Entrevistas

“Não há uma empolgação com o Brasil, mas existem oportunidades interessantes”, diz diretor da Eurasia

Em entrevista ao Bora Investir, Silvio Cascione, diretor da consultoria no Brasil, falou sobre as perspectivas para 2024

Entenda os motivos que fazem do nosso país um destaque em CDI. Foto: Adobe Stock
Entenda os motivos que fazem do nosso país um destaque em CDI. Foto: Adobe Stock

Menor crescimento econômico, reforma tributária no Brasil, juros em patamares restritivos nas principais economias, conflitos armados pelo globo, aceleração da agenda sustentável. O cenário para o próximo ano é complexo e repleto de incertezas. No entanto, o Brasil parece oferecer ao mundo um ambiente “razoavelmente estável. Mesmo com tantos problemas internos e uma dívida elevada, tem oferecido algumas oportunidades e tem investido o capital político para corrigir alguns dos seus problemas”.

A avaliação é de Silvio Cascione, diretor da consultoria Eurasia no Brasil. Em entrevista ao Bora Investir, o executivo falou sobre as perspectivas para a economia brasileira. Segundo ele, a expectativa de uma desaceleração do PIB coloca ainda mais pressão sobre a pauta fiscal. Enquanto o governo corre para aprovar a reforma tributária e turbinar a arrecadação, o crescimento menor dificulta ainda mais o aumento da receita.

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No exterior, o tema central deixa de ser o nível de juros nos Estados Unidos em si, mas os efeitos da taxa mais elevada por lá. Quando virá a desaceleração, em qual intensidade, e quais os impactos políticos dela?

Cascione conversou também sobre a possível entrada do Brasil na Opep+, grupo dos principais países produtores de petróleo, e os impactos da eleição de Javier Milei na Argentina. Confira a entrevista completa:

Bora Investir: Em sua opinião, qual será o principal tema para a economia brasileira no próximo ano?

Silvio Cascione: Acho que o principal tema para o ano que vem é o crescimento econômico. Temos uma perspectiva de desaceleração da economia, alguns sinais que já começaram a mostrar um crescimento mais lento. Isso tem uma série de implicações importantes. Em primeiro lugar, aumenta o risco de queda da popularidade do governo. Por outro lado, também dificulta o equilíbrio fiscal. Essa combinação traz uma série de questões importantes para Brasília.

Esse governo foi eleito com a promessa, não só de devolver o Brasil para um período de maior crescimento econômico, com maior geração de emprego, mas de fazer isso também com distribuição de renda e um aumento nos investimentos para gastos sociais. E isso pode ser atingido com o aumento da arrecadação de impostos, porque a dívida está muito elevada. Para garantir esse aumento da arrecadação, o governo já tem buscado apoio no Congresso, mas se a economia esfriar, essa busca por mais receita vai ficando cada vez mais difícil.

Bora Investir: Falando no cenário fiscal, estamos em meio à tramitação do projeto de reforma tributária. O que você vê de maiores riscos?

Silvio Cascione – Quando a gente fala em reforma tributária, a gente fala em muitas coisas diferentes. Tem a reforma tributária do consumo, tem a reforma tributária da renda, tem também a desoneração da folha de pagamentos, é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. O resultado disso, no curto prazo, para o ano que vem, é um aumento da carga tributária e aumento da incerteza para as empresas.

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No longo prazo, pensando em cinco ou dez anos, o resultado vai ser positivo. Teremos um ambiente melhor no Brasil para fazer negócio, com mais simplificação, mais transparência, mas é um período de ajuste que vai ser duro para muitas empresas e muitos investidores. E quando a gente fala em cada uma das partes dessa reforma tributária, ela anda em velocidades diferentes.

O que tem ganhado mais atenção hoje é a parte dos impostos sobre consumo, que está avançando com bastante força. Até o final do ano a parte constitucional dessa reforma deve ser concluída, e a partir do ano que vem o Congresso começa a trabalhar nos detalhes desse novo sistema, com as leis complementares. Mas é importante deixar claro que ao aprovar a emenda constitucional, que deve acontecer ainda neste ano, a gente chega num ponto de não retorno. As empresas vão ter de se adaptar a um novo sistema que vai ser implementado em alguns anos.

Bora Investir: E essas leis complementares também são importantes para a gente avaliar o impacto real da reforma na carga tributária e em outros pontos, certo?

Silvio Cascione – Elas são extremamente importantes. A carga tributária de uma maneira geral deve permanecer parecida com o que ela é hoje, mas vai ter um efeito distributivo importante. Muitos setores ou atividades que hoje pagam pouco, vão pagar mais, e vice-versa.

Bora Investir: Olhando também para o restante do mundo. Desde o ano passado, um dos fatores mais discutidos são os juros nos Estados Unidos. A gente continua com esse cenário no ano que vem, ou a gente já começa a mudar para outra discussão?

Silvio Cascione – Sim, a história vai começar a mudar para o ano que vem, a gente vai começar a ver sinais de que os juros altos começam a cumprir o seu papel e daí o foco deve passar para o efeito desse aperto monetário, que também traz consequências. No momento em que as economias desenvolvidas, especialmente os Estados Unidos, começam a sentir o efeito dos juros mais altos, você tem um impacto econômico sobre todo o mundo, Brasil inclusive. E é um dos motivos pelos quais a economia tende a se enfraquecer no ano que vem.

Isso tem implicações políticas também. Não podemos esquecer que 2024 é ano de eleição nos Estados Unidos. Em um ambiente econômico mais frio, o risco de derrota do presidente Biden pode crescer. Mesmo que mais adiante o FED venha a cortar os juros, até que esse corte venha a surtir efeito, as eleições já vão ter passado. O ponto principal para o ano que vem é: qual vai ser o tamanho do impacto desses juros mais alto sobre a atividade e o quanto que isso afeta o cenário político norte-americano para as eleições e para os anos seguintes.

Bora Investir: Mudando um pouco o foco de Estados Unidos para a América Latina, vimos a eleição do Milei na Argentina, que vai tomar posse em breve. Na sua opinião, o que isso muda para a região, para o Mercosul e para o Brasil?

Silvio Cascione – Os primeiro sinais que o Milei tem mandado antes da posse são sinais de pragmatismo e moderação. Havia uma preocupação muito grande com o risco de uma vitória do Milei prejudicar muito a relação bilateral com a Argentina e comprometer o acordo comercial com a União Europeia, que tem boas chances de ser concluído. Então, os primeiros sinais que o Milei tem mandato são construtivos. Ele pretende manter a relação bilateral com o Brasil e trabalhar pela conclusão do acordo com a União Europeia. O grande problema é a sustentação política desse governo ao longo do tempo. O desafio para o Milei está lá dentro. E o tamanho do ajuste fiscal que é necessário na Argentina para estabilizar a economia, o tamanho do ajuste cambial que é necessário, indicam que será um ano muito doloroso para a Argentina. Em qualquer democracia traria efeitos. É muito difícil que isso não leve a protestos e a uma contestação de parte do eleitorado ao presidente.

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Então, é um cenário muito desafiador, pensando ainda que essa é uma equipe de governo que ainda tem que ser testada. Qual vai ser o grau de coesão desse time que o Milei está montando? Ele não tem uma experiência prévia em governo, nem perfil claro de delegar muitas tarefas. Então a gente continua relativamente pessimista com as chances de uma estabilização na Argentina mais duradoura. Isso acaba, no longo prazo, sendo negativo para a região e para o Brasil também. Mesmo que a relação do Mercosul com a União Europeia nesse primeiro momento esteja preservada, uma Argentina ainda em situação de crise crônica seria, claro, ruim para toda a região.

Bora Investir: Qual a percepção de vocês da Eurasia sobre a forma como o Brasil tem sido visto pelo mundo?

Silvio Cascione – A comunidade financeira e empresarial tem visto o Brasil com um pouco mais de otimismo, especialmente ao longo desses últimos meses. Teve um susto no início do governo por causa da incerteza sobre a política fiscal, sobre a nova regra fiscal, uma preocupação com as declarações do presidente Lula, que parecia indicar uma política econômica mais desequilibrada, que não veio a ser concretizado.

Ao longo deste ano as preocupações maiores foram se dissipando e mesmo ainda com essas dúvidas que permanecem sobre a meta fiscal para o ano que vem, mesmo com o impacto desse aumento dos impostos sobre muitas empresas, acho que a conclusão geral é que em um mundo com guerras, com quebras de cadeias de produção, com uma série de desafios, o Brasil ainda consegue ser um lugar razoavelmente estável e mesmo com tantos problemas internos e uma dívida elevada, tem oferecido algumas oportunidades e tem investido o capital político para corrigir alguns dos seus problemas.

Acho que é muito bem-recebida pela comunidade internacional a reforma tributária do consumo. A agenda ambiental do governo também tem sido muito bem recebida. Não posso dizer que tem uma empolgação com o Brasil, porque os problemas fiscais e uma série de distorções que ainda existem no Brasil afastam o investimento, e há outros países que são mais competitivos, mas a sensação é de que há oportunidades interessantes e que essas reformas que vão ser implementadas tendem a melhorar o ambiente de negócio do país.

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Bora Investir: Você comentou a questão da agenda ambiental sendo bem-vista. Como fica isso em meio às discussões e o convite recente para o Brasil integrar a OPEP+?

Silvio Cascione – Esse convite para a Opep+ mais é menos importante do que parece à primeira vista. Porque o Brasil nem pode nem vai se comprometer com cortes de produção. Não tem muito a oferecer para a Opep+ e também tem muito que ganhar com esse engajamento.

E por isso não representa nem uma guinada da política externa brasileira. Faz parte do esforço do Brasil de se projetar como uma potência do Sul global e diversificar suas relações para além dos parceiros comerciais tradicionais. Nada mais, nada além disso.

Para a agenda ambiental, é claro que manda uma mensagem um pouco contraditória. Que também não é nenhuma novidade. O Brasil já tem tentado conciliar uma agenda ambiental robusta com uma ampliação da produção de petróleo. A OPEP+ é só um fator a mais nessa equação que já era conhecida.

Também não é um problema só no Brasil. O país que mais tem contribuído para a expansão global da produção de petróleo hoje, além do Brasil, são os Estados Unidos. O próprio governo Biden está diante desse tipo de contradição, de tentar liderar uma agenda ambiental ambiciosa e ainda patrocinar o crescimento da oferta de petróleo nesse curto prazo. Então, eu acho que para o Brasil até agora o custo reputacional não tem sido tão grande, já que não é um problema só do Brasil, é um problema do mundo como um todo.

O Brasil era cobrado e tem conseguido mostrar resultado sobre as taxas de desmatamento. Com o controle das taxas de desmatamento na Amazônia, o país está sim reforçando a posição de negociador importante e vai tentar avançar com uma agenda mais robusta ao longo do ano que vem para que a COP 30, de 2025, seja bastante ambiciosa. Um dos principais planos do Brasil é aumentar as metas gerais dos países participantes da próxima Cúpula, que terá como sede a cidade de Belém, no Pará.

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