“Não há uma empolgação com o Brasil, mas existem oportunidades interessantes”, diz diretor da Eurasia
Em entrevista ao Bora Investir, Silvio Cascione, diretor da consultoria no Brasil, falou sobre as perspectivas para 2024
![Bandeira nacional do Brasil com notas de cem reais. Entenda os motivos que fazem do nosso país um destaque em CDI. Foto: Adobe Stock](https://cdn.borainvestir.b3.com.br/2023/05/14160353/o-brasil-e-o-pais-do-cdi.jpeg.webp)
Menor crescimento econômico, reforma tributária no Brasil, juros em patamares restritivos nas principais economias, conflitos armados pelo globo, aceleração da agenda sustentável. O cenário para o próximo ano é complexo e repleto de incertezas. No entanto, o Brasil parece oferecer ao mundo um ambiente “razoavelmente estável. Mesmo com tantos problemas internos e uma dívida elevada, tem oferecido algumas oportunidades e tem investido o capital político para corrigir alguns dos seus problemas”.
A avaliação é de Silvio Cascione, diretor da consultoria Eurasia no Brasil. Em entrevista ao Bora Investir, o executivo falou sobre as perspectivas para a economia brasileira. Segundo ele, a expectativa de uma desaceleração do PIB coloca ainda mais pressão sobre a pauta fiscal. Enquanto o governo corre para aprovar a reforma tributária e turbinar a arrecadação, o crescimento menor dificulta ainda mais o aumento da receita.
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No exterior, o tema central deixa de ser o nível de juros nos Estados Unidos em si, mas os efeitos da taxa mais elevada por lá. Quando virá a desaceleração, em qual intensidade, e quais os impactos políticos dela?
Cascione conversou também sobre a possível entrada do Brasil na Opep+, grupo dos principais países produtores de petróleo, e os impactos da eleição de Javier Milei na Argentina. Confira a entrevista completa:
Bora Investir: Em sua opinião, qual será o principal tema para a economia brasileira no próximo ano?
Silvio Cascione: Acho que o principal tema para o ano que vem é o crescimento econômico. Temos uma perspectiva de desaceleração da economia, alguns sinais que já começaram a mostrar um crescimento mais lento. Isso tem uma série de implicações importantes. Em primeiro lugar, aumenta o risco de queda da popularidade do governo. Por outro lado, também dificulta o equilíbrio fiscal. Essa combinação traz uma série de questões importantes para Brasília.
Esse governo foi eleito com a promessa, não só de devolver o Brasil para um período de maior crescimento econômico, com maior geração de emprego, mas de fazer isso também com distribuição de renda e um aumento nos investimentos para gastos sociais. E isso pode ser atingido com o aumento da arrecadação de impostos, porque a dívida está muito elevada. Para garantir esse aumento da arrecadação, o governo já tem buscado apoio no Congresso, mas se a economia esfriar, essa busca por mais receita vai ficando cada vez mais difícil.
Bora Investir: Falando no cenário fiscal, estamos em meio à tramitação do projeto de reforma tributária. O que você vê de maiores riscos?
Silvio Cascione – Quando a gente fala em reforma tributária, a gente fala em muitas coisas diferentes. Tem a reforma tributária do consumo, tem a reforma tributária da renda, tem também a desoneração da folha de pagamentos, é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. O resultado disso, no curto prazo, para o ano que vem, é um aumento da carga tributária e aumento da incerteza para as empresas.
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No longo prazo, pensando em cinco ou dez anos, o resultado vai ser positivo. Teremos um ambiente melhor no Brasil para fazer negócio, com mais simplificação, mais transparência, mas é um período de ajuste que vai ser duro para muitas empresas e muitos investidores. E quando a gente fala em cada uma das partes dessa reforma tributária, ela anda em velocidades diferentes.
O que tem ganhado mais atenção hoje é a parte dos impostos sobre consumo, que está avançando com bastante força. Até o final do ano a parte constitucional dessa reforma deve ser concluída, e a partir do ano que vem o Congresso começa a trabalhar nos detalhes desse novo sistema, com as leis complementares. Mas é importante deixar claro que ao aprovar a emenda constitucional, que deve acontecer ainda neste ano, a gente chega num ponto de não retorno. As empresas vão ter de se adaptar a um novo sistema que vai ser implementado em alguns anos.
Bora Investir: E essas leis complementares também são importantes para a gente avaliar o impacto real da reforma na carga tributária e em outros pontos, certo?
Silvio Cascione – Elas são extremamente importantes. A carga tributária de uma maneira geral deve permanecer parecida com o que ela é hoje, mas vai ter um efeito distributivo importante. Muitos setores ou atividades que hoje pagam pouco, vão pagar mais, e vice-versa.
Bora Investir: Olhando também para o restante do mundo. Desde o ano passado, um dos fatores mais discutidos são os juros nos Estados Unidos. A gente continua com esse cenário no ano que vem, ou a gente já começa a mudar para outra discussão?
Silvio Cascione – Sim, a história vai começar a mudar para o ano que vem, a gente vai começar a ver sinais de que os juros altos começam a cumprir o seu papel e daí o foco deve passar para o efeito desse aperto monetário, que também traz consequências. No momento em que as economias desenvolvidas, especialmente os Estados Unidos, começam a sentir o efeito dos juros mais altos, você tem um impacto econômico sobre todo o mundo, Brasil inclusive. E é um dos motivos pelos quais a economia tende a se enfraquecer no ano que vem.
Isso tem implicações políticas também. Não podemos esquecer que 2024 é ano de eleição nos Estados Unidos. Em um ambiente econômico mais frio, o risco de derrota do presidente Biden pode crescer. Mesmo que mais adiante o FED venha a cortar os juros, até que esse corte venha a surtir efeito, as eleições já vão ter passado. O ponto principal para o ano que vem é: qual vai ser o tamanho do impacto desses juros mais alto sobre a atividade e o quanto que isso afeta o cenário político norte-americano para as eleições e para os anos seguintes.
Bora Investir: Mudando um pouco o foco de Estados Unidos para a América Latina, vimos a eleição do Milei na Argentina, que vai tomar posse em breve. Na sua opinião, o que isso muda para a região, para o Mercosul e para o Brasil?
Silvio Cascione – Os primeiro sinais que o Milei tem mandado antes da posse são sinais de pragmatismo e moderação. Havia uma preocupação muito grande com o risco de uma vitória do Milei prejudicar muito a relação bilateral com a Argentina e comprometer o acordo comercial com a União Europeia, que tem boas chances de ser concluído. Então, os primeiros sinais que o Milei tem mandato são construtivos. Ele pretende manter a relação bilateral com o Brasil e trabalhar pela conclusão do acordo com a União Europeia. O grande problema é a sustentação política desse governo ao longo do tempo. O desafio para o Milei está lá dentro. E o tamanho do ajuste fiscal que é necessário na Argentina para estabilizar a economia, o tamanho do ajuste cambial que é necessário, indicam que será um ano muito doloroso para a Argentina. Em qualquer democracia traria efeitos. É muito difícil que isso não leve a protestos e a uma contestação de parte do eleitorado ao presidente.
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Então, é um cenário muito desafiador, pensando ainda que essa é uma equipe de governo que ainda tem que ser testada. Qual vai ser o grau de coesão desse time que o Milei está montando? Ele não tem uma experiência prévia em governo, nem perfil claro de delegar muitas tarefas. Então a gente continua relativamente pessimista com as chances de uma estabilização na Argentina mais duradoura. Isso acaba, no longo prazo, sendo negativo para a região e para o Brasil também. Mesmo que a relação do Mercosul com a União Europeia nesse primeiro momento esteja preservada, uma Argentina ainda em situação de crise crônica seria, claro, ruim para toda a região.
Bora Investir: Qual a percepção de vocês da Eurasia sobre a forma como o Brasil tem sido visto pelo mundo?
Silvio Cascione – A comunidade financeira e empresarial tem visto o Brasil com um pouco mais de otimismo, especialmente ao longo desses últimos meses. Teve um susto no início do governo por causa da incerteza sobre a política fiscal, sobre a nova regra fiscal, uma preocupação com as declarações do presidente Lula, que parecia indicar uma política econômica mais desequilibrada, que não veio a ser concretizado.
Ao longo deste ano as preocupações maiores foram se dissipando e mesmo ainda com essas dúvidas que permanecem sobre a meta fiscal para o ano que vem, mesmo com o impacto desse aumento dos impostos sobre muitas empresas, acho que a conclusão geral é que em um mundo com guerras, com quebras de cadeias de produção, com uma série de desafios, o Brasil ainda consegue ser um lugar razoavelmente estável e mesmo com tantos problemas internos e uma dívida elevada, tem oferecido algumas oportunidades e tem investido o capital político para corrigir alguns dos seus problemas.
Acho que é muito bem-recebida pela comunidade internacional a reforma tributária do consumo. A agenda ambiental do governo também tem sido muito bem recebida. Não posso dizer que tem uma empolgação com o Brasil, porque os problemas fiscais e uma série de distorções que ainda existem no Brasil afastam o investimento, e há outros países que são mais competitivos, mas a sensação é de que há oportunidades interessantes e que essas reformas que vão ser implementadas tendem a melhorar o ambiente de negócio do país.
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Bora Investir: Você comentou a questão da agenda ambiental sendo bem-vista. Como fica isso em meio às discussões e o convite recente para o Brasil integrar a OPEP+?
Silvio Cascione – Esse convite para a Opep+ mais é menos importante do que parece à primeira vista. Porque o Brasil nem pode nem vai se comprometer com cortes de produção. Não tem muito a oferecer para a Opep+ e também tem muito que ganhar com esse engajamento.
E por isso não representa nem uma guinada da política externa brasileira. Faz parte do esforço do Brasil de se projetar como uma potência do Sul global e diversificar suas relações para além dos parceiros comerciais tradicionais. Nada mais, nada além disso.
Para a agenda ambiental, é claro que manda uma mensagem um pouco contraditória. Que também não é nenhuma novidade. O Brasil já tem tentado conciliar uma agenda ambiental robusta com uma ampliação da produção de petróleo. A OPEP+ é só um fator a mais nessa equação que já era conhecida.
Também não é um problema só no Brasil. O país que mais tem contribuído para a expansão global da produção de petróleo hoje, além do Brasil, são os Estados Unidos. O próprio governo Biden está diante desse tipo de contradição, de tentar liderar uma agenda ambiental ambiciosa e ainda patrocinar o crescimento da oferta de petróleo nesse curto prazo. Então, eu acho que para o Brasil até agora o custo reputacional não tem sido tão grande, já que não é um problema só do Brasil, é um problema do mundo como um todo.
O Brasil era cobrado e tem conseguido mostrar resultado sobre as taxas de desmatamento. Com o controle das taxas de desmatamento na Amazônia, o país está sim reforçando a posição de negociador importante e vai tentar avançar com uma agenda mais robusta ao longo do ano que vem para que a COP 30, de 2025, seja bastante ambiciosa. Um dos principais planos do Brasil é aumentar as metas gerais dos países participantes da próxima Cúpula, que terá como sede a cidade de Belém, no Pará.
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