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“Arcabouço fiscal tem potencial para reduzir inflação e juros”, diz Tiago Sbardelotto

Para economista da XP e especialista em contas públicas, se for crível, nova regra é fundamental para dar sustentabilidade as contas públicas e ajudar no crescimento do país

Tiago Sbardelotto, economista da XP e especialista em contas públicas
Tiago Sbardelotto, economista da XP e especialista em contas públicas

O ano começou há pouco mais de três meses e podemos dizer que a palavra de 2023 é Arcabouço Fiscal. Esse nome significa carcaça, ou seja, a estrutura do pacote de medidas do governo para dar sustentabilidade às contas públicas.

Se não bastasse o tempo que as famílias gastam para elaborar os seus orçamentos, o que muitos brasileiros e investidores tem se perguntado é: o que muda no nosso dia a dia com as novas regras fiscais do governo?

 O economista da XP e especialista em contas públicas, Tiago Sbardelotto, explica que um país com regras fiscais ajustadas tende a ter uma inflação controlada e juros mais baixos – o que impacta em um melhor crescimento e mais geração de empregos. 

O analista afirma, no entanto, que o arcabouço fiscal é uma condição necessária, mas não suficiente para impulsionar a economia do país. A busca por um sistema tributário mais justo e com melhor eficiência, aliado às medidas de elevação da produtividade, também precisa fazer parte da agenda de crescimento. 

Veja abaixo a entrevista concedida pelo especialista ao B3 Bora Investir:

Bora Investir: A proposta das novas regras fiscais é baseada principalmente na arrecadação e nas metas de superávit. Partindo dessa premissa, o mercado começou a fazer contas de que possivelmente não será tão fácil o governo conseguir atingir essas metas. Qual a sua visão em relação a essa questão?

Tiago Sbardelotto: O desenho da nova regra fiscal implica um incentivo ao governo em buscar sempre aumentos de receita, porque isso permite gastar mais no futuro. Com isso, esperamos que o ajuste do lado da despesa seja muito pequeno nos próximos anos, já que ela como proporção do PIB deve se manter praticamente estável. Isso impõe que, para se atingir as metas de superávit primário estabelecidas na regra será necessário um aumento substancial de arrecadação, da ordem de 1,5 ponto percentual a 2 pontos percentuais do PIB. 

Não é trivial, dado que a carga tributária já é muito elevada no país. Mesmo que se fale em corrigir distorções do sistema tributário, isso significa no fim do dia que alguém pagará mais e haverá resistência. Portanto, será um desafio enorme atingir as metas estabelecidas.

Bora Investir: O governo já deu declarações sobre medidas para melhorar a arrecadação. A principal delas é levar nichos que não pagavam impostos ou tinham desonerações de volta ao fisco. Qual o impacto disso pelo lado econômico e político?

Tiago Sbardelotto: Ainda que as medidas afetem setores que não pagavam ou pagavam menos do que se esperava por conta de renúncias fiscais, há impacto imediato em termos de preços, dado que um aumento de custos por conta da maior tributação tende a ser repassada ao consumidor imediatamente. 

Adicionalmente, como a maior tributação afeta a estrutura de custos das empresas, há um efeito negativo na atividade econômica – que pode ser significativo em alguns setores e levar a dificuldades. Esses efeitos são mais pronunciados no curto prazo e tendem a se neutralizar se houver uma trajetória crível de política fiscal que produza redução na curva de juros. Mas é um desafio ao formulador de políticas equilibrar esses dois lados da balança. 

Do lado político, a restrição é ainda mais forte, dado que muitos setores que podem perder suas benesses tendem a se mobilizar para impedir quaisquer mudanças. Isso ficou evidente sempre que houve uma discussão sobre a extinção ou alteração de um benefício tributário no Congresso nos últimos anos.

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Bora Investir: Pelo lado das despesas, elas vão estar atreladas a arrecadação (não podem superar 70% da receita primária) e terão piso e teto para aumento de gastos. Tem ainda o componente “anticíclico”. Acha que vai funcionar?

Tiago Sbardelotto: A regra de gasto proposta é menos restritiva que o teto de gastos vigente, já que permite um incremento de gastos real entre 0,6% e 2,5%. O problema é que, se a despesa crescer sempre no nível mais elevado (2,5%), não há ajuste fiscal nem estabilização da dívida sem que haja uma elevação significativa das receitas. 

Ter uma regra de crescimento da despesa é importante, mas seria necessário que fosse mais restritiva para que, em primeiro lugar, tivéssemos uma contribuição maior ao ajuste fiscal pelo lado da despesa e, segundo, para forçar o governo a uma revisão de gastos, mantendo aqueles programas mais efetivos e aperfeiçoando ou extinguindo os demais. 

Da forma como está desenhada, não há ganho nesses dois pontos. 

Bora Investir: Depois de esmiuçar os pontos cruciais do arcabouço, quais pontos positivos e a melhorar você destacaria? Como deve ficar o endividamento do governo?

Tiago Sbardelotto: O lado positivo é, sem dúvida, a existência de um limite para o crescimento da despesa. Havia uma resistência muito grande da área política do governo a aceitar essa ideia, mas a área econômica acabou prevalecendo. Com isso, reduz-se a incerteza com relação à trajetória das contas públicas no médio prazo. 

Do lado negativo, acredito que o desenho é mais complexo que a regra do teto de gastos atual, o que acaba dificultando a avaliação de cenários. Além disso, a sobreposição de um limite superior do crescimento da despesa elevado e uma regra de resultado primário ambiciosa resultam em um ajuste que dependerá, sobretudo, de medidas de elevação da arrecadação. A meu ver, é fundamental que esse limite superior seja alterado para que a composição do ajuste fique mais equilibrado entre medidas de contenção de despesas e aumento de receitas. 

Em relação ao endividamento, só visualizamos uma trajetória de estabilização no cenário em que o governo consegue atingir as metas de resultado primário e a economia cresce a 2,5% ao ano a partir de 2024. Nosso cenário é bem menos otimista e não vemos a dívida se estabilizando até o final desta década sem que o governo adote medidas adicionais para aumentar a arrecadação.  

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Bora Investir:  Quais os principais desafios da nova regra e o que esperar da tramitação no Congresso?

Tiago Sbardelotto: É necessário que a regra seja bem clara e os detalhes bem definidos para que não ocorram os mesmos problemas que aconteceram com o teto de gastos. 

Primeiro, a definição da inflação e da parcela de variação da receita que corrigirá o limite de despesas não pode ser discricionária, ela precisa ser bem estabelecida e, se utilizar valores estimados, determinar as responsabilidades e limites de cada ator no governo e no Congresso. Segundo, não se pode abrir novas exceções ao limite de gastos. O ideal é que as exceções fossem revistas e algumas que não fazem sentido, como as despesas de custeio do piso de enfermagem, incluídas no limite. Terceiro, é preciso definir as situações em que a regra pode ser excepcionalizada, como no caso de pandemia. Isso ajuda a regra a ter perenidade, evitando que alterações sejam feitas a todo momento.

Esperamos uma tramitação célere, já que existe certo consenso da necessidade de uma nova regra fiscal. Mas isso não deve eximir o governo de negociar e ceder em alguns pontos e os congressistas de aperfeiçoar a matéria.

Bora Investir: Qual o impacto da nova regra fiscal para os investidores? 

Tiago Sbardelotto: A nova regra fiscal é fundamental para reduzir as incertezas sobre a sustentabilidade das contas públicas. Se for crível, pode ajudar reduzir as expectativas de inflação e, consequentemente, fazer com que a taxa de juros caia. Com menos incerteza e juros menores, os ativos devem se apreciar, a bolsa pode voltar a subir e o dólar a cair. Portanto, a nova regra fiscal tende a beneficiar os investidores, independentemente do tamanho de seu patrimônio.

Bora Investir: Diante desse cenário de menos incertezas, quais as dicas você dá aos investidores?

Tiago Sbardelotto: Vemos uma redução das incertezas, mas alguns pontos ainda permanecem em aberto. O principal deles é, sem dúvida, as medidas necessárias para o governo fechar as contas, especialmente aquelas relacionadas ao aumento da carga tributária. Portanto, é preciso ficar atento aos próximos passos, já que algumas dessas medidas podem afetar mais alguns setores que outros. 

Uma posição defensiva, com investimentos que sejam menos sujeitos às mudanças na tributação, é uma boa saída.

Bora Investir: O que vai mudar na vida dos brasileiros essas novas medidas? 

Tiago Sbardelotto: A nova regra tem potencial para reduzir a inflação e os juros, abrindo espaço para um aumento do crescimento da atividade econômica e do emprego. É, portanto, uma condição necessária – mas não suficiente, pois existem outras questões a serem resolvidas – para que o país cresça com inflação controlada nos próximos anos. 

Bora Investir: Para concluir, passada a questão do arcabouço fiscal, você acredita que o próximo passo é a Reforma Tributária? Quais outras mudanças o país precisa para voltar a crescer e gerar empregos?

Tiago Sbardelotto: Sem dúvida, o maior desafio hoje depois de aprovar a regra fiscal é a reforma tributária. O país é campeão de tempo gasto para cumprimento de obrigações tributárias, o que representa uma enorme ineficiência (e custo) para as empresas, que tem que usar recursos valiosos para pagar impostos ao invés de dedicá-los à sua atividade-fim. 

Mas a agenda de crescimento não se encerra aí. O próprio governo reconhece que não tem capacidade para impulsionar os investimentos por meio do gasto público, portanto é fundamental criar e manter regras estáveis para permitir a realização de investimentos privados, especialmente em setores em que o país tem enorme carência, como infraestrutura de transportes, energia e saneamento básico. 

Por fim, é necessário avançar na agenda de produtividade, que tem efeitos mais de longo prazo, mas é a única capaz de tirar o país da armadilha da média renda. Abertura comercial, educação técnica e investimento em tecnologia são fundamentais para isso.

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