, a facilidade de acesso e liquidez chamam a atenção, já que é possível comprar e vender as cotas de um ETF diretamente na bolsa de valores, da mesma forma como as ações, e a crescente diversidade de ETFs e BDRs de ETFs.
Diversificação é outra palavra frequente no tema. “Em um ativo, estou investindo não só numa ação, mas uma cesta diversificada. Eu consigo acessar essa cesta diversificada em uma operação, a mesma operação que eu faço numa ação via uma corretora, de compra e venda”, diz Salamonde. Essa é uma das razões pelas quais Myrian Lund, da FGV, vê os ETFs como um bom início para quem quer investir. “No meu entender, o ETF é fantástico para quem que entrar. Tudo o que eu vou comprar, eu preciso analisar, mas o ETF é um fundo que acompanha um índice. Então, se você conhece o índice e pensa ser interessante para seus investimentos, é muito mais fácil do que ficar escolhendo papéis para comprar”, diz.
O custo também chama a atenção. “Os ETFs têm taxas de administração mais baixas, eu acho que esse é o grande atrativo”, diz Elaine Borges. Gabriel Verea, CEO da provedora de índices Teva, concorda. “A taxa é a única certeza do investimento. Essa é uma das coisas que a gente por que a gente preza tanto pelos investimentos passivos. Você não sabe quando você vai ganhar a mais [no investimento ativo]. Você não sabe se vai fazer mágica, você não sabe se vai ter consistência. Mas se você tiver 2% de taxa todo ano, você sabe que todo ano vai perder 2%. Então se você reduzir a taxa é o melhor jeito de você ganhar no mercado. As taxas são detratoras de resultado”, diz ele.
O planejador Gustavo Cunha também destaca uma vantagem específica para ETFs de renda fixa. “Por exemplo, se você comprar um título do Tesouro brasileiro com vencimento em 2045, é um título longo, com pouca liquidez e, quando chegar em 2045, você ter que comprar outro. Mas há ETFs de renda fixa que já fazem essa rolagem”, diz.
Há, entretanto, pontos de atenção. Cunha lembra, em primeiro lugar, da necessidade de entender o índice ao qual ETF está exposto. Outro é o de justamente avaliar as taxas de administração. “Hoje em dia, tem uma diferença muito pequena entre as taxas de administração de ETFs, mas ainda tem. Então, se você pegar dois ETFs que têm o mesmo ativo objeto, pode ser um que seja melhor do que o outro, no termo de taxa de administração”, diz.
Elaine Borges lembra ainda que, nos investimentos de renda fixa, perde-se no ETF a cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). “O FGC reduz muito o risco de crédito para o investidor de varejo para até R$ 250 mil investidos, para títulos bancários como CDB, LCI, LCA”.
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